Por
Marcelo Constantino
Terça-feira, 26 de março, exatos cinco anos da famosa
partida entre Detroit Red Wings e Colorado Avalanche, o bloodbath. Os
Red Wings venceram na prorrogação por 6-5 e ainda protagonizaram
um dos jogos mais violentos já vistos, selando uma rivalidade
sangrenta, cujas cinzas estão acesas até hoje.
A rivalidade começou nos playoffs da temporada anterior, em 1996,
quando os Wings eram favoritos e haviam quebrado o recorde de vitórias
da NHL. Quando encontraram o Colorado Avalanche pela frente, na final
da Conferência Oeste, finalmente perceberam que, para vencer a
Stanley Cup, é preciso mais presença e força física
no gelo e não somente talento de sobra. O resultado é
que o Colorado acabou com o Detroit em seis jogos.
No último deles ocorreu um dos lances mais discutidos da história
recente da liga e o estopim da rivalidade: Kris Draper aproximava-se
do banco dos jogadores dos Red Wings para uma troca, quando tentou dominar
o disco aos seus pés. Ele abaixou a cabeça para olhar
melhor o disco e subitamente recebeu uma pancada por trás de
Claude Lemieux. Sua cabeça voou exatamente na mureta do banco.
Draper caiu no gelo inconsciente, sua face sangrando bastante. A pancada
quebrou-lhe o maxilar, o nariz e osso da maçã do rosto,
que teve de passar inclusive por uma cirurgia de reconstrução:
foi necessário realinhar cinco dentes que se encurvaram pra dentro
da boca e seu maxilar amarrado a fios por três semanas.
Toda a frustração de Detroit foi canalizada para este
lance: Claude Lemieux virou inimigo número um na cidade e os
Avs tornaram-se o time a ser batido na temporada seguinte. Reclamações
e provocações dominaram o noticiário nos dias seguintes.
A entrada de Lemieux em Draper não foi criminosa como alardeada
em Detroit. Mesmo sendo por trás, algo que nenhum jogador deveria
fazê-lo, a entrada não foi necessariamente maldosa, mesmo
que Claude Lemieux seja famoso na NHL por pancadas baratas e desnecessárias.
A posição de Draper, de cabeça baixa e de frente
para o banco, é que acabou por gerar a grave conseqüência
em sua face. Não estivesse ele naquela posição
e naquele lugar, a pancada provavelmente não traria conseqüências
maiores.
Mas não foi a entrada por si só que fez de Lemieux o rosto
do inimigo a ser abatido por Detroit. Além da frustração
da cidade, a atitude do jogador do Colorado é que gerou revolta
entre jogadores, comissão técnica e, claro, torcida.
Tipicamente canalha, Claude Lemieux jamais demonstrou arrependimento
e afirmou várias vezes que não tinha nada que pedir desculpas;
que hóquei é assim mesmo; que os jornalistas de Detroit
deveriam agradecê-lo pelo ato -- assim teriam assunto para escrever
durante o verão -- e ainda chegou a fazer chacota de Draper.
Vejamos algumas das declarações:
"Podem
dizer o que quiserem. Esse é um jogo de emoção.
É jogado a cem milhas por hora, é um jogo rápido.
Eu já levei pancadas e já as dei, tudo o que vai acaba
voltando. Era um jogo de playoff. Isso é tudo."
"Eu
devo ter salvo vários postos de trabalho de jornalistas em Detroit
no ano passado. Eu tirei o peso de cima do (Scotty) Bowman. O que aconteceu
comigo desviou a atenção em Detroit para longe da queda
do time nos playoffs. Tudo o que a imprensa e os fãs de Detroit
queriam falar era de cheap shots."
"Certamente
não os sete gols, quatro assistências e menos nove dele
que irão chamar atenção" (sobre Draper, insinuando
que ele ganhou fama graças ao incidente)
Na famosa partida do bloodbath, os Wings -- como em todas as partidas
anteriores contra os Avs na temporada -- empenharam-se mais em bater
do que jogar. A famosa grande briga estourou quando estava 1-0 para
o Colorado. Começou com Peter Forsberg e Igor Larionov, ampliou
quando Darren McCarty voou para cima de Lemieux e teve seu ápice
na sensacional briga entre Mike Vernon e Patrick Roy, no meio do gelo.
