Por: Thiago Leal

Amigos, vocês já assistiram à Rocky, o primeiro filme da série, vencedor do Prêmio da Academia de Melhor Filme (vulgo Oscar) em 1976? Caso não tenha assistido, aconselho que assista. E também aconselho que pule para o próximo parágrafo, posto que esta linha trará um spoiler sobre o final do filme: Rocky perde a luta decisiva para Apollo Creed. E mesmo após a derrota, com os punhos erguidos, ele gritava orgulhoso "Adrian, eu consegui!" Acontece que, na trajetória do filme, Robert "Rocky" Balboa é um boxeador fracassado que nunca teve chance nenhuma e tem que realizar trabalhos paralelos para sustentar sua família. De repente surge a oportunidade de desafiar Creed, campeão mundial, na disputa do Cinturão dos Pesos Pesados. Então acompanhamos o jovem Rocky treinando até os limites do seu corpo, correndo pelas ruas da Filadélfia e esmurrando pedaços de carne num açougue para realizar seu sonho de vencer o título mundial, mesmo numa luta desigual. Rocky luta de igual para igual contra Apollo até o fim, mas perde a luta por pontos. Mas para Rocky só chegar ali e levar até o último assalto uma luta em que todos acreditavam que ele perderia por nocaute no primeiro round já foi uma grande vitória. Apollo lutava para manter o cinturão. Rocky lutava por sua superação. E isso ele conseguiu. Como diz um amigo meu, fã do filme, "a vitória dele é outra".

Os Ducks eram uma franquia desacreditada na temporada. Fizeram um péssimo início de torneio em outubro e se mantiveram capengando na tabela durante todo tempo. Chegaram a cair para 10º, 11º e 12º já na reta final, o que, para muita gente, já os colocava fora da pós-temporada. Com isso vinha o medo de que os Ducks fossem mais uma franquia que por um lampejo de alguns jogadores venceu uma Copa Stanley e logo voltaria a ser uma mera coadjuvante na NHL. A saída do gerente geral Brian Burke, grande arquiteto do título de 2007, corroborava com essa tese. Mas aí veio seu substituto, Bob Murray, e realizou movimentações no Dia Limite de Trocas que, a princípio, foram vistas com desconfiança. E aconteceu justamente o contrário. Os reforços foram vitais para uma arrancada final que culminou com a classificação à pós-temporada. Só que na rodada final, os Ducks caíram na tabela de 6º para 8º lugar e, como tal, pegou na primeira rodada o San Jose Sharks, líder da Conferência Oeste e campeão do Troféu dos Presidentes.

Mais um caso onde os Ducks eram desacreditados, como provam os palpites de TheSlot.com.br. Mas com a presença de defensores como Ryan Whitney, James Wisniewski e o retorno de François Beauchemin, aliados à fragilidade decisiva do San Jose Sharks, a vitória dos Ducks nem só era possível como provável — embora muita gente não encarasse desta forma. E no rinque, durante a série, os papéis se inverteram. Infinitamente superiores, os Ducks dominaram os Sharks e venceram o confronto em seis jogos. E antes que alguém comente que é absurdo, que o Anaheim não foi superior, pois os Sharks atacaram mais, chutaram mais, etc., entenda que existe mais de uma forma de ser superior em um jogo. Ser superior não significa você chutar 60 vezes a gol e errar todos os 60 enquanto seu adversário chuta 20 e marca quatro. A superioridade se configura através do domínio do jogo, que não se faz apenas através de chutes e ataques. O Anaheim mostrou isso claramente, uma vez que realizou seu domínio através da defesa. Os Ducks tiveram total controle defensivo e os Sharks poderiam chutar até 100 vezes a gol que dificilmente marcariam mais de uma ou duas vezes. Apagado no rinque, os Sharks foram eliminados sem nenhuma constatação, e a impressão que ficou é que foi o Anaheim Ducks o líder de conferência. Nem só pelo excelente trabalho de defesa, mas também pela forte presença de ataque de Ryan Getzlaf, Bobby Ryan e de todos os seus jogadores ofensivos, com performances bem superiores a Joe Thornton ou Patric Marleau.

O Anaheim então entrou na série desacreditado e saiu como uma franquia forte e respeitada. Sensação que aumentou após liderar por 2-1 a série contra o sempre forte e favorito Detroit Red Wings, levando muitos a acreditarem que os Ducks passariam às finais. E quem no acreditava nessa possibilidade no mínimo temia que ela acontecesse, e aqui me refiro aos torcedores dos Wings. Temeram, e tremeram, até o fim, uma vez que, após retomarem o controle da série abrindo 3-2, tomaram empate em 3-3 e, no jogo 7, visualizaram a eliminação até os cinco minutos finais da partida, quando finalmente marcaram 4-3, mesmo placar com o qual venceram a série, e finalmente se vingaram dos Ducks, seus algozes de 2003 e 2007. Mas foi uma vitória vendida a alto custo, que ainda aquece alguma centelha de rivalidade recente existente por parte de Ducks e Wings — coisa bem mais importante para o Anaheim que para o Detroit, diga-se.

