Por 14 temporadas, por mais que tentasse fugir, ele sintonizava seu televisor nas finais da Copa Stanley. Sempre imaginando como seria viver aquele momento. Erguer o Santo Graal do hóquei mundial. Quatorze temporadas e nada. A felicidade alheia lhe causava até certa inveja, ele confessou.
Até que Larry Pleau, então gerente geral do St. Louis Blues, foi até a residência de Dallas James Drake, em Traverse City, Michigan, onde informou ao jogador que ele não mais fazia parte dos planos do clube.
Blasfêmia? Pode apostar que sim.
Mas a dispensa dos Blues, que poderia ser encarado como o fim da linha para o gladiador das bordas, acabou se tornando uma dádiva. Um tributo pago pelos deuses do hóquei pelos serviços prestados por Drake ao esporte. Pelo sangue e suor derramados. Pelos ossos fraturados.
Ken Holland, gerente dos Red Wings, perguntou ao treinador Mike Babcock o que ele achava de Drake. A resposta foi um "Contratem-no!" Salário? Sem problema. Drake jogaria até de graça pelos Wings naquele ponto de sua carreira. Como isso não é possível, assinou pelo mínimo possível — quem disse que já não existe amor a camisa no mundo dos esportes profissionais?
Então o ídolo das multidões retornou ao solo sagrado. Onde foi ídolo no hóquei universitário e onde iniciou sua carreira na NHL, pelos próprios Wings. Voltou para terminar o que começou a construir em 1992.
Uma minoria da grandiosa torcida vermelha não viu o reforço com bons olhos. Nem mesmo um feito superlativo do peregrino do gelo convenceu aqueles poucos infiéis. Em março, contra o Chicago Blackhawks na Joe Louis Arena, Dallas Drake assinalava sua assistência de n.º 300 na NHL. Isso na mesmíssima noite em que chegou ao seu milésimo jogo! Uma façanha.
Mas Drake não retornou com o objetivo de dar cátedra ofensiva em jogos insignificantes de temporada regular, e sim para ser um dínamo nos playoffs. Voltava com um objetivo claro: dar a vida pela Copa!
Como fez contra o Dallas Stars.
Os texanos estavam animados após duas vitórias seguidas e atuavam em casa no jogo 6 das finais da Conferência Oeste. Mas Drake esfriou o entusiasmo local. Logo no início do embate um passe dele encontrou o rosto (!) de Kris Draper e o gol. No mesmo período inicial Dallas voltaria ser o carrasco de Dallas. Após grande projeção de Brett Lebda, Drake não deu chance a Marty Turco. Aqueles 3-0 praticamente garantiam a vaga nas finais da Copa Stanley para o Detroit. Não faltou, é claro, um tranco poderoso em Stephane Robidas, vítima preferencial de Drake na série.
Após os 60 minutos, óbvia escolha: Drake, primeira estrela do prélio.
E após seis jogos contra os Penguins lá estava a Copa Stanley com Drake. Linda, única, toneladas de glórias, de histórias fantásticas de superação e talento. Mais de mil jogos depois, a recompensa. Ao final de sua 15.ª temporada, o objetivo era atingido.
O capitão Nicklas Lidström, Mister Norris, Mister classe, há muito já sabia para quem entregar a Stanley: "Pensei nisso na primeira rodada. Se vencermos a Copa Stanley esse ano, para quem a entregarei primeiro? Não disse a ninguém, mas pensei que Dally seria uma ótima escolha, tendo atuado (15) anos nessa liga, sem nunca ter chegado às finais e finalmente ter a chance de tocar a Copa."
O sueco foi testemunha do caráter vencedor, da entrega desmedida e da liderança exemplar de Drake quando ambos começavam suas carreiras na NHL. Drake mal podia acreditar quando Lidström patinou em sua direção — ao mesmo tempo que alguns companheiros o empurravam rumo ao capitão.
"Significou muito para mim o gesto dos meus companheiro, eu já pensava que nunca chegaria a esse momento. Não acreditava que teria a chance de erguer a Copa. O sonho se tornou realidade esta noite," E ainda completa: "Não consigo traduzir em palavras o que estou sentindo agora."
Sim, Drake, aqui nos corredores inóspitos da redação também faltam palavras; mas sobram sentimentos. Poucos atletas da NHL possuem tantos seguidores por essas bandas como você. Também sabemos como a vitória é ainda mais saborosa após conhecermos a derrota.
Muitos também não dormiram, pensando nos segundos que restavam no jogo 5 até Max Talbot empatar. "35 segundos... 35 segundos."
No jogo 6, enquanto você olhava para os patins e percebia que o tempo passava mais lento, quase que parando, quase que anunciando um novo empate nos segundos finais, teus súditos também sentiam a mesma agonia.
Mas quando você levantou a Copa , saiba que não a ergueu sozinho. Estávamos lá. Como nunca deixamos de estar também nos momentos ruins.
E para os incrédulos, os que até zombaram, não esperem uma vingança. D17s perdoa. Ele é justo.