Semanas atrás o Detroit Red Wings venceu o Dallas Stars por 5-3 e
selou o que quase todos já imaginavam há tempos: pela 17ª vez consecutiva
o time está nos playoffs da NHL. Trata-se da mais longa seqüência vigente
entre os esportes profissionais norte-americanos. O feito não se resume
a isso. O Detroit conquistou pela sétima vez consecutiva o título da
Divisão Central e chegou ao patamar dos 100 pontos na temporada pela
oitava vez seguida (igualando um recorde do Montreal Canadiens, de 1974-75
a 1981-82, seguramente uma época bem mais difícil do que a atual para
se conseguir 100 pontos).
Os Red Wings podem decepcionar mais uma vez nos playoffs deste ano —
sendo eliminados na primeira fase, digamos. Eles podem avançar até o
fim, podem ser campeões, podem ser vice, podem ser o que for. O fato
é que eles estão mais uma vez nos playoffs, mais uma vez como um dos
favoritos e mais uma vez tendo realizado uma belíssima temporada regular.
Isso ocorre, com mais ou menos intensidade em algumas temporadas, há
cerca de 15 anos. Durante esse tempo em que sempre estiveram nos playoffs,
os Wings sempre fizeram boas temporadas e por várias têm tiveram seu
nome entre os favoritos (ainda que nem sempre entre os principais) à
Copa Stanley.
Afinal, por que os Red Wings são tão bons há tanto tempo?
Veja bem, não estou dizendo que eles são os melhores (e não são) ou
que eles sempre foram os grandes favoritos (nem sempre foram).
Mas nenhum outro time da NHL teve tanto sucesso nesses últimos 15 anos.
Nenhum outro time esteve sempre nos playoffs, boa parte das vezes como
favorito — e ainda tendo conquistado a Copa Stanley por três vezes
— ainda que as decepções nos playoffs não sejam raras no período.
Qual o segredo disso?
Uma vez, ainda em 1997-98, ouvi que o segredo era que eles tinham os
russos. Fazia menção ao clássico quinteto formado por Sergei Fedorov,
Igor Larionov, Slava Kozlov, Vladimir Konstantinov e Slava Fetisov.
O quinteto ajudou a conquistar a Copa Stanley de 1997, mas sofrera críticas
nos playoffs anteriores. De qualquer forma, todos esses russos já se
foram, e hoje em dia há outros poucos na equipe. E os Red Wings seguem
entre os grandes.
Muitas vezes já li que era dinheiro, que a franquia tinha recursos suficientes
para gastar no que fosse necessário para vencer a Copa Stanley. Não
confere: os recursos eram fartos, porém limitados; os Rangers tinham
mais e gastavam ainda mais que os Wings sem obter qualquer resultado
parecido e, por último, hoje há o teto orçamentário, que equipara as
franquias. E os Red Wings seguem entre os grandes.
Recentemente lemos muitas vezes que a Divisão Central andava muito fraca
(leia-se Chicago, Columbus e St. Louis) e, com isso, era fácil para
os Wings manterem-se entre os favoritos. Até parecia verdade, não fossem
os belos e mais-que-convincentes playoffs passados. Entretanto, nesta
temporada houve momentos em que a Divisão Central foi considerada uma
das mais disputadas da NHL e o Detroit tinha inclusive um mau retrospecto
dentro dela — e ainda assim era e é o líder geral da temporada.
Ou seja, os Red Wings seguem entre os grandes.
Até mesmo o fator sorte já foi alegado. Sorte não dura quase 15 anos.
Então, qual o fator?
Seguramente a razão do sucesso está numa boa gestão. Boa gestão não
é somente ter dinheiro e gastar. Na NHL qualquer um identifica uma montanha
de dinheiro gasto inutilmente, times caros e improdutivos, orçamentos
amplamente comprometidos com poucos jogadores, jovens promessas já com
salários de estrelas consagradas, um leque de jogadores com mega-salários,
etc (isso sem falar das trocas patéticas). Boa gestão é gastar bem o
que você tem. No caso dos Wings, claro, gastar bem uma bela soma de
dólares. E a gerência do Detroit geralmente gasta bem.