Agora pergunto... ao final desta temporada para os Ducks, não há uma vitória, mesmo com esta derrota? Os Ducks estavam a ponto de sofrer do mesmo mal que o Tampa Bay Lightning. Ganharam uma Copa, ne temporada seguinte foram eliminados logo na primeira rodada dos playoffs e em seguida sumiram. Caso os Ducks ficassem de fora dos playoffs desta vez, estariam retrocedendo em sua história e logo, quem sabe, voltariam a ser uma das piadas da NHL, como tantas outras franquias localizadas mais a sul de que a norte. Mas foi na base da força que o Anaheim impôs respeito por parte dos Sharks e dos Wings. Foram necessários não apenas gols e atuações decisivas de um goleiro-revelação (outro!), mas também de uma forte presença de Ryan Getzlaf, seja marcando gols, seja provocando brigas, de Corey Perry, com suas jogadas maldosas que fazem parte do jogo e a reconstrução de uma de uma defesa que a dois anos atrás conseguiu o status de mais odiada da NHL — e levou o time ao Campeonato.

Pessoalmente, não gosto de me vangloriar de derrotas. Vejo toda derrota como derrota e vitória como vitória, como tem que ser, afinal, quem fica sempre satisfeito por se esforçar e perder é fã de Los Hermanos, torcedor do Botafogo ou argentino — e vai acabar sem vencer jamais, uma vez que sempre vai ter a sensação de dever cumprido após a derrota. Mas vejo este caso específico dos Ducks como uma superação. Não deixa de ser uma derrota, e isso responde ao meu título: não, a vitória não é outra. Vitória é apenas quando você vence e fim de papo. O Anaheim Ducks perdeu e foi eliminado dos playoffs da Copa Stanley, não tem porque ver uma vitória moral aqui. Mesmo assim, houve aqui uma superação incrível por parte de uma franquia que, mesmo tendo conquistado uma Copa Stanley, ainda busca respeito e admiração. Se ainda não tem isso, pelo menos duas coisas já anda despertando: ódio e temor, por parte dos adversários. Já é alguma coisa. Para uma franquia que até a alguns anos atrás era um timinho de desenho animado da Disney, vencer a Copa Stanley, bater no campeão do Troféu dos Presidentes e ver os poderosos Wings tremerem nas bases já é um acúmulo de tradição bem maior de que certas franquias, que estão há anos em atividade e nunca chegaram a lugar algum.

Não vou usar o discurso comum de "cabeça erguida" nem de "vamos aprender com essa derrota" sobre o Anaheim Ducks. Vou apenas me ater aos fatos. Os Ducks entraram na temporada sob desconfiança, trilharam a temporada de maneira irregular e na pós-temporada se superaram a ponto de vislumbrar a possibilidade de chegar a mais uma final de Conferência ou, quem sabe, a uma Copa Stanley. Não conseguiram. Então nada de cabeça erguida, mas também nada de cabeça baixa. Ao invés disso, que seja registrado o precedente. Ao longo dos últimos sete anos, os Ducks chegaram a uma final de Copa Stanley, uma final de Conferência, um Campeonato e, agora, uma semi-final de Conferência. Que este trabalho seja mantido, para que os Ducks se firmem como uma das principais franquias da NHL — seguindo o trabalho do New Jersey Devils, por exemplo, que ganharam sua primeira Copa e mantiveram um trabalho e um estilo de jogo que o firmou como um dos times grandes. É assim que se firma uma tradição. E isso vale mais que títulos e vitórias.

Há muito a ser feito para que a temporada seguinte seja tão boa quanto foi esse final de temporada. Os Ducks podem perder Scott Niedermayer e mais alguns jogadores importantes, como Todd Marchant e Rob Niedermayer. E precisam reforçar melhor o ataque, para que não dependa de Getzlaf, Perry, Ryan e Teemu Selanne em sua temporada final. Quanto à defesa? Reforço para ela também. Nada é tão bom que não possa melhorar.

Por hora, que fique a mensagem: parabéns por um belo trabalho realizado, independentemente do resultado final. Ele foi capaz de manter o orgulho aceso — coisa que não depende de vitória para acontecer.

Encerro com versos do Pato Fu, "Perdendo Dentes": Das brigas que ganhei, nem um troféu como lembrança para casa eu levei. As brigas que perdi, essas sim, eu nunca esqueci.

Agora licença. Vou fazer a barba.

Thiago Leal dedica este artigo a Mary, Nelson, Alexandre e a todos os torcedores dos Ducks, em especial àqueles do Grupo dos Ducks no MSN Live Spaces.

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Página publicada em 15 de maio de 2009.