Clube vitorioso que é, o Detroit Red Wings tem uma outra característica,
não tanto positiva, que o acompanha há algum tempo. A de entregar séries
tidas como ganhas. Ou mesmo protagonizar grandes zebras, perdendo séries
— geralmente nas primeiras fases dos playoffs — para adversários tidos
como mais fracos.
A rigor isso vem desde a primeira metade dos anos 90, mas acentuou-se
nos últimos anos. As eliminações precoces para o Calgary Flames e Edmonton
Oilers nos playoffs de 2004 e 2006 respectivamente trouxeram um estigma
para a equipe. O time amarelava nos playoffs, apagava em determinados
momentos cruciais, batalhava menos que os adversários. O estigma pegou,
entretanto começou a ser espantado não este ano, mas no ano passado.
Nas finais de conferência contra o Anaheim Ducks a
equipe mostrou-se batalhadora e caiu diante de um adversário realmente
melhor, mais inteiro e mais preparado.
Mas a consagração veio nesta temporada. Com mais um título, claro. O
excelente trabalho de "forechecking" da equipe eliminou a crítica de
que o time batalhava menos que os adversários. Mas, no caminho até o
título, o fantasma amarelo do apagão andou tentando retornar. Ele esteve
aparecendo ali umas duas ou três vezes. Foi devidamente exterminado.
O time esteve tão bem nesta temporada e nesses playoffs que, a rigor,
em Detroit, em boa parte dos momentos, tratou-se do título com obrigação.
O time tinha a obrigação de passar pelo Nashville Predators. Ainda que
sabendo que a primeira fase era tida como um "aquecimento" para os playoffs,
quando o time perdeu os dois jogos em Nashville, a casa começou a cair.
O fantasma tentava reaparecer. Mas o receio quanto ao time não era somente
por parte dos torcedores e mídia, porque o próprio técnico Mike Babcock
começou a fazer mudanças ali mesmo. Sai Mark Hartigan, entra Derian
Helm. Sai Andreas Lilja, entra Brett Lebda. E a mais importante, sai
Dominik Hasek, entra Chris Osgood.
O time engrenou dali em diante e jamais esteve sequer empatado em qualquer
das séries subseqüentes, mas ainda houve percalços no caminho.
A série contra o Colorado Avalanche foi um surpreendente passeio. Muitos
apostavam numa série disputada, eventualmente numa vitória dos Avs (o
próprio que vos escreve acreditava). Porém os Avs encontraram os Wings
no ponto. Pra piorar, José Théodore voltou ao normal e parte dos melhores
da equipe foi dizimada por contusões. Foi a única série sem sofrimento
em Detroit.
Veio a final de conferência contra o Dallas Stars e, enfim, acreditava-se
que finalmente o Detroit encararia um adversário difícil. Abertos 3-0
na série, com relativa facilidade, e essa expectativa esvaiu-se. Mas
nem tanto. Quando começou o oba-oba sobre se este time era o mais dominante
de todos que os Red Wings já tiveram, o Dallas venceu os jogos 4 e 5,
e o sofrimento voltou a Detroit. Toda aquela certeza de que a série
está vencida quando você abre 3-0 começou a ser questionada, além da
história de "time do Detroit mais dominante de todos os tempos". O fantasma
amarelo queria voltar.
Pesadas cobranças por parte da torcida e da mídia davam como inaceitável
não fechar aquela série no jogo 6. Faz sentido: uma coisa é o time estar
vencendo por 3-2 após jogos equilibrados, onde se vence aqui e se perde
ali. Outra é o time abrir 3-0 e ver o adversário encurtar a série para
3-2.
Quando você está 3-0, você tem a obrigação de fechar a série sim. Não
tem isso de que o adversário mudou, melhorou, o escambau. A obrigação
é sua. E lá foi o Detroit jogar em Dallas a sexta partida. Entrou matando
e fechou a série logo no primeiro período do jogo 6, pra não deixar
dúvidas. Ainda assim, quando o Dallas diminuiu a vantagem para 4-1 no
jogo 6, houve quem temesse o pior! O fantasma parecia impregnado em
parte da torcida!
E então as finais. Pittsburgh Penguins. O time ofensivo de alto calibre
de Sidney Crosby, Marian Hossa e Evgeni Malkin. O adversário difícil
que o Detroit não tivera até então finalmente viria do (suposto) outro
lado do continente norte-americano, da Conferência Leste. Tendo perdido
apenas uma partida nos playoffs até então, os Pens, sim, seriam o adversário
que testaria o Detroit ao limite.
Duas avassaladoras vitórias por shutout nos jogos 1 e 2 jogaram novamente
essa expectativa por água abaixo. O Detroit parecia bom demais, sem
adversários à altura. A série cheirava a varrida. Não se tratava de
subestimar o adversário, é que dois shutouts seguidos em começo de finais
realmente levava a isso.
Nem tanto assim. O Pittsburgh venceu o primeiro jogo em casa e ganhou
confiança. Mas desperdiçou uma crucial vantagem numérica de dois homens
no jogo 4, perdeu a partida e viu a Copa praticamente ir para as mãos
do Detroit, estando perdendo a série por 3-1.
Veio o jogo 5, o inesquecível jogo 5
(para qualquer uma das duas torcidas) que dispensa maiores comentários,
e as expectativas mudaram. Já não havia tanta confiança assim de que
o Detroit fecharia a série. Ela voltaria para Pittsburgh, com os Pens
cheios de moral, cheios de vontade, tendo que vencer mais uma para empurrar
a série para o jogo 7. O fantasma insistia em reaparecer. Talvez fosse
sua tentativa final. E foi.
Em finais de Copa havia dois precedentes mais ou menos positivos para
o Detroit: em 2000 o New Jersey Devils, estando 3-1 na série, perdeu
o jogo 5 em casa, na prorrogação, para o Dallas Stars. E em 2006, quando
o Carolina Hurricanes abriu 3-1 contra o Edmonton Oilers, viu a vantagem
acabar e a série ser empatada, mas fechou no jogo 7, entrando com uma
disposição incomum no jogo derradeiro. Até hoje eu tenho pra mim que,
se um time precisar vencer um jogo nos playoffs, deve entrar com aquela
disposição que eu vi nos 'Canes naquele jogo 7.
Mas de que adiantava esse histórico se eram histórias de outros times,
em outras finais? Bom, havia uma do Detroit, favorável ao próprio Detroit.
Nas as 12 séries em que esteve 3-2, o Detroit fechara todas elas no
jogo 6. Dez delas jogando fora de casa. Todas as séries de playoffs
de 2008 o Detroit fechara jogando fora de casa. Mas, ainda assim, do
que adiantaria essa estatística favorável, se ela não ganha jogo?
Como saber? O fato é que o Detroit fechou a série no jogo 6 novamente,
e mais uma vez fora de casa. Ao fazer valer a estatística, toda aquela
emoção, toda aquela tensão dos segundos finais daquele jogo 6, tudo
isso entrará friamente como a 13ª vitória do time em jogos 6, estando
3-2 na série.
Fantasma exterminado, Detroit campeão da Copa Stanley de 2008.
Marcelo Constantino também viu fantasmas.