Nas últimas duas semanas, os olhares todos se voltaram para Vancouver, com as Olimpíadas de Inverno sendo lá disputadas. E obviamente, um dos maiores interesses foi o torneio de hóquei dos Jogos, onde os participantes, em sua maioria, vinham ou já passaram da NHL. E com o desfecho épico da competição, tendo o clássico Estados Unidos e Canadá decidindo a medalha de ouro na prorrogação, veio a certeza que o torneio foi um sucesso.
No entanto, como em toda competição, enquanto alguns jogadores e equipes se destacam, outros acabam deixando a desejar. E este pequeno balanço que vamos fazer aqui, listando nossos "vencedores" e "perdedores" no hóquei olímpico, e como esse saldo pode afetar o final da temporada, e até mesmo a próxima edição dos Jogos, que ainda não tem definida a participação dos profissionais da NHL (N.R. Esta coluna não pretende ser nenhuma espécie de ranking, a lista não é de caráter classificatório, apenas sugere quem teve seu conceito melhorado ou piorado, um verdadeiro "elevador").
Quem subiu:
Roberto Luongo – o goleiro canadense começou no banco, mas uma atuação pouco convincente de Martin Brodeur contra os americanos levou o herói dos Canucks a assumir o posto de titular perante sua torcida, e o camisa 1 não decepcionou, se solidificou na posição, virou "Luongold" com a medalha de ouro, e parece ter cimentado de vez seu lugar como goleiro número um do Canadá.
Ryan Miller – se o ouro não veio, o titular do Buffalo Sabres e da seleção americana não tem do que reclamar. Atuações impecáveis, uma medalha de prata, e o reconhecimento como um dos melhores jogadores das Olimpíadas. O caminho foi aberto de vez para Miller coroar sua campanha com o troféu Vezina, e quem sabe até o prêmio de MVP da temporada.
Ron Wilson e Brian Burke – uma temporada catastrófica com o Toronto Maple Leafs foi colocada de lado por alguns dias, e a dupla de técnico e gerente geral pôde enfim mostrar sua competência, levando um time azarão (sem a finesse canadense, mas com uma entrega ímpar) ao segundo lugar em Vancouver, tendo perdido apenas a final, e com a melhor campanha da primeira fase, onde venceram os canadenses em seus domínios.
Jaromir Jagr – Parece que as duas temporadas na Rússia estão fazendo bem ao tcheco. Embora sem a agilidade de outros tempos, Jagr foi um dos destaques da seleção de seu país nestes Jogos, e mostrou que a habilidade não se perde. Um retorno à NHL pode ser improvável, mas o fato é que havia muita gente pedindo sua volta, e certamente há muitos times que poderiam ser muito beneficiados com sua presença.
Jaroslav Halak – Com atuações convincentes, o eslovaco levou sua seleção a um inédito quarto lugar, geralmente sendo obrigado a defender muito mais tacadas que seus adversários. Duas semanas que darão a Halak uma bela vantagem em sua disputa particular com Carey Price pela titularidade no gol do Montreal Canadiens. Se ele já parecia ter uma vantagem, a experiência olímpica mostrou que ele está pronto para ser o número um dos Habs.
Chicago Blackhawks – Se alguém tinha dúvidas do talento do time, os Jogos mostraram que o quarteto Keith, Seabrook, Toews e Kane tem tudo para levar o time à conquista da Copa Stanley. De quebra, Marian Hossa e Tomas Kopecky pela Eslováquia também deram mostras que podem ajudar e muito o time da terra de Obama.
Jonas Hiller – Se um bom time começa por um bom goleiro, a limitada seleção suíça só precisa do resto do time, porque Hiller continuou com a boa fase que fez dele titular absoluto do Anaheim Ducks, e desta vez, a frente de uma defesa bem mais frágil, mostrou que é realmente um goleiro de muito futuro, e que a gerência em Anaheim fez bem em negociar o então titular J.S. Giguere.
