O time de hóquei canadense foi de grande favorito ao título a decepção, e dessa condição ao ouro. Tudo isso dentro do mesmo torneio. No último dia dos Jogos Olímpicos de Vancouver, o favorito Canadá conquistou a medalha de ouro mais desejada pelo seu povo, mas ela não veio fácil. Muito pelo contrário, esse time deve que crescer dentro do torneio para conquistar o título.
O Canadá começou o torneio como era esperado, goleando a Noruega por 8-0. Na partida, Roberto Luongo fez 15 defesas e Jarome Iginla marcou três gols. Mas apesar do placar elástico, os canadenses mostraram muitas deficiências, especialmente no primeiro período, e a vitória aconteceu graças aos talentos individuais da seleção.
No segundo jogo, contra a Suíça, essas deficiências foram ainda mais evidentes, afinal os canadenses enfrentavam um time um pouco mais qualificado do que o da estreia. Depois de estarem perdendo por 2-0, os suíços chegaram ao empate no segundo período. Um Canadá desorganizado tentava de qualquer jeito desempatar a partida. Mas a falta de criatividade para trabalhar as jogadas ajudou o goleiro Jonas Hiller a fazer 45 defesas, levando a partida para os pênaltis. Martin Brodeur defendeu as quatro tentativas suíças e Sidney Crosby bateu Hiller na sua segunda tentativa, quarta do Canadá.
Depois da vitória apertada que expôs algumas deficiências da seleção, as dúvidas em relação ao Canadá começaram a surgir. Mas foi no jogo seguinte, contra os Estados Unidos, que o sinal de alerta foi aceso de vez. Os canadenses demonstraram as mesmas deficiências, porém contra um adversário bem mais forte. Pra piorar ainda mais, Brodeur teve uma atuação pífia, muito abaixo do seu verdadeiro nível. Duas falhas suas na saída do disco resultaram em dois gols americanos, que venceram por 5-3.
O placar equilibrado foi mais devido à postura americana, pois todas as vezes que os Estados Unidos tinham a vantagem no placar, eles recuavam, deixando o Canadá pressionar. Nessa hora, a desorganização ofensiva ficava evidente. Quando os canadenses conseguiam fazer uma jogada melhor, esbarravam na excelente atuação de Ryan Miller, que fez 42 defesas no jogo. Apesar disso e da pressão por estar perdendo em casa, o Canadá conseguiu igualar o placar duas vezes. Mas sempre que a partida ficava empatada, os Estados Unidos saíam pro ataque, pressionavam um pouco e acabavam conquistando a vantagem.
Graças a esses resultados, o Canadá foi obrigado a disputar a repescagem do torneio. Pressionados pelo baixo nível técnico apresentando, o treinador Mike Babcock promoveu algumas mudanças de linha, postura e táticas, além de devolver a titularidade a Luongo. O resultado começou a aparecer já na partida da repescagem, contra a Alemanha. O Canadá passou a proteger mais a frente do seu goleiro, deixando para os adversários apenas as bordas para criarem jogadas ofensivas. O jogo físico passou a ser mais eficiente, já que os adversários estavam com menos espaço e as tacadas a gol sofridas eram menos perigosas. No ataque, o número de jogadas individuais diminuiu e os canadenses começaram a envolver mais o oponente.
Ainda assim, a pressão ainda era grande e os canadenses erravam vários passes e tacadas a gol. Foi só no segundo período da partida, quando o Canadá abriu 2-0 no placar, que o time deslanchou e essas mudanças começaram a ser revertidas em gol. O 8-2 em cima dos alemães creditou o Canadá a disputar uma vaga na semifinal com a Rússia, outra grande favorita ao título.
Nas quartas-de-final, o Canadá conseguiu um gol logo no começo do jogo, o que quebrou um pouco da pressão causada por um jogo desta magnitude. Os russos demoraram a encontrar o seu jogo e os canadenses aproveitaram o momento para construir um placar com um primeiro período muito consistente. O Canadá voltou para o segundo com a mesma pegada, ampliando a distância no placar. A partir dai foi só administrar o placar de 7-3.
Com essa mudança de postura e uma vitória expressiva sobre a Rússia, o Canadá mandava a mensagem de que tinha encontrado o seu jogo. E era um estilo bom de se ver, baseado no coletivo, apesar dos inúmeros talentos individuais. Nos jogos contra os Estados Unidos e Suíça, por exemplo, se via muito Crosby, Rick Nash e outros tentarem várias vezes resolver sozinhos. Já na segunda fase, o talento individual era usado para trabalhar o disco da defesa ao ataque, como na linha que juntou a habilidade do Crosby, a precisão nas assistências de Eric Staal e o poder de finalização de Iginla. Juntos, os três combinaram 20 pontos no torneio.
