Por: Mitch Albom

Uma última bala voou na direção de Chris Osgood. Ela tinha endereço certo. Ele parou-a com sua luva, empurrou-a com seu taco e, enquanto a luz azul dançante assinalava o fim do jogo, ele estava estirado sobre o gelo. Mas não por muito tempo. Como dizem nos contos de fadas, "tudo está bem quando termina vermelho".

Bem, ao menos nos contos de fadas que se passam em Detroit.

Eles conseguiram. Depois de seis jogos. Depois de seis anos. Os Red Wings, derrotados em uma dura derrota em três prorrogações duas noites antes, venceram quaisquer demônios que pudessem tê-los seguido desde Pittsburgh e jogaram a partida que tinham de jogar, na noite em que tinham de jogá-la, uma noite úmida, quando o gelo estava duro e corpos eram derrubados como se fossem pinos de boliche. Os Red Wings voavam alto e desciam com violência. Saíram na frente, e desta vez contiveram o furioso abafa e o gol no último minuto. Mantiveram suas batimentos cardíacos num ritmo normal, quando todo mundo em casa tinha taquicardia, lutando com seus cinco homens contra seis do adversário, mergulhando, bloqueando, usando cada último fôlego, sobrevivendo a um chute final de Sidney Crosby que Osgood parou com sua luva e que empurrou longe o bastante para evitar uma milagre de último segundo de Marián Hossa.

"Sempre temos de deixar a coisa interessante", disse Osgood às emissoras de televisão.

Interessante? Aquele final de jogo teria matado boa parte dos mortais. Mas aqui, em território inimigo, os Wings usaram a coragem e o coração que os trouxe até aqui, e, em seu 104.º jogo da temporada, chegaram ao topo da montanha.

Tudo está bem quando termina vermelho.

O Mágico de Oz

"É maravilhoso, não dá para descrever", comemorou Nicklas Lidström em entrevista à NBC nos momentos seguintes à vitória no jogo 6, na última quarta-feira, pelo placar final de 3-2, que não foi tão parelho como pode parecer. "É uma grande sensação."

E é uma coroa nova no mesmo velho reino, a Cidade do Hóquei, graças a um bando inabalável de irmãos do hóquei que condensam o velho e o jovem, o estrangeiro e o norte-americano, os refugos e as superestrelas.

Ali estava o finlandês Valtteri Filppula, pressionando o gol adversário, achando um rebote que esperava por ele e mandando-o por entre as pernas de Marc-André Fleury.

Ali estava Brad Stuart, da cidade de Rocky Mountain House, na província canadense de Alberta, dando um tranco em Crosby que mandou a estrela favorita da liga para o banco como um lutador abalado por um golpe.

Ali estava o sueco Henrik Zetterberg — e lá estava Zetterberg, e ali estava Zetterberg! —, que estava em todos os lugares, na defesa, bloqueando chutes e cortando passes, no ataque, dando a assistência para o primeiro gol dos Wings e marcando o terceiro ao passar por dois defensores e mandar um chute que deslizou por baixo de Fleury e foi jogado para dentro pelo traseiro do goleiro quando este caiu. Zetterberg ganhou o Troféu Conn Smythe como melhor jogador dos playoffs, e, da maneira que jogou, ele poderia ter ganho dois.

"Foi um longo caminho", desabafou Zetterberg depois do jogo. "O ano passado foi devastador, mas esta é uma grande sensação."

E ali estava, por último, Osgood, da cidade de Peace River, também em Alberta, vindo do passado dos Red Wings e saído das sombras, recusando-se a afundar nos medos ou dúvidas das pessoas, parando 20 chutes, segurando tudo quando teve de segurar, tudo mesmo, até os furiosos últimos segundos. Ele fez a última jogada da partida, das finais e da temporada, e então pulou para ficar em pé novamente em comemoração. Ele foi cumprimentado por seus colegas, que sabem muito bem das dúvidas que ele superou.

"Tenho um coração maior do que as pessoas imaginam", disse Osgood.

Ele provou isso — todos eles provaram isso. Os Wings movimentaram-se em massa na quarta-feira, cercando Crosby a cada vez que ele pegava no disco, cercando Fleury sempre que tinham uma chance, cercando os Penguins em cada uma das vantagens numéricas a favor do time de Pittsburgh e cercando o terceiro período até finalmente, com as dançantes luzes azuis, o som da buzina e a temporada encerrada, eles finalmente pudessem cercar a Copa.

Tudo está bem quando termina vermelho.

Começando com impacto

"Nicklas Lidström, venha pegar a Copa Stanley", bradou o comissário da NHL, Gary Bettman. "É sua para levar de volta à Cidade do Hóquei."