Defesa canadense – Quando se esperava que os veteranos Scott Niedermayer e Chris Pronger ancorariam a defesa canadense, o que se viu foi a afirmação de um quarteto de jovens que jogou muito bem. Duncan Keith e Brent Seabrook dos Blackhawks, Shea Weber dos Predators e Drew Doughty dos Kings provaram que o Canadá continua sendo celeiro de ótimos defensores.
Sidney Crosby – Desde que entrou para a NHL, Sid convive com a pressão de ser o astro de uma liga que precisava de um, e mesmo tão jovem assumiu o papel e não comprometeu. Os Jogos seriam mais um capítulo nessa saga, onde desta vez carregava a esperança de toda a nação. Se o desempenho não foi o esperado, não liderando o "Team Canada" como lidera seus Penguins, a estrela do menino brilhou, ao marcar o gol da medalha de ouro na prorrogação. Roteiro melhor, impossível. E a lista de conquistas segue crescendo.
Eslováquia – Comandados pelo gigante Zdeno Chara na defesa, Marian Gaborik no ataque e Jaroslav Halak no gol, a seleção caçula da Eslováquia conseguiu sua melhor classificação até hoje, conseguindo um quarto lugar, e surpreendendo com vitórias sobre Rússia e Suécia, e vendendo caríssimo a derrota para os canadenses na semifinal.
Teemu Selanne – O flash finlandês despediu-se da seleção finlandesa em Olímpíadas em grande estilo. Além do terceiro lugar e a medalha de bronze, o quarto pódio finlandês nas últimas quatro olimpíadas, Selanne igualou o recorde histórico de pontos conquistados em partidas olímpicas. Uma despedida de honra para o craque dos Ducks, que ainda conta com seus serviços no que pode ser sua última temporada.
A nova geração – Que o jogo mudou depois do locaute todos sabemos. E as Olimpíadas confirmaram que esta nova geração de jogadores que vieram depois da paralisação representa o que há de melhor no hóquei, jogando a um ritmo impressionante, de muita velocidade e empolgação, exigindo muito preparo, e evidenciando que os mais "pesadões" não têm muita vez no hóquei atual.
Detroit Red Wings – uma temporada difícil para os campeões de 2008, ainda brigando por uma vaga aos playoffs. Mas pelo menos a legião de Red Wings em Vancouver fez de Detroit um time beneficiado com os jogos. Mike Babcock, o técnico e Steve Yzerman, lenda e vice-presidente do time, como gerente geral do Canadá, medalha de ouro. Rafalski, destaque do time americano. E os europeus do time, vitimados por lesões ao longo da temporada, foram eliminados precocemente, ganhando assim mais tempo de recuperação, para encarar essa reta final com tudo.
O hóquei olímpico – A eterna disputa sobre a participação dos profissionais nas Olimpíadas pode ter tido seu argumento definitivo. O melhor torneio com jogadores da NHL, belos jogos, disputados, algumas surpresas, e dois clássicos entre Estados Unidos e Canadá, ainda que contrariando a final antecipada entre russos e canadenses. Não importa, o fato é que a Federação Internacional saiu fortalecida com seu evento, a própria NHL valorizou seu produto exibindo-o a um público mais amplo que o normal, e a televisão registrando audiências inéditas para o hóquei. NHL, Sochi espera vocês em 2014, e nós também.
Quem desceu:
Martin Brodeur - Difícil questionar o maior vencedor da história da NHL, mas o fato é que Martin Brodeur não teve uma boa partida contra os Estados Unidos na primeira fase, falhando em momentos chave, e perdeu seu posto para Roberto Luongo, que levou o time à conquista da medalha de ouro. Pode ter sido a confirmação que a guarda do gol canadense mudou de vez.