Na semifinal, o Canadá encontrou a Eslováquia, que tinha passado pela então medalhista de ouro, a Suécia. Apesar de ter um time muito bem postado e que contava com a experiência de jogadores veteranos, aliados a jovens talentos, os eslovacos não foram páreos para os canadenses, que dominaram os dois primeiros períodos e só não aplicaram uma goleada sonora por causa da grande atuação do goleiro Jaroslav Halak. O erro dos canadenses foi administrar o jogo muito cedo, dando a oportunidade da Eslováquia crescer no terceiro período, complicando um jogo fácil, que quase foi parar na prorrogação.
O 3-2 contra a Eslováquia deu a vaga ao Canadá na final, que seria disputada contra os Estados Unidos, que atropelaram a Finlândia, outra favorita ao título, por 6-1 na outra semifinal. Dado o desenrolar do torneio, a final Olímpica não poderia ser melhor: de um lado, os Estados Unidos, um time individualmente bom, mas muito bem treinado, bastante focado e comprometido com os seus objetivos e que por isso passou com certa facilidade por cima de todos os adversários com quem jogou, inclusive os canadenses; do outro, o Canadá, dono da casa, de nível técnico altíssimo, mas que só foi crescer durante a competição e que por isso, penou contra alguns adversários, entre eles os Estados Unidos.
A expectativa era para um dos maiores jogos da história do hóquei. Se foi um dos maiores da história, eu não posso dizer, mas que foi um grande jogo, isso foi. Como disse um comentarista da ESPN, se você não era fã de hóquei antes desse jogou, virou depois.
O Canadá entrou mordido, com vontade de descontar a derrota na primeira fase. Empurrado pela torcida, e atacando em conjunto, eles abriram o placar no começo do jogo e ampliaram no segundo período. A tática canadense de deixar apenas as áreas laterais do gelo para os adversários estava dando certo até que os americanos acharam um gol ainda no segundo período.
O terceiro período foi tenso. Os Estados Unidos tentavam empatar a todo custo, mas esbarravam na boa atuação de Luongo. Já o Canadá tentava ampliar no contra-ataque, mas Miller estava no gol para manter os americanos no jogo. Faltando quase dois minutos para o fim do jogo, os Estados Unidos botaram um jogador extra e Zach Parise, artilheiro americano no torneio, empatou o jogo faltando 24,4 segundos para acabar o jogo. Como se não bastassem todos os ingredientes já citados, a prorrogação foi adicionada para dar ainda mais emoção a esta final.
O ouro olímpico seria decidido no gol de ouro. O amadurecimento da seleção canadense ficou evidente na prorrogação. Os jogadores conseguiram esquecer o gol sofrido nos últimos segundos da partida e foram pra cima no tempo extra. Trouxeram a torcida ainda em choque de volta para o jogo e pressionaram. Com quase oito minutos de tempo extra, Iginla brigou pelo disco na borda e deixou Crosby na cara do gol. A estrela canadense, que tinha perdido um breakaway no final do terceiro período, quando o jogo ainda estava 2-1, não desperdiçou e marcou o gol do título.
Todo fã de hóquei gostaria de estar no Canada Hockey Place para ver a explosão da torcida na hora do gol. O melhor jogo do torneio não poderia acabar de modo mais emocionante a não ser de forma súbita, com toda a emoção do título estourando de uma só vez. Pela primeira vez na história, o Canadá ganha o ouro do seu esporte mais popular jogando em casa e com o título se iguala à Rússia, com oito ouros olímpicos no hóquei.
No dia seguinte, não se falava em outra coisa no Canadá. A capa de todos os grandes jornais do país trazia a façanha do time de hóquei. Não que isso fosse difícil de acontecer, muito pelo contrário, pois eles eram os grandes favoritos ao título, mas sim pela forma como ele veio. Durante o torneio, os canadenses fizeram por onde ganhar esse título e o conquistaram passando por cima do seu próprio excesso de confiança e posteriormente venceram a falta de confiança de quem não acreditava nesse título depois dos tropeços no decorrer das Olimpíadas.
AP |
Jonathan Hayward/AP |
Yuri Kadobnov/AFP |
AFP |
AP |