Na
semana passada, logo depois do sinistro incidente com Jiri Fischer,
deu-se o primeiro jogo entre Detroit Red Wings e Colorado Avalanche
na temporada. Evento que até bem pouco tempo atrás era cercado
de grandes expectativas, o jogo deste ano mostrou que a rivalidade
entre os dois times praticamente inexiste hoje em dia. Tudo aquilo
que ali por 1996-99 já foi permeado de sangue e ódio, hoje acabou.
Ainda que o ambiente estivesse carregado pelo episódio envolvendo
Fischer — o jogo foi dois dias depois da convulsão —,
é perceptível que resta quase nada daquela velha rivalidade. Aliás,
no dia seguinte ao jogo, mal se conseguia ler sobre o jogo. As
manchetes e matérias, com justiça, focavam na recuperação de Fischer,
como ele estava reagindo, se voltará a jogar ou não, etc. O jogo
passou praticamente em branco.
Pudera, os elencos mudam com o tempo. De ambos os lados, mas especialmente
do Colorado. Ano após ano os personagens principais da rivalidade
foram deixando a equipe de Denver: Claude Lemieux, René Corbet,
Mike Keane, Sylvain Lefevre, Uwe Krupp, Valeri Kamensky etc. Até
que Patrick Roy se aposentou e, nesta temporada, se foram Peter
Forsberg e Adam Foote. Do elenco de 1997, resta apenas um: Joe
Sakic.
Do lado dos Wings surpreendentemente ainda há meia dúzia de jogadores
do elenco de 1997: Steve Yzerman, Brendan Shanahan, Kris Draper,
Kirk Maltby, Thomas Holmstrom e Nicklas Lidstrom. O goleiro Chris
Osgood também integrava o time na época, mas saiu e agora retornou
ao time.
Aliás, desconheço se algum outro time atual da NHL manteve durante
oito (ou nove, se houvesse a de 2004-05) temporadas consecutivas
uma espinha dorsal de seis jogadores. No mercado de jogadores
de hoje em dia, isso me surpreende.
Os torcedores de ambos os lados conheciam e acompanhavam a temporada
do time rival. Conheciam jogador a jogador. O que acontecia em
Denver era notícia em Detroit e vice-versa. Hoje em dia é bem
provável que um torcedor de Denver pergunte quem é esse Dan Cleary
ou aquele Johan Franzen, assim como um de Michigan desconheça
quem sejam Brett Clark e Brett McLean.
Sem personagens principais e sem herdeiros, fica difícil manter
uma rivalidade. Mais ainda quando o perfil dos times muda. Wings
e Avs dominaram amplamente o Oeste nos últimos dez anos. Hoje
não é assim.
Em 2002 ainda havia muito do rescaldo da rivalidade, que já vinha
arrefecendo desde 2000. O que ainda segurava o grande evento que
era todo e qualquer encontro entre Detroit e Colorado era o passado
sangrento recente e o fato de que eram sempre dois dos grandes
favoritos ao título. Dois timaços.
E o último grande encontro, aquele que parece ter selado o fim
de uma das mais sensacionais rivalidades do esporte norte-americano
dos últimos tempos, foi naquele jogo 7 da final da Conferência
Oeste de 2002, com a surpreendente goleada de 7-0 dos então futuros
campeões Red Wings. Jogo 7 à parte, a série foi um espetáculo
de hóquei. Dali pra cá ambos os times entraram em declínio quando
a verdadeira hora chega — os playoffs — e mesmo os encontros
na temporada normal já não tinham aquele cheiro de guerra.
Hoje em dia os Avs certamente têm no Vancouver Canucks um rival
mais proeminente que os Wings. Especialmente depois da agressão
de Todd Bertuzzi a Steve Moore, mas já era uma rivalidade em ascensão.
Os Wings não encontraram um outro rival para substituir os Avs,
então sempre há uma expectativa quando os times se encontram:
será que vai ter alguma coisa pra trazer tudo aquilo de volta?
Não tem nada há algum tempo.
Mas, claro, tal qual dois inimigos que fizeram um acordo de paz,
basta um motivo para que o histórico passado volte à
tona.
O jogo
A vitória de 7-3 sobre os Avs representou uma pequena ruptura
para os Red Wings, que até então carregavam quatro derrotas seguidas
nas costas. O time jogou bem, a despeito do peso das derrotas
e do episódio Fischer. Mikael Samuelsson foi o destaque do jogo,
com dois gols e quatro pontos, mas o conjunto da equipe esteve
bem. Apesar do placar dilatado, a partida foi equilibrada até
o terceiro período, quando um disco disparado por Brad May poderia
ter empatado o placar, que estava em 4-3 para os Wings. O disco
não entrou e Pavel Datsuyk logo deu um gol para Jason Williams
ampliar o marcador. Dali em diante o jogo foi do Detroit.
Tal qual na temporada, no jogo os Avs alternavam bons e maus momentos.
O técnico Joel Quenneville ficou possesso quando o time desperdiçou
uma chance de vantagem numérica de dois homens por dois minutos.
"A minha tese é a seguinte: se você não marca num 5-conta-3, você
não vence o jogo", disse ele depois da partida.
Quenneville escalou o goleiro reserva, Peter Budaj, para o jogo
e o resultado não foi lá muito agradável. Mas a verdade é que
goleiros não fazem mais a diferença nesse clássico. Não é mais
tempo de Patrick Roy.
Marcelo Constantino dá o braço a torcer aos
dois novos heróis — Joel Santana (!) e Obina (!!) —
daquele time que existia no Rio de Janeiro, o Flamengo.