Mas não simplesmente gasta. Escolhe as peças corretas, tanto para a
comissão técnica quanto para a equipe. Valoriza a química, a identificação
com a equipe. Não é à toa que, do time campeão de 1997, ainda estão
lá Nicklas Lidstrom, Kris Draper, Kirk Maltby, Chris Osgood (com idas
e vindas) e Tomas Holmstrom (que mal jogou naqueles playoffs, mas já
fazia parte do grupo). Lidstrom é um pilar do time, mas todos os outros
são jogadores medianos e de importância pontual.
Quando é necessário deixar sair algum jogador porque ele estará claramente
pedindo mais que o valor de mercado, geralmente a gerência deixa sair
— mesmo tendo dinheiro para cobrir. Foi assim com Fedorov (na segunda
vez, frise-se), foi assim com Martin Lapointe, foi assim recentemente
com o defensor Mathieu Schneider, entre outros.
Quando é necessário desfazer-se de escolhas de primeira rodada para
obter um jogador diferenciado, a gerência não hesita em fazê-lo. Pelo
contrário, esse expediente foi freqüentemente utilizado. Até porque
a última escolha de primeira rodada que deu certo no time foi Nicklas
Kronwall, penúltimo recrutado na primeira rodada do recrutamento de
2000.
E aí temos um dos grandes segredos do sucesso desta franquia: seus olheiros.
De um modo geral eles parecem pouco competentes para escolher nas primeiras
rodadas, mas revelam-se mestres em cavar valores nas rodadas mais baixas.
Sim, porque foram eles que foram lá embaixo das rodadas dos recrutamentos
cavar grandes jogadores como, por exemplo, Pavel Datsyuk (171ª escolha
geral do recrutamento de 1998) e Henrik Zetterberg (210ª de 1999).
Mas não apenas eles: Nicklas Lidstrom, há anos o jogador mais valioso
da franquia, um dos mais valorizados jogadores da NHL atualmente e um
dos maiores defensores que o hóquei já viu — talvez o mais regular da
história —, foi recrutado na terceira rodada (53º geral) de 1989.
Você sabe quem são Adam Bennett, Doug Zmolek, Jason Herter, Jason Marshall,
Kevin Haller, Jason Soules, Jamie Heward, Steve Bancroft, Adam Foote,
Dan Ratushny, Mike Speer, Patrice Brisebois, Rick Corriveau, Bob Boughner,
Paul Laus, Brent Thompson, Bob Kellogg e Veli-Pekka Kautonen? Sim, alguns
são conhecidos, é verdade. Mas o que os une é que todos são defensores
que foram recrutados antes de Lidstrom naquele ano. Curioso é que os
próprios Wings recrutaram Boughner!
Fedorov, jogador fundamental em todas as conquistas do time, foi escolhido
na quarta rodada (74º geral) naquele mesmo ano de 1989. E ainda o inesquecível
Konstantinov, escolhido na 11ª rodada (221º geral) do mesmo recrutamento.
Holmstrom é daqueles jogadores que teriam pouco valor na NHL, mas ele
tem imenso valor para o Detroit, pelo papel específico e fundamental
que desempenha com afinco e qualidade na frente dos goleiros adversários.
Foi o 254º escolhido de 1994, na 10ª rodada.
Dois dos jogadores medianos mais importantes para o time, Draper
e Maltby, chegaram a troco de praticamente nada: Draper foi trocado
em 1993 por futuras considerações com o Winnipeg Jets. Maltby chegou
do Edmonton Oilers em 1996 em troca de Dan McGillis, jogador que a gerência
queria simplesmente mandar embora. Jogando juntos há mais de dez anos,
os dois exercem um papel defensivo de grande valor, especialmente para
o sempre eficiente time de matar penalidades da equipe.
As boas escolhas — e as importantes decisões de manter as peças apesar
dos fracassos — não se resumem aos jogadores. Scotty Bowman sobreviveu
a fracassos retumbantes no comando da comissão técnica do Detroit, mas
ficou lá por nove temporadas e conquistou as três Copas Stanley mais
recentes do time.