Lidström, o capitão, levantou o cálice, sorriu de face a face e balançou-o na direção de seus colegas, que gritavam como crianças na escola. Então, depois de uma breve patinada, ele deu-a não para a maior estrela do time, mas para Dallas Drake, que, aos 39 anos, quase aposentou-se ao final da temporada passada sem nunca ter chegado a uma final. Ele voltou para mais uma tentativa. E ali estava ele patinando com a Copa.

Tudo está bem quando termina vermelho.

Então levou um pouco mais de tempo do que você imaginava. Mas veja como é relativo: você esperou por dois dias; o time esperou por seis anos.

Mas valeu a pena. Foi merecido. Estes Red Wings disputaram 22 jogos de playoffs nesta temporada, ganharam 16 deles — e talvez nenhum tenha sido tão forjado a fogo como este, com duas vantagens de dois gols, as duas diminuídas para um, segurando a gritante onda branca de um Iglu lotado que sabia que estava assistindo ao último jogo em casa da temporada e queria desesperadamente ver mais um em Detroit.

Mas os Wings não se apavoram facilmente. Eles ganharam todas as séries destes playoffs fora de casa. E dá para dizer que a derrota em casa que precedeu esta última vitória foi instrumental em sua história de 2008. Apesar de todos os impressionantes feitos do Detroit nesta temporada, conseguir superar o trauma daquele jogo 5 é um feito que merece estar no topo da lista.

Teria sido fácil, talvez até perdoável, se os Wings tivessem vindo para o jogo de quarta-feira como um pneu que não está completamente infaldo. Nunca se sabe como um derrota, quando se está a 35 segundos do título, pode after um time. É claro, dá para falar à imprensa que "o time já a superou", mas ninguém supera tão rápido um jogo como aquele. Fica na cabeça; Dança com os demônios que querem atormentar o time. Assombra tudo quanto é frase que se consiga pensar começando com "o que aconteceria se...".

É aí que entram Mike Babcock e Lidström. É aí que entram Chris Chelios, Kirk Maltby, Darren McCarty e o espírito calejado e ruivo de Kris Draper. É aí que entram todas as pessoas que já estiveram nessa situação e dizem: "Calma, calma, nós conseguimos lidar com isso. Sabemos o que estamos fazendo."

Os Wings precisavam comprovar essa teoria no gelo. Logo de cara.

Assim, Osgood, de 35 anos, começou o jogo com um chute à queima-roupa de Petr Sykora — que tinha sido visto pela última vez marcando o gol da vitória em Ozzie no jogo 5 —, mas, desta vez, em um chute muito mais difícil, Osgood impediu.

Teoria comprovada.

E Brian Rafalski, de 34 anos, que marcou o que poderia ter sido o gol da vitória no jogo 5, disparou um chute depois de um belo passe de Zetterberg que desviou na caneleira de um jogador dos Penguins, passou por Fleury e morreu no gol.

Teoria comprovada.

Trintões e jovens em seus vinte e poucos anos. O melhor trunfo dos Wings é sua combinação de juventude e experiência, e eles a empregaram muito bem no primeiro período, segurando a torcida e qualquer inércia que os Pens pudessem ter carregado consigo desde sua vitória de duas noites antes.

E, finalmente, o jogo, a temporada, e a espera de seis anos tinham acabado.

E todos nós desmaiamos.

O futuro mais promissor

Os Wings podem ter ganho estas finais em seis jogos, mas vamos ser francos: os Penguins são um jovem gigante adormecido, que pode ser acordado a qualquer momento. E, por uns instantes, parecia que esta série poderia ter virado a favor deles. Eles são um formidável elenco jovem, com o poder estelar de Crosby, Fleury e Evgeni Malkin — que finalmente acordou na quarta-feira, marcando o primeiro gol dos Pens — e 17 jogadores abaixo dos 30 anos, e ninguém vai se surpreender se estes dois times se encontrarem de novo nas finais.

"Os deuses do hóquei não estavam do nosso lado [na quarta-feira]", disse o técnico do Pittsburgh, Michel Therrien. "Eles mereceram ganhar a Copa Stanley."

OK. Ele está certo. E a versão 2008 da Copa é um evento de referência. É o primeiro título do Detroit na era moderna que não contou com Steve Yzerman como capitão ou Scotty Bowman como técnico. O primeiro a ser conquistado sem o benefício de assinar contrato com qualquer agente livre caro que os Wings quisessem. O primeiro a ser vencido com um capitão europeu.

