Por: Marcelo Constantino

Houve um determinado momento em que o silêncio imperava na Joe Louis Arena. Um longo momento. A rigor, a ausência de barulho no jogo 7 entre Detroit Red Wings e Anaheim Ducks já vinha desde o segundo gol do time da Califórnia, ainda no segundo período. Conhecida por geralmente fazer barulho, a torcida da casa estava estranhamente silenciosa num jogo 7 em que o próprio Detroit vencia.

Talvez porque do outro lado estivesse o Anaheim, seguramente o grande rival do Detroit nos últimos tempos. O adversário que venceu o time nas duas últimas vezes em que se encontraram nos playoffs. O adversário que venceu todas as últimas cinco prorrogações — uma delas nesta série — disputadas entre os dois. O adversário que encarou a eliminação no jogo 6 e venceu, levando a disputa para um jogo 7.

Eu me lembro de Darren McCarty comentando sobre o jogo 7 contra o Colorado Avalanche em 2002. O Detroit abriu 4-0 no primeiro período e, no intervalo, todo o time estava no vestiário tratando o jogo praticamente como se estivesse empatado. O Colorado gerava tanto receio que, mesmo uma vantagem estrondosa como aquela, num dia em que evidentemente as coisas não pendiam para o lado dos Avs, os jogadores ainda assim tinham receio da possibilidade de virada do adversário.

Algo assim deve ter ocorrido na cabeça da torcida no jogo 7 contra os Ducks. Com a diferença evidente de que o placar estava muito diferente de 4-0 (estava 3-2 para o Detroit), e mais, que nada indicava que o dia não era do Anaheim.

O silêncio se acentuou quando o Anaheim empatou o jogo no terceiro período. Na cabeça de muita gente estava o óbvio: jogo empatado vai para a prorrogação; e na prorrogação, a vantagem dos Ducks é absoluta. Pelo histórico, por ter vencido o jogo 6 e por ter empatado o jogo 7, depois de estar perdendo duas vezes por dois gols de diferença.

O jogo em si, tal qual o jogo 6, foi muito truncado, geralmente com as duas defesas trabalhando bem e fechando as portas para possibilidades abertas de gol. As chances geralmente vinham em raras falhas defensivas, disparos de longe (que poderiam ser desviados para o gol, caso algum defensor não bloqueasse o disco) ou no meio de alguma confusão na frente do gol. E foi assim que saiu o derradeiro gol de Dan Cleary, faltando exatos três minutos para o fim: disco pra frente do gol, para alguém empurrar pra dentro, do jeito que for possível.

Parecia que o som da Joe Louis Arena havia sido religado naquele instante. Ou que a torcida havia chegado naquele instante. Dali em diante o Detroit conseguiu administrar a vantagem sem grandes percalços. Na série e no jogo 7, Detroit 4-3 Anaheim.

Prescindindo do candidato a MVP
Esse Detroit não é dominante como o do ano passado. Há pontos fracos, e não são poucos. A equipe venceu a série contra os Ducks prescindindo dos pontos de Pavel Datsyuk, devidamente anulado pela linha do guerreiro Todd Marchant. Datsyuk, candidato a MVP da temporada, não jogou mal, longe disso: seu trabalho defensivo foi geralmente eficiente, e ele tentou de diversas formas armar jogadas de ataque.

Só que não adianta: se você não é um atacante essencialmente defensivo, você é avaliado pela sua produção sob a forma de pontos. E Datsyuk terminou a série com míseros três pontos, todos de assistências. Talvez o peso de ter de pontuar tenha se avolumado a cada jogo, porque Dats passou a exagerar nos seus belos movimentos de controle do disco. Belos, mas geralmente minimizados pelo ótimo trabalho defensivo dos Ducks.

Estranho paradoxo
Um time que tem tanto zelo defensivo, em que dificilmente um jogador que não saiba jogar defensivamente terá espaço (Dallas Drake disse no ano passado algo como: "Nunca havia jogado num time como este, em que os melhores jogadores ofensivamente também são os melhores defensivamente"), em que a segunda linha de defesa poderia ser a primeira em vários times da liga, que pode rolar tranquilamente quatro bons pares de atacantes para matar penalidade, mesmo com tudo isso esse time é sofrível quando se trata de matar penalidades. Levou gols nessa situação em todos os sete jogos contra os Ducks. Levou gols da sofrível vantagem numérica do Columbus Blue Jackets.

E, paradoxo do paradoxo, quando esteve em desvantagem numérica de dois homens no jogo 7, salvou-se por duas vezes — e tendo matado cerca de um minuto em cada. Um leigo no hóquei que tenha visto o jogo 7 da série diria que a melhor coisa que o Detroit faz quando comete uma penalidade é... cometer outra imediatamente.

Quem vencer, leva?
Eu li gente dizendo que esse duelo entre os últimos campeões era o duelo para saber quem seria o próximo campeão — porque era desta série que sairia o novo campeão. É um equívoco afirmar isso tão cedo. Detroit e Anaheim nitidamente não são superiores a Pittsburgh e Carolina. São diferentes, talvez sejam mais fortes defensivamente (em que pese o citado paradoxo do time especial).

Mas a afirmativa cabe como um belo elogio aos Ducks: de oitavo colocado na Conferência a um dos favoritos à Copa Stanley, tendo caído apenas no jogo 7 frente ao atual campeão, e tendo jogado um hóquei de igual para igual.

Bravos Ducks
Enquanto prevaleceu maior a profundidade do Detroit, que rolava livremente as quatro linhas (veja os nomes dos quatro jogadores que marcaram os gols do jogo 7), nenhuma linha foi mais dominante na série do que a linha de Ryan Getzlaf. Aliás, nenhum outro jogador foi tão perigoso quanto Getzlaf em toda a série. Nem mesmo Johan Franzen, o goleador mais constante do Detroit.

Se Chris Osgood esteve muito acima do que se esperava dele — e parte da vitória dos Red Wings no jogo 7 se deve a ele —, Jonas Hiller esteve num pedestal ainda acima. É bem verdade que o Detroit vive fazendo crescer os goleiros adversários, de tanto que dispara disco no meio do peito deles, mas Hiller — exceto por um ou dois jogos — lembrou muito o Jean Sebastien Giguere de 2003. E poucas vezes se viu um goleiro tão espetacular nos playoffs quanto Giguere naquele ano, a ponto de ter levado, merecidamente, o Conn Smythe mesmo tendo perdido a final.

Não teria sido zebra uma vitória dos Ducks na série. Não pelo que se jogou nos playoffs. O Anaheim é um time que, lá pelo dia-limite de trocas, era dado como provavelmente desclassificado para os playoffs, mas que engatou uma bela sequência e que manteve essa sequência playoffs adentro. Trata-se de um time com veteranos que já venceram a Copa, com uma defesa de renomados e jovens valores, com um goleiro quentíssimo (está virando tradição na NHL um goleiro novato fazer sucesso nos playoffs) e com um dos jogadores mais quentes desses playoffs, Getzlaf.

O Anaheim caiu de cabeça erguida. E com muito orgulho.

Foi uma grande série, embora sem jogos muito vistosos. Dois grandes times, dois campeões, dois times de estilos defensivos relativamente parecidos, dois times de jogo cadenciado, dois times batalhadores. Mas somente um prevaleceu.

Marcelo Constantino nunca assistiu a tantos jogos de playoffs quanto agora, tendo ido dormir algumas vezes às 2:30 para acordar às 5:30. NHL Gamecenter é a independência!

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Página publicada em 15 de maio de 2009.