Esta Copa de 2008 deverá ser lembrada por vários motivos. A primeira
liderada por um capitão europeu é um deles, mas não o principal.
O principal a ser recordado está relacionado ao jogo 5. O jogo em que o time que vencia a série por 3-1 e o jogo por 3-2, e deixou escapar a Copa a meio minuto do fim. 30 segundos. Torcida de pé, festejando, Copa a caminho. Gol de empate sofrido. Na prorrogação, este time, jogando em casa, pressionou, pressionou e pressionou, mas levou o gol no terceiro tempo extra. Jogando em casa. Derrota devastadora.
O discurso no fim do jogo e no dia seguinte é o clichê habitual. "É passado, vamos olhar para frente, blábláblá". É evidente que uma derrota daquela permeia seus sonhos, ou melhor seus pesadelos, nos dias seguintes. É evidente que uma derrota daquelas está sim na sua cabeça quando você entra no gelo no jogo seguinte, apenas dois dias depois. Resta saber como você lidará com isso.
Este mesmo time impressionantemente não se abalou e entrou no jogo 6 rasgando o adversário, abrindo uma vantagem de 2-0 já no primeiro período. Sempre manteve a liderança na partida, até fechar o jogo e a série e a Copa.
Ou seja, como um time sofre um baque daquela magnitude do jogo 5 — e não vamos diminuir o ocorrido, foi sim uma derrota devastadora, uma montanha de gelo caindo sobre a cabeça do time — e entra no jogo seguinte, dois dias depois, fora de casa, com exatamente o mesmo espírito matador?
Experiência? Equilíbrio emocional? Sabedoria? Possivelmente.
Talvez o retrato disso seja o técnico Mike Babcock, de postura praticamente imutável, seja na vitória, seja na derrota, seja na catástrofe, seja na conquista. Eu olho para ele e lembro um pouco de Pete Sampras, pela postura com que encara as coisas. E é certo que ele consegue transmitir essa postura tranqüila para a equipe, ao menos boa parte do tempo.
Algo de que eu jamais me esqueço é de uma frase de Babcock, quando ainda era técnico do então Anaheim Mighty Ducks, após seu time eliminar o Detroit nos playoffs de 2003: "Os deuses do hóquei recompensam os mais batalhadores" ("The hockey gods reward the hardest workers". Retratava como os Ducks haviam lutado mais que os Wings naquela série, tendo sagrado-se vencedores com uma sonora varrida na primeira fase dos playoffs. Henrik Zetterberg era um novato e Curtis Joseph estava no gol do Detroit. Babcock perderia a final da Copa daquele ano para o New Jersey Devils, mas apenas no jogo 7.
Curiosamente o técnico dos Penguins declarou ao fim jogo 6 que "os deuses do hóquei não estava do nosso lado esta noite, eles [Red Wings] mereceram vencer a Copa Stanley".
Os deuses do hóquei estão sempre presentes.
Todos os adversários eliminados pelos Red Wings foram finalizados em suas próprias arenas. Ou seja, o Detroit fechou todas as séries nesses playoffs jogando fora de casa. Em duas delas — a final da Copa e a final de conferência — sob forte pressão, quando (quase) todos julgavam que o "momentum" estava do lado adverso.
Jogos 1 e 2 à parte, foi a melhor final de Copa Stanley que eu já vi em termos de qualidade. Não me recordo de ter visto, desde 1997, dois times tão bons na final, protagonizando jogos tão apertados, disputados e vistosos — ainda que um tanto amarrados nas bordas. Ainda vejo a final de 2006 entre Carolina Hurricanes e Edmonton Oilers como a mais emocionante em mais 12 anos de NHL, mas a deste ano supera, e muito, em termos de qualidade.
Que os deuses do hóquei nos ofereçam uma final-revanche desta.
Marcelo Constantino finalmente tirou sua barba de playoffs da Copa Stanley.