Dali em diante, diversas outras brigas ocorreram ao longo do jogo e
várias penalidades foram marcadas.
Ainda assim, os Avs mantinham-se sempre na frente do marcador, até
que os Wings conseguiram marcar dois gols em questão de segundos
para empatar em 5-5, no terceiro período, levando o jogo para
a prorrogação. O carrasco da noite, Darren McCarty, marcou
o gol da vitória. Ironia pura. Sarcasmo, até.
É bem verdade que McCarty deveria ter sido expulso naquela partida
-- além de receber um solitário major por brigar e uma
penalidade por ter instigado a briga -- mas inacreditavelmente recebeu
apenas uma simples penalidade dupla por roughing. Os juízes
foram claramente condescendentes durante a grande briga, quando sequer
os goleiros foram expulsos. A NHL nunca mais permitiu tanta violência
sem punição.
Consta que Marc Crawford, então técnico do Colorado, partiu
pra cima de Aaron Ward, então defensor do Detroit, após
a partida. Ward sempre recusou-se a comentar o assunto, mas admite que
preencheu uma ficha de segurança para a NHL relatando o ocorrido.
O jogo mudou o panorama da NHL, onde parecia nascer uma nova dinastia.
Chegaram a comparar os Avs ao Edmonton Oilers dos anos 80: Sakic-Gretzky,
Forsberg-Messier, Ozolinsh-Coffey, Roy-Fuhr. De fato, o Avalanche parecia
imbatível ao longo de toda a temporada. O 26 de março
mostrou que os Wings poderiam vencê-los e que não eram
mais o time fisicamente fraco do ano anterior.
A conclusão da vingança iniciada no bloodbath foi nos
playoffs daquele ano, na final da Conferência Oeste. Com posições
invertidas em relação ao ano anterior, os Avs eram francos
favoritos e foram surpreendidos por uma excepcional atuação
do Detroit em 5 das 6 partidas.
Em mais de cinco anos assistindo aos jogos do Detroit Red Wings, nunca
vi o time superar a excelência daquela série.
Depoimento pessoal -- Assisti ao bloodbath, 'ao vivo', na madrugada
de 27 de março de 1997. Naqueles tempos a ESPN transmitia muito
mais partidas da NHL do que hoje em dia e eu pude assistir, sempre de
madrugada, a três dos quatro confrontos entre Detroit e Colorado
daquela temporada. Ao longo das partidas é que fui conhecendo
e entendendo toda a rivalidade entre os times, embora ainda não
tivesse acesso à Internet. Era a primeira temporada a que eu
assistia.
Lembro-me até hoje de pular do chão quando estourou a
grande briga e Darren McCarty voou pra cima de Claude Lemieux e, ainda
mais, quando o mesmo McCarty marcou o gol da vitória. Já
estava clareando e eu não conseguia dormir, o jogo não
saía da cabeça.
No dia seguinte o jogo foi reprisado pela própria ESPN no Brasil.
Em Detroit a partida foi reprisada diversas vezes ao longo dos dias
seguintes.
No final dos playoffs a ESPN fez uma pesquisa para saber qual tinha
sido o melhor jogo de toda a temporada 1996-1997, incluindo as finais.
O bloodbath disputava com duas partidas absolutamente sensacionais entre
Dallas e Edmonton, dos playoffs daquele ano. Ainda assim venceu com
uma colossal vantagem de votos.
Foi a melhor partida a que já assisti na vida.