Ovechkin / Malkin - Duas das maiores estrelas da NHL eram a esperança dos russos de retomar a hegemonia no gelo olímpico. No entanto, após um bom começo no torneio, uma série de exibições apagadas acabou representando o fim prematuro do sonho russo, destruído pelo confronto com os canadenses ainda nas quartas de final, onde foram destruídos. O sumiço da dupla refletiu bem o espírito da campanha da seleção russa.
Miikka Kiprusoff - O goleiro da Finlândia, que ameaçara abandonar a seleção caso não fosse confirmado como titular, deixou seus companheiros na mão ao ter 20 minutos sofríveis contra a seleção americana na semifinal, cedendo 6 gols e tirando qualquer chance de reação da equipe. Triste fim para um goleiro da elite da NHL, que exigiu seu lugar no time. Ao menos uma atuação mais regular lhe garantiu a medalha de bronze.
Os veteranos - O nível de jogo mostrado foi realmente o que se esperava, e mostrou que a velocidade imposta pelos jogadores atualmente é a maior já vista. Os novos talentos do hóquei atuaram a um ritmo tão alucinante que as equipes que confiaram demais em jogadores veteranos, sem a mesma mobilidade de outros anos, foram presas fáceis contra os mais "rapidinhos".
KHL - Embora repleta de craques atuando na NHL, a seleção russa preferiu levar o máximo possível de jogadores da liga local, a KHL (Liga Continental de Hóquei), em mais um round da batalha pelo posto de liga mais forte do mundo. O fato é que o tiro acabou saindo pela culatra quando a seleção da Rússia sucumbiu ao Canadá, e a manobra que pareceu mais politicagem e vaidade acabou custando caro aos russos.
Regras da NHL - Em uma época onde se fala tanto do dinamismo do jogo, da nova mecânica do hóquei, e principalmente dos trancos violentos e brigas "armadas", foi um refresco assistir as partidas dos Jogos Olímpicos fluindo rapidamente, com a proibição das brigas, sem a violência gratuita (e assim evitando lesões sérias), e com jogos menos arrastados com menos intervalos comerciais e com a marcação de icing ao cruzar da última linha. Tudo que a NHL reluta em aceitar tirar da sua versão do hóquei, a IIHF mostra que o jogo pode melhorar mais ainda.
Evgeni Nabokov - O fominha goleiro nascido no Cazaquistão, mas que atua pela Rússia, acabou mais uma vez confirmando a fama de goleiro que peca em momentos decisivos, quando diante do Canadá, foi freqüente e facilmente batido pelos habilidosos canadenses, em muitas vezes sem expressar a menor reação. Em um jogo onde o ataque não funcionou e a defesa não suportou a pressão, o time confiava em Nabokov, mas ele acabou deixando o time na mão quando mais se precisava dele. Voltando aos Sharks, terá que se redimir para não manter a fama de amarelão.
Gary Bettman - O comissário da NHL, que copiou a NBA ao levar os profissionais para as Olimpíadas desde 1998 (mas que parece cada vez menos satisfeito com a ideia), cantou aos quatro cantos que não tinha certeza se os Jogos de 2014 em Sochi teria a presença dos profissionais da NHL – o que gerou protestos principalmente de Alex Ovechkin, que jura ir aos Jogos em sua pátria a qualquer custo –. Mas depois de toda a publicidade que os Jogos trouxeram, e com o clamor geral pela presença da NHL na Rússia daqui a quatro anos, o contestado Bettman talvez precise rever seus conceitos.
Jogos encerrados, o favorito levou a medalha de ouro, contra o eterno rival. Não foi a final dos sonhos, mas tivemos uma final de sonho. Certamente, tivemos mais vencedores que perdedores, mais destaques positivos que negativos. Bons jogos, surpresas, como manda o figurino. Vancouver 2010 vai deixar saudade. Que Sochi 2014 possa recapturar o divertimento que o torneio de hóquei olímpico nos deu. De preferência, com a NHL presente com suas estrelas. O hóquei e seus fãs agradeceriam.
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