Contratado justamente para tornar o time vencedor — era praticamente
o começo da era em que seria enterrada a alcunha dos "Dead Things" —,
Bowman agüentou três decepções consecutivas: uma eliminação precoce
em 1994, no jogo 7 contra o azarão San Jose Sharks, uma varrida na final
de 1995 contra o New Jersey Devils e uma eliminação na final de Conferência
em 1966 frente ao Colorado Avalanche. Depois de 96 choviam críticas
a ele ("ultrapassado", "teimoso") em Detroit. Mas Bowman foi mantido no comando,
e três títulos foram conquistados.
Com a aposentadoria de Bowman, a gerência investiu em Dave Lewis, até
então assistente do próprio Bowman nos Wings. Duas eliminações precoces
nos playoffs selaram o destino de Lewis, e hoje o time é comandado por
Mike Babcock, que, apesar de protagonizar uma nova decepção no ano inicial,
comandou a bela série de playoffs passada, quando
os Wings finalmente caíram de pé.
Gastar bem, escolher bem, manter quem deve ser mantido, deixar sair
quem deve sair, investir numa boa comissão técnica e valorizá-la, priorizar
a boa identificação e a boa química na equipe. Enfim, uma boa gestão.
Durante a maior parte desse período, isso teve (e ainda tem) nome e
sobrenome: Ken Holland.
Holland é provavelmente o gerente de maior sucesso dos últimos tempos
no esporte norte-americano. Há 24 anos com a franquia do Detroit Red
Wings e há 11 como gerente geral (ele foi nomeado logo depois da conquista
de 1997) ele tem um retrospecto avassalador: duas Copas Stanley (1998
e 2002), três Troféus dos Presidentes (2002, 2004 e 2006), oito títulos
da Divisão Central (1999, 2001, 2002, 2003, 2004, 2006, 2007 e 2008),
quatro vezes melhor time da Conferência Oeste na temporada (2002, 2004,
2006 e 2007). Está em vias de levar o Troféu dos Presidentes de 2008
e conseqüentemente de ser o melhor time do Oeste (o jogo a ser disputado
nesta quarta-feira, dia da publicação desta edição, poderá inclusive
decidir isso antecipadamente).
Sob a gerência dele, os Wings por duas vezes mostraram enorme poder
de decisão — ao menos em termos de contratações de peso: a primeira
em 1999, no dia-limite, quando de uma tacada só o time contratou Chris
Chelios, Ulf Samuelsson, Wendel Clark e Bill Ranford. Não deu certo,
o Detroit caiu frente ao Colorado Avalanche nos playoffs, mas foi provavelmente
a maior jogada de um GM num dia-limite na NHL — pelo volume, pelo
peso e por contratar um dos mais odiados jogadores em Detroit (Chelios).
A outra foi antes da temporada de 2001-02, quando Holland disparou a
contratar nada menos que Dominik Hasek, Luc Robitaille, Brett Hull e
Fredrik Olausson. Uma verdadeira constelação de veteranos que acabou
levando mais uma Copa Stanley para Detroit.
Holland não é a razão e nem o único responsável pelos Red Wings serem
tão bons por tanto tempo. Mas é certamente o maior responsável durante
esse período.
Gregory Shamus/Getty Images Jogador mais importante do time há mais de meia década e um dos maiores defensores da história do hóquei sobre o gelo, Nicklas Lidstrom foi recrutado apenas na terceira rodada. |
Tom Pidgeon/Getty Images Ken Holland, o gestor por trás do longo sucesso do Detroit Red Wings. |
Detroit Free Press Depois de décadas de seca, Steve Yzerman levanta a Copa Stanley em 1997. Não era o começo de uma nova era, mas era o começo do auge de uma era dos Red Wings. |
Rick Wilking/Reuters Jogadores medianos com boa química e identificação com a franquia. A grind line é um exemplo de longevidade em Detroit. |