Imaginem a sinopse: "Jogador querido pelos colegas, mas pouco
popular na liga, esmurra maior inimigo do time em partida sangrenta
e marca o gol da virada na prorrogação. Na partida decisiva do título,
marca o gol da vitória de forma espetacular". Digno dos exageros do
cinemão americano. Mas foi real.
O texto acima foi ao ar pela TheSlot.com.br na edição
do dia 17 de janeiro de 2003, no primeiro tributo desta coluna a Darren
McCarty. Na semana passada, especificamente no dia 7 de dezembro, McCarty
formalizou sua aposentadoria da NHL.
Foram 15 temporadas, sendo 13 delas com o Detroit Red Wings, 758 jogos,
127 gols e 288 pontos. Canadense de 37 anos de idade, o ex-asa direito
pode se aposentar mais do que feliz em termos de conquistas. Não exatamente
pelas quatro Copas Stanley que conquistou. Darren McCarty sabe que tem
lugar cativo na história do hóquei em Detroit. E esse lugar foi conquistado
exatamente pelos lances descritos no primeiro parágrafo.
Em 1997 Claude Lemieux personificava o vilanismo em Detroit. O Colorado
Avalanche era odiado (na prática por conta de um
tranco por trás que Lemieux desferira no jogo 6 das finais de conferência
do ano anterior contra Kris Draper, no fundo por ter eliminado
o Detroit naquelas finais). Só que, além de odiado, era temido. Muito
temido. Porque era reconhecidamente o melhor time, pelo menos até algum
momento do dia 26 de março daquele ano.
Foi Darren McCarty que matou duas vezes a cobra: esmurrou Claude Lemieux,
escapou de ser expulso da partida e, justiça (irônica) divina, marcou
o gol da vitória na prorrogação. Era o dia 26
de março de 1997, dia que qualquer torcedor que se preze do Detroit
sabe o que significa.
Ali surgia o vingador.
Naquele jogo o Detroit viu que poderia bater o Colorado. No braço e no
jogo. E assim o fez dois meses depois, já nas finais de conferência. Era
a revanche completa do ano anterior, que só foi possível muito provavelmente
por causa daquele jogo do dia 26 de março.
O Detroit avançava então para as finais da Copa Stanley, que não vencia
desde 1955. Os Wings passeavam pelo Philadelphia Flyers, chegando com
vantagem de 3-0 para o jogo 4 em Detroit. No segundo período daquele jogo,
quando o time já vencia por 1-0, McCarty marcou o gol que viria a ser
o da vitória. Era o gol da Copa Stanley. Mais que isso: foi um
dos gols mais lindos de uma final de Copa Stanley na história da NHL.
Ali se eternizava o herói.
O epílogo dessa história foi longo e durou ainda mais dez anos. Um improvável
e surpreendente hat-trick
contra os Avs nas finais de conferência de 2002 e um retorno
mais improvável ainda (ao hóquei, à NHL e ao Detroit) para vencer uma
nova Copa Stanley em 2008 fecharam o circuito.
Herói
Ídolo é uma coisa. Geralmente nossos ídolos são os craques do nosso time.
Wayne Gretzky, Mario Lemieux, Steve Yzerman, Joe Sakic, Maradona, Romário,
Zico (perdoem-me, só acompanho futebol e NHL) todos foram craques de seus
times e responsáveis diretos por diversas conquistas. É difícil um torcedor
de um desses times não ter um desses jogadores como ídolos.
Herói é outra coisa. É aquele que protagoniza o lance capital, naquele
momento necessário, que protagoniza o improvável, o tido como impossível.
Há vezes em que o ídolo é também o herói, claro, mas uma coisa não é a
mesma. Por exemplo, Daryl Evans nunca se tornou exatamente um ídolo em
Los Angeles. Mas certamente é um herói pelo gol da vitória no monumental
Milagre de
Manchester.
Consta que Bertolt Brecht disse algo como "infeliz a nação que
precisa de heróis". Às favas com a razão. A nação Red Wings é feliz
e não precisa, mas tem Darren McCarty como herói.
Marcelo Constantino ainda saboreia o êxtase do hexacampeonato.