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Marcelo Constantino Monteiro, 28 anos, é torcedor do Detroit Red
Wings e já assistiu ao bloodbath inúmeras vezes. |
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PANCADARIA Os goleiros Patrick
Roy (à esquerda), do Colorado, e Mike Vernon, do Detroit,
brigando: talvez a cena mais marcante do Bloodbath (AP - 26/03/1997) |
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PANCADARIA Em outra cena marcante
do Bloodbath, Darren McCarthy soca o acuado Claude Lemieux (AP -
26/03/1997) |
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PANCADARIA Aaron Ward (27)
e Brent Severyn brigam sob os olhares de Kris Draper (de branco,
à diretia), que... ei, ele não deveria estar brigando
também? (Julian H. Gonzalez/Detroit Free Press - 26/03/1997) |
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AH, SIM, HAVIA UM JOGO Darren
McCarty comemora seu gol da vitória, na prorrogação
(AP - 26/03/1997) |
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Philadelphia |
1 |
3 |
1 |
0 |
5 |
Detroit |
0 |
3 |
2 |
1 |
6 |
PRIMEIRO PERÍODO -- Gols: 1,
Colorado, Kamensky 24 (Forsberg), 3:29. Penalidades:
Young, Col (interference), 1:20; Severyn, Col (fighting
major), 4:45; Pushor, Det (fighting major), 4:45; Sakic,
Col (interference), 5:12; Corbet, Col (fighting major),
10:14; Maltby, Det (fighting major), 10:14; Draper, Det
(roughing), 10:14; Forsberg, Col (roughing), 18:22; Roy,
Col (roughing, fighting major), 18:22; Larionov, Det (roughing),
18:22; Vernon, Det (roughing, fighting major), 18:22; Mccarty,
Det ( double roughing minor), 18:22; Deadmarsh, Col (cross
checking, fighting major), 18:37; Konstantinov, Det (fighting
major), 18:37.
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SEGUNDO PERÍODO -- Gols: 2,
Detroit, Fedorov 29 (Murphy, Yzerman), 0:35. 3, Colorado,
Kamensky 25 (power play) (Jones, Ozolinsh), 1:12. 4,
Detroit, Lapointe 13 (Kozlov), 3:08. 5, Colorado,
Corbet 10 (Yelle), 6:20. 6, Colorado, Deadmarsh 32
(Lefebvre, Lacroix), 13:34. 7, Detroit, Lidstrom
15 (power play) (Yzerman), 19:40. Penalidades: Foote,
Col (fighting major), 0:04; Shanahan, Det (fighting major),
0:04; Lapointe, Det (roughing), 0:56; Severyn, Col (fighting
major, game misconduct), 3:34; Keane, Col (fighting major),
3:34; Ward, Det (fighting major, game misconduct), 3:34;
Holmstrom, Det (fighting major), 3:34; Deadmarsh, Col (fighting
major), 7:24; Mccarty, Det (roughing, fighting major), 7:24;
Krupp, Col (fighting major), 11:26; Pushor, Det (fighting
major), 11:26; Deadmarsh, Col (interference), 14:47; Young,
Col (hooking), 18:38.
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TERCEIRO PERÍODO -- Gols: 8,
Colorado, Kamensky 26 (Yelle, Lemieux), 1:11. 9,
Detroit, Lapointe 14 (Fedorov, Murphy), 8:27. 10,
Detroit, Shanahan 46 (Larionov, Pushor), 9:03. Penalidades:
Ozolinsh, Col (cross checking, roughing), 6:26; Maltby,
Det (roughing), 6:26; Pushor, Det (holding), 14:40; Ozolinsh,
Col (tripping), 16:07.
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PRORROGAÇÃO -- Gols: 11,
Detroit, Mccarty 19 (Shanahan, Larionov), 0:39. Penalidades:
Nenhuma.
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Colorado |
6 |
7 |
6 |
0 |
19 |
Detroit |
8 |
23 |
15 |
1 |
47 |
Vantagens numéricas: Col
- 1 de 6, Det - 1 de 7. Goleiros: Colorado, Roy (47
chutes, 41 defesas; campanha: 36-14-7). Detroit, Vernon
(19, 14; campanha: 12-9-6). Público: 19,983.
Árbitro: P Devorski. Assistentes de linha:
Scapinello, Schachte.
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