Por: Guilherme Calciolari

Escândalos de arbitragem podem arruinar um esporte. O Campeonato Brasileiro de futebol de 2005 está manchado. O futebol italiano não é o mesmo desde que foi revelado um esquema de manipulação de resultados. A liga norte-americana de cestobol também sofre os efeitos de um árbitro corrupto, que, além disso, admitiu que juízes têm tendências a favor de certas equipes ou jogadores.

Quem sabe essa semana tenha sido a única em que o fato do hóquei ser o quarto (ou quinto) esporte nos Estados Unidos acabou servindo para o bem do esporte. A maior parte da imprensa norte-americana dedicou poucas linhas aos e-mails trocados entre o chefe do comitê de disciplina da NHL, Colin Campbell, e o então diretor de arbitragem Stephen Walkom, entre 2006 e 2007.

A história é a seguinte: numa disputa trabalhista, o ex-árbitro Dean Warren acusava a Liga de dispensá-lo como reação a assistência que Warren dava a outros juízes demitidos, um papel que se tornaria mais evidente quando, em 2006, ele foi eleito para um cargo de direção no sindicato dos árbitros (National Hockey League Officials Association, ou NHLOA).

A liga contestou as acusações, alegando que a dispensa teria sido causada por deficiências técnicas de Warren. A principal prova da defesa era uma série de e-mails trocados entre Campbell e Walkom. Os nomes e datas foram apagados, mas o blogueiro Tyller Dellow, do mc97hockey.com fez uma extensa pesquisa para chegar à verdade desses e-mails.

Comparando os jogos apitados por Warren e os comentários sobre quantidade de penalidades marcadas (algumas relatadas com quanto tempo de jogo), Dellow concluiu que Campbell frequentemente criticava as marcações contra o Florida Panthers, especificamente aquelas em um jogador, Gregory Campbell. O detalhe é, Gregory é filho de Colin Campbell.

Isso já seria o suficiente para criar controvérsia, mas uma das penalidades marcadas foi um taco alto de Gregory no central Marc Savard, de Boston. Apesar dos nomes apagados, fica claro que Colin descreve Savard como um "pequeno artista falso", acusando o central de exagerar trancos recebidos para gerar penalidades. Campbell enfatiza que conhecia o jogador, e Savard era um calouro em Nova Iorque em 1997, quando Campbell treinava a equipe.

Savard é um grande jogador, teve duas temporadas com mais de 90 pontos, mas não é esse o fato mais conhecido sobre ele. O central é marcado por um tranco recebido de Matt Cooke, do Pittsburgh Penguins, em março de 2010. Desde então, Savard participou apenas de uma série de playoffs, mas ainda não jogou nesta temporada, com sintomas de síndrome pós-concussão, inclusive depressão clínica.

Matt Cooke não foi suspenso pelo tranco, com Colin Campbell alegando que este não visava lesionar o adversário. As regras sobre trancos na cabeça foram alteradas de lá para cá, mas Cooke jogou 21 partidas neste ano, enquanto Savard continua de fora. Poderia ser apenas uma coincidência, mas os e-mails de Campbell inevitavelmente jogando uma sombra sobre o fato.

Nos e-mails Campbell ainda revela aspirações de um dia ser Gerente-Geral de uma franquia. Ao comentar com Walkom que não gosta de penalidades marcadas em lances duvidosos, este responde num tom irônico que muitos jogos do time de Campbell seriam apitados por Dean Warren.

Isso também levanta questões. Será que árbitros específicos são apontados para apitar jogos de equipes específicas? Torcedores de Detroit se lembram de Dennis LaRue, que no ano passado anulou um gol legítimo de Brad May e que na final de 2009 estava no apito quando os Penguins ficaram por 20 segundos com seis homens no gelo. Poderia ser coincidência, mas agora tudo é questionável.

Como também são questionáveis as suspensões distribuídas pela liga. Cooke ficou impune por quase acabar com a carreira de Savard. George Laraque foi suspenso por cinco jogos por afastar Niklas Kronwall por meia temporada.  Rick Rypien ficou de fora só seis jogos após atacar um torcedor. Na final de 2009, Evgeni Malkin cometeu uma falta que garantiria uma partida de suspensão automática, que Campbell rescindiu. Não é de hoje que a política de suspensões da NHL é tratada como uma Roda da Fortuna, e agora tudo é questionável.

A liga já disse que não irá afastar Colin Campbell, decisão que mostra como a direção da NHL não entende o torcedor. Sim, é claro que o problema não é Campbell, e que qualquer um que tomasse seu lugar trabalharia da mesma forma. Mas, como diziam antigamente, não basta ser puro, deve-se parecer puro. Campbell tem uma mancha, uma mancha que não será esquecida por qualquer um que enfrentar o time de seu filho Gregory, por torcedores de Boston e Savard, ou por qualquer um que já tenha sido, algum dia, prejudicado pela arbitragem ou pelo comitê disciplinar (comitê de um homem, há de se notar).

A liga não entende que um homem com tantas ligações no universo da NHL não pode ser, sozinho, responsável por um setor tão importante. Várias soluções foram propostas por torcedores e jornalistas nessa semana. Criar uma legislação mais clara e objetiva sobre punições, onde o comitê seria apenas o aplicador da lei. Ampliar o comitê disciplinar, com um representante da liga, um do sindicato de jogadores e um do sindicato de árbitros.

Nenhuma solução é perfeita, mas alguma coisa deveria ser feita. Mas não será. A NHL vai seguir passiva, como se não tivesse nada a ver com o assunto. Seus executivos usam e-mails oficiais para assuntos pessoais, pena que não fazem seu trabalho.

Guilherme Calciolari ama hóquei no gelo, mas não suporta o comando da NHL.

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Página publicada em 21 de novembro de 2010.