Por: Alexandre Giesbrecht

Podem dizer que Matt Cooke não fez nada que não fosse permitido no livro de regras da NHL. Sim, pode até ser. Podem dizer que a NHL também não suspendeu Mike Richards, dos Flyers, quando ele deu um tranco parecido em David Booth, dos Panthers, em novembro. Sim, é verdade. Ambos foram trancos dados com o ombro em jogadores que estavam ou acabaram de estar com o disco, sem usar o taco, o cotovelo ou o punho fechado e sem tirar os patins do gelo.

Ainda assim, é difícil aceitar. Aliás, em qualquer dos dois casos. Cooke pode até não ter tido a intenção de machucar Marc Savard no tranco que deu no último domingo — algo que nunca ninguém conseguirá provar, não só por ainda não termos uma máquina leitora de pensamentos, como pela "ficha corrida" do atacante dos Penguins —, mas seu ato foi no mínimo inconsequente e pode ter decretado o fim das chances de classificação dos Bruins, um time que já tinha o ataque menos positivo da liga antes mesmo de perder uma de suas principais estrelas e terceiro maior pontuador quando da contusão, uma concussão de grau 2. Na verdade, ainda não se sabe sequer se Savard voltará algum dia a jogar.

Acidentes acontecem, e jogadores já tiveram suas carreiras encerradas em lances inocentes, mas o lance de domingo é daqueles que poderiam ter sido evitados com um mínimo de bom senso por parte da liga. Se este tivesse sido o primeiro tranco na cabeça da história, poder-se-ia dizer que não havia precedentes, mas vem-se falando muito desse assunto desde a temporada passada, e só nesta temporada já tivemos um caso grave, o já citado tranco de Richards em Booth, que deixou o segundo fora do gelo por 45 jogos. E a NHL manteve-se calada até esta semana.

A mensagem que o silêncio passa é de que a liga não está preocupada com seus jogadores. E estamos falando de nomes conhecidos, como Savard e Booth, e não de intimidadores da AHL cujos nomes ninguém conhece quando chegam para um ou dois jogos na liga de cima — o que também não justificaria a falta de atenção, mas ao menos explicaria. Também não dá para dizer que a solução é complicada, pois não só a Federação Internacional de Hóquei no Gelo já tomou medidas nesse sentido há tempos, como a própria NHL não precisou de mais do que uma reunião de gerentes gerais para fazê-lo.

Se era tão simples, e era, por que não o fizeram já em novembro? Isso possivelmente teria impedido a contusão de Savard ou, no mínimo, valeria uma suspensão a Cooke que poderia servir como lição a ele e outros. Os próprios participantes da reunião falaram que, apesar de o tranco de domingo ser a polêmica da semana (está na capa de TheSlot.com.br, não está?), o lance que motivou a decisão de proibir trancos na cabeça foi mesmo o de Richards em Booth. Quatro meses para tomar uma decisão simples como essa?! Onde a NHL pensa que está? No Congresso Nacional brasileiro?

E, além do atraso, não podemos ignorar o fato de que conseguiram até estragar uma solução simples. Primeiro, porque a proibição valerá apenas a partir da próxima temporada. Como assim?! Já tivemos dois casos graves nesta temporada, mais alguns menos graves, e ainda corremos o risco de ter outros. Não é interessante mexer nas regras no meio da temporada, mas aqui não estamos falando de um critério de desempate; estamos falando da segurança dos jogadores. "Eles vão esperar até alguém morrer?", clamou o atacante Steve Begin, colega de Savard nos Bruins, que na verdade reclamava da impunidade de Cooke. "É isso que eles estão esperando?"

Segundo — sim, o estrago não foi pequeno —, porque o texto é vago: "Violação dos termos acima resultará em uma penalidade menor ou maior e pode ser revista para possível disciplina adicional." Uma penalidade "menor ou maior"? Isso fica a critério dos árbitros. Sabendo que eles são tão ou mais inconsistentes que os árbitros de futebol brasileiros, corremos o risco de ver um agressor que acaba de encerrar a carreira de um adversário ganhar apenas dois minutos no banco de castigo, uma impunidade para fazer corar o juiz Lalau. E nem preciso falar do perigo que é o trecho "pode ser revista para possível disciplina adicional", que abre mais uma vez caminho para a NHL seguir disciplinando o segundo e o terceiro escalões, enquanto as estrelas que cometem atos bárbaros seguem impunes, como tantas vezes já vimos. Ao menos todos os lances desse tipo serão analisados pela liga.

Se até Don Cherry conseguiu ser plausível ao tratar desse assunto, acho que não há mais o que discutir. "Uma expulsão vai [funcionar]", disse Cherry à agência de notícias Associated Press. "Quando você é expulso e recebe uma penalidade de cinco minutos, você vai pensar. Pode-se multá-lo à vontade. E daí? Os caras são feitos de dinheiro. A expulsão é a única coisa que eles não vão querer, porque vão deixar seu time com um a menos por cinco minutos. Se eu fosse um técnico, ficaria muito bravo. (...) A penalidade de dois minutos não é nada."

Ou seja, voltamos ao problema da impunidade, algo sobre o que a NHL tem sido justamente criticada. Não acho que a expulsão seja suficiente. Acho que ela é necessária, mas deve ser acompanhada de uma suspensão, talvez até automática, para impedir que as estrelas ganhem passