Por: Eduardo Costa

Sportivi Ghiaccio Cortina

Há pouco mais de um ano, Turim foi sede dos Jogos Olímpicos de Inverno. Dentre todas as modalidades do evento o hóquei sobre o gelo teve um lugar de destaque. Era esperado que esse sucesso fizesse o esporte ganhar espaço na península.

Infelizmente isso não aconteceu. Pouco, ou nada, é encontrado sobre hóquei na mídia da bota. É triste ver que os próprios italianos ignoram sua liga.

Mas nós não somos o Corriere della Sera, muito menos La Gazzetta dello Sport e nem nos chamamos La Repubblica. Somos TheSlot.com.br! Aqui respiramos hóquei, sonhamos hóquei e bebemos Heineken. Então, fazendo justiça à Série "A", fiquem com o informativo sobre o título do Sportivi Ghiaccio Cortina, campeão italiano após longos 32 anos de espera.

1975: o ano que finalmente acabou
Nenhuma outra instituição venceu mais scudettos nos anos 60 e 70. Duas décadas de domínio absoluto, que fizeram com que o Sportivi Ghiaccio Cortina se tornasse sinônimo de hóquei sobre o gelo na Itália nesse período. Antes de 1957 a equipe havia vencido o campeonato italiano apenas uma vez, em 1932. De 1957 a 1975 adicionariam mais 14 Copas. Após a bonança, viria uma seca que parecia não ter mais fim.

A temporada 2006-07 da série "A" tinha um claro favorito desde seu início: o HC Milano Vipers. A equipe de Milão era o time a ser derrotado não apenas pelo SG Cortina, mas também pelas outras sete equipes participantes. Vindo de um pentacampeonato, o time se reforçou com a experiência do ex-goleiro do Chicago Blackhawks, Steve Passmore, e manteve alguns jogadores que contribuíram para a grande sequência de títulos, como o veterano, integrante da seleção azurra, Mario Brian Chitarroni, e o atacante canadense Brett Lysak.

Além de Chitarroni, mais cinco atletas da equipe foram convocados para representar a Itália no último Mundial: os defensores Christian Borgatello, Michele Strazzabosco e Armin Helfer; além dos atacantes Luca Rigoni e Giulio Scandella. Nenhuma outra agremiação cedeu tantos membros para a azurra na competição.

Ainda falando sobre os Vipers, é bom notar que o time de Milão é o único de uma cidade grande da Itália a disputar a liga de hóquei local. As outras oito equipes são de localidades pequenas nos Alpes italianos, onde os esportes de inverno contam com relativo apoio.

Bolzano, que hospeda o HC Bolzano Foxes, é uma dessas localidades. Nenhum time atrai tanta gente (para os padrões locais) na liga. A arena Palaonda, com capacidade de pouco mais de sete mil pessoas, talvez seja o lugar onde mais se respira hóquei em toda a Série "A". Nessa temporada eles eram tidos como as maiores ameaças ao hexa dos Vipers, ainda mais com o artilheiro Michael Omicioli justificando sua contratação ao permanecer entre os maiores pontuadores da liga durante toda a competição. E se o SG Cortina dominou o cenário local nas décadas de 60 e 70, os vinte anos seguintes assistiram a consolidação do HC Bolzano Foxes como melhor time italiano, e o fato de não vencer a S érie "A" desde 2000 já impacienta seus fiéis seguidores.

Citamos os dois maiores obstáculos no caminho do SG Cortina. Agora é hora de resumir o que a organização fez para poder brigar pelo título.

O primeiro grande ato foi montar uma linha capaz de espalhar o caos nos Alpes. Trouxeram do Wilkes Barre/Scranton Penguins, afilhado do Pittsburgh Penguins na AHL, o ponta Jonathan Kenneth Corupe. Canadense da cidade de Hamilton, Corupe terminou a temporada regular com 83 pontos (34 gols e 49 assistências) em apenas 41 partidas. O segundo pontuador do time foi o central, e companheiro de linha de Corupe, Mike Souza (31 + 43). Completando o trio, o asa direito Nick Deschenes (26 + 24). Esse último passou de um canadense qualquer na divisão de acesso do hóquei alemão, à estrela da Série "A". Sem dúvida foi uma linha com alto poder de destruição — para os padrões italianos, é claro.

Mas o ataque do time não se resumiu a apenas esse super trio. SG Cortina deu um duro golpe em seus odiados rivais de Bolzano quando "roubaram" Enrico Chelodi. O atleta é figura constante em convocações da esquadra azurra. Na outra extremidade do gelo o time teve a segurança de Jeff Maund. O goleiro canadense, de boa passagem pelo HK Riga da Letônia, deu poucas chances a seu reserva, devido a sua regularidade e durabilidade. Bem, pelo menos é o que se leva a crer de um goleiro que apresentou ótimos números e atuou em mais de 90% dos jogos do time na temporada.

O único momento de ruptura vivido pelo SG Cortina foi quando o treinador Doug McKay foi exonerado do cargo por motivos ainda pouco claros — na verdade foram motivos claros, mas, considerando que eu não consegui descobrir quais foram exatamente, é melhor dizer que foram motivos obscuros.

Playoffs
Todos os três favoritos citados acima se classificaram com tranqüilidade para os playoffs. Mas a estadia do HC Bolzano na pós-temporada não durou muito, já que foram eliminados pelo modesto Alleghe Hockey nas quartas-de-final. Milano Vipers e SG Cortina fizeram suas respectivas lições com louvor e chegaram à grande final.

A melhor de cinco partidas foi intensa e contou sempre com casa cheia, tanto no Nuovo Stadio Olímpico de Cortina, quanto no Palagorà de Milão.

Cortina venceu o jogo 1 com soberba atuação do trio Corupe-Souza-Deschenes. Os Vipers dariam o troco duas noites depois. Chitarroni, o arisco Ryan Savoia e Brett Lysak mostraram que o Milano também possui uma linha poderosa. Nessa partida a coisa também esquentou, com até brigas acontecendo —  fato bem raro em se tratando da série "A".

Nesses dois jogos iniciais sempre o time da casa sobrou. Isso não voltaria a acontecer nos embates seguintes. O equilíbrio seria a tônica.

A terceira partida de série, realizada em Cortina, foi espetacular. Martin Wilde, Souza e Corupe fizeram 3-0 para os locais. Steve Passmore ainda operou alguns milagres, evitando algo mais embaraçoso. As 2.300 almas que entupiram a arena previam uma goleada faraônica. Bem, não aconteceu. O time milanês empataria a partida para espanto geral. Faltando poucos segundos para o final do tempo regulamentar, o ponta Giulio Scandella cometeu um ato eqüínico (creio que essa palavra sequer exista, mas o Aurélio anda mesmo precisando de novas expressões), ao ser enviado para o banco de penalidades por uma interferência tão infantil quanto desnecessária.

Para desespero dos milanistas e rejubilo dos locais, Nick Deschenes capitalizou a chance. Incrível. O time vencia por 3-0, sofreu o empate e, com 25 segundos para o final de tempo normal, marca o tento que o deixava a apenas uma vitória do tão sonhado título.

Jogo 5. Vencer ou vencer para os Vipers. Primeiro período complicado, de muito estudo e pouca emoção. No segundo um dos símbolos do time de Milão comete um erro bisonho. Lysak perde o disco no centro do gelo para o ensaboado Corupe. O craque do SG Cortina dispara como uma flecha rumo ao gol adversário e depois empala, com precisão cirúrgica, Steve Passmore.  

Então Lysak, vilão há poucos minutos, empata o cortejo. Mas a festa da torcida rossoblu dura pouco. O 2.º par defensivo, Lehtonen-Strazzabosco, faz uma lambança e Giorgio De Bettin, o capitão, recoloca Cortina na frente.

Milano mostra brios e começa a maltratar a meta de Maund. De tanto martelar, o defensor Christian Borgatello empata nos dez minutos finais, e o que era uma partida tensa e imprevisível ganha ainda mais dramaticidade quando o tempo normal termina empatado. Prorrogação. Então, mais uma vez, um atleta milanista comete uma infração estúpida. Chitarroni foi a besta da vez. A ira da torcida caiu, obviamente, em cima da arbitragem. Ainda mais porque quem tem Jonathan Kenneth Corupe, tem gol. E se o SG Cortina teve gol durante sua vantagem numérica, eles tiveram o campeonato. Isso que acontece. Corupe, sem assistentes, marca um gol esperado há 32 anos. O gol que impediu o hexa do time de Milão e que deu o 16.º scudetto ao time de Cortina d'Ampezzo.

Os torcedores do Milano Vipers, enciumados e privados do hexa, acabaram por furtar o troféu que seria entregue ao campeão. Mas o que não está ao alcance das mãos milanistas é título de campeão italiano, temporada 2006/07. Esse, é do SG Cortina! (fiquei uns dez minutos pensando em algo legal para finalizar esse texto, e o melhor que consegui foi isso! Lamentável..).

Elenco campeão
Goleiros: Jeff Maund, Andrea Alberti e Steven Lacedelli
Defensores: Luigi Da Corte, Robert Mulick, Luca Zandonella, Giovanni Boldo, Jeff Dwyer, Cliff Loya e Matt Smith.
Atacantes: Giorgio De Bettin, Francesco Adami, Federico Adami, Francesco Alberti, Cristian Menardi, Enrico Chelodi, Franco Narcisi, Kenny Corupe, Nick Deschenes, Felice Giugliano, Luca Ansoldi e Mike Souza.

Eduardo Costa já foi vocalista de uma banda de death metal.
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Luca Ansoldi e Enrico Chelodi: membros da Azurra e campeões italianos 2007
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Jonathan Kenneth Corupe, mais valioso jogador da Série A, levanta o troféu estepe: torcida milanista roubou a copa oficial!
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Torcida do Cortina faz a festa em Milão. Após longa espera, o 16.º scudetto era uma realidade.
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Página publicada em 4 de julho de 2007.