Uma Copa totalmente nova no mesmo velho reino. O teto salarial era para ser o fim do domínio do Detroit, mas Ken Holland e Jim Nill conseguiram achar diamantes em estado bruto, e os Wings vinham sendo uma franquia vitoriosa, mas sem coroa desde 2002, quando ao menos dez membros em potencial do Hall da Fama faziam parte de seu elenco.

Talvez não haja tantas lendas neste time. Mas eles teceram uma tapeçaria rica o bastante nesta temporada, da excelência de suas superestrelas em pleno reinado, Zetterberg e Pavel Datsyuk, ao exemplo estável e legítimo de Lidström e à melhor dupla de goleiros da NHL, Dominik Hasek, que os ajudou a chegar aqui, e Osgood, que os levou até o topo da montanha.

Imagine como está se sentindo Babcock, que chegou a alguns períodos de uma Copa Stanley com o Anaheim e devia estar pensando se chegaria de novo tão perto. Ele manteve seu time equilibrado e calmo, sorriu ao longo da agonia da derrota de segunda-feira e estava com um sorriso ainda mais largo na quarta. "Estou só orgulhoso de ser o técnico do Detroit Red Wings", limitou-se a dizer.

Imagine como estão se sentindo Datsyuk e Zetterberg, que agora ficaram de verdade com a pecha de superestrelas que antes pertenciam a Yzerman, Shanahan e Fedorov. Até conquistar o título, até liderar o caminho, vive-se na sombra dos que o fizeram antes. Nada mais disso para Pav e Hank. Eles são a dupla a se bater. E seus melhores anos certamente ainda estão por vir.

Imagine como está se sentindo McCarty, aposentado do hóquei poucos meses atrás. Mas lá estava ele de volta — não só à NHL, mas às finais da Copa Stanley, graças à fé de seu bom amigo Draper e de um bom dirigente, Holland.

"Tudo isso é um conto de fadas para mim", disse-me McCarty há não muito tempo.

E isso foi antes de ele ganhar outra Copa.

Saudações ao capitão

Imagine como está se sentindo Dan Cleary, o primeiro jogador da província de Terra Nova a ganhar uma Copa. Pode não haver muita gente lá, mas Cleary nunca mais vai ter de pagar por um drinque.

Imagine como estão se sentindo os jovens, como Filppula, de 24 anos, e Darren Helm, de 21, que só vão melhorar daqui para a frente. Imagine os velhos, como Chelios, de 46, que demonstrou sua classe de veterano ao não reclamar de ficar fora durante estas finais, e Hasek — um membro do Hall da Fama de 43 anos —, que abordou a situação da mesma maneira.

E, falando de veteranos, imagine como está se sentindo Lidström, de 38 anos, que nunca vai admitir o quanto significa para ele ter seu nome gravado como capitão — o primeiro capitão europeu na história dos campeonatos da NHL. Se essa honra devia ir para alguém, por que não para aquele que talvez seja o meçhor defensor da história da NHL? É uma bela simetria, não acha?

Imagine como está se sentindo Mike Ilitch, que continua a colocar dinheiro e pessoal no clube, que eontinua a ser motivo de inveja entre jogadores da NHL. Ele chegou perto de um título recentemente com os Tigers. Ele ganha este aqui com sua franquia esportiva original, e ninguém vai poder dizer que ele o fez ao esvaziar um cofre maior que o de seus concorrentes. Esta é a era do teto salarial. Todo mundo começa com as mesmas fichas. O que importa é como você as investe.

Tudo está bem quando termina vermelho. Nos próximos meses, no próximo ano, veremos mais camisas com os nomes de Johan Franzen, Zetterberg e Osgood pela cidade, e talvez menos de Yzerman, Shanahan e Hasek. Tudo bem, tudo bem. É a progressão natural de um clube, e este acaba de dar um salto fantástico rumo a um belo e desimpedido futuro. Os Wings deram esse salto do jeito mais difícil, em um jogo — e uma série de três noites — que simbolizou como é difícil ganhar o maior troféu do esporte norte-americano, mesmo quando você acha que tem o melhor time, até os furiosos segundos finais.

É uma Copa inteiramente nova no mesmo velho reino. E, mesmo se pareceu ter levado uma eternidade, parece ter chegado na hora certa.

Mitch Albom é colunista do jornal Detroit Free Press. O artigo foi traduzido por Alexandre Giesbrecht.
Edição Atual | Edições anteriores | Sobre TheSlot.com.br | Comunidade no Orkut | Contato
© 2002-08 TheSlot.com.br. Todos os direitos reservados. Permitida a reprodução do conteúdo escrito, desde que citados autor e fonte.
Página publicada em 8 de junho de 2008.