Há quatro anos o Tampa Bay Lightning vencia a Copa Stanley. Não faz tanto tempo assim, mas parece que a gerência se esqueceu de seu maior triunfo e de como ele foi construído.
Se a conquista da Copa Stanley foi uma surpresa, a lanterna da Conferência Leste este ano não espanta ninguém. O Lightning tem defeitos que a gerência por um longo tempo insistiu em negligenciar.
A começar pelo gol. Johan Holmqvist, Karri Ramo e Marc Denis não agarrariam nem na sua pelada de fim de semana, todos com percentual de defesa bem abaixo dos 90% e com média de gols sofridos acima dos 3,00 gols por jogo. No hóquei é impossível vencer sem goleiro. Basta uma olhada nos últimos goleiros campeões da Copa Stanley para entender isso — Jean-Sebastien Giguere, Cam Ward (então em ótima fase), Nikolai Khabibulin, Martin Brodeur e Dominik Hasek. Nunca, jamais e em tempo algum um Holmqvist da vida estará entre eles.
Tamanha ineficiência debaixo da trave obrigava o Tampa Bay a marcar quatro gols por jogo para ganhar os dois pontos.
Não que marcar gols fosse o problema. Gol e dinheiro são sempre solução, nunca problema. Mas o Lightning não sabe equacionar muito bem a questão.
Os três ases da equipe, Vincent Lecavalier, Martin St. Louis e Brad Richards, consumiam quase US$ 20 milhões do orçamento da equipe. Eles são responsáveis por 40% dos gols e 42% dos pontos. Mais dinheiro para quem produz melhor, é justo. Porém muito dinheiro aplicado em poucas fontes aumenta o risco do investimento. E aí basta que uma das peças, no caso Richards, tenha uma temporada ruim para toda a máquina engrenar.
Exceção feita a Vaclav Prospal, vice-líder da equipe em gols (29) e com salário racional (US$ 1,9 milhão), o Lightning não tem apoio das linhas inferiores. São oito anônimos completando a força de ataque. Cabe ao adversário concentrar seu esforço defensivo na contenção da linha de Lecavalier e St. Louis e o jogo estará praticamente decidido a seu favor.
No dia-limite de trocas, a oportunidade de mudar o curso e redirecionar a franquia ao caminho das vitórias, "vendendo" os jogadores que interessarem aos adversários em troca de futuro e solução para as deficiências da equipe. Essa foi a premissa adotada nas negociações.
O Lightning negociou Prospal (33) com o Philadelphia Flyers
em troca do defensor Alexandre Picard (22) e uma escolha condicional no recrutamento de 2009, baseada no desempenho da equipe nos playoffs — se os Flyers avançarem até as finais da Conferência Leste, a escolha será de segunda rodada, caso contrário será de terceira.
Pesou na decisão do Tampa Bay o relacionamento conturbado de Prospal com o treinador John Tortorella e a condição contratual do jogador, já que em julho próximo ele será agente livre irrestrito e certamente deixaria a equipe, em troca de nada. Melhor apostar em Picard, jovem defensor de futuro, com 72 jogos de experiência na NHL.
Até aí Feaster trabalhou bem. Seu grande erro aconteceu em seguida. O gerente decidiu renovar o contrato do defensor Dan Boyle (31) por seis temporadas e US$ 40 milhões, concedendo ao jogador aumento de 100% em seu salário. Boyle atuou em apenas 17 jogos na temporada, mas para Tortorella ele é a chave da ofensividade da equipe, por sua excelente movimentação e condução do disco da zona defensiva para o ataque.
O ponto é que Boyle consumirá mais de US$ 6,6 milhões do orçamento salarial da equipe por muitos anos. Ele é peça fundamental hoje, mas daqui a quatro anos é provável que sua movimentação não seja um diferencial tão valioso. Boyle teve apenas três temporadas realmente produtivas em sua carreira, nunca foi recrutado e não tem tamanho de defensor.
Trocá-lo provavelmente não seria a opção mais inteligente, mas mantê-lo a este preço também não se mostra um acerto. Com tanto dinheiro aplicado no defensor, restou a Feaster executar a última e mais importante parte do seu plano de renovação: livrar-se de Richards.
O central vencedor do Troféu Conn Smythe em 2004 aceitou abrir mão de sua cláusula de não-troca para ser negociado com o Dallas Stars, junto de Holmqvist, em troca de Mike Smith (25), bom goleiro que finalmente terá a oportunidade de ser titular, algo impraticável em Dallas concorrendo com Marty Turco, Jussi Jokinen (24), especialista em marcar gols de pênaltis e Jeff Halpern (31), atacante de linha inferior, para trazer profundidade.
O Lightning não comportaria o salário de Richards (US$ 7,8 milhões) junto dos dois ases restantes e do novo salário de Boyle. Seria apostar na mesma fórmula que levou a equipe a lugar nenhum nos anos posteriores ao título de 2004.
É claro que Richards é muito melhor que todos os três envolvidos na troca, mas não havia escolha.
Com esta troca a equipe reduziu em cerca de US$ 4 milhões sua folha salarial, possibilitando que a gerência negocie abertamente no mercado de agentes livres em julho. Smith e Jokinen têm mais um ano de contrato, Halpern tem dois. Cerca de US$ 34,4 milhões do orçamento do Tampa Bay para a próxima temporada estão comprometidos e não há agentes livres de nome no elenco, apenas Chris Gratton, que sobreviveu ao dia-limite, ao contrário de Jan Hlavac, cedido para o Nashville Predators em troca da escolha de sétima rodada.
Feaster e Tortorella podem aprender com o time campeão de 2003-04. Naquele elenco estavam os três ases, com suporte ofensivo das linhas inferiores, formadas por Cory Stillman (80 pontos), Fredrik Modin (29 gols), Dave Andreychuk (21 gols) e até mesmo Ruslan Fedotenko (17 gols). Principalmente, aquele time possuía a segurança de Khabibulin no gol.
Não é preciso ter o melhor elenco do universo para vencer a Copa Stanley, basta que haja equilíbrio e química entre os jogadores. E um goleiro de verdade. O Tampa Bay não tinha nada disso até o dia-limite de trocas e decidiu seguir seu próprio exemplo de 2004. Foi apenas o começo, ainda há um longo caminho a ser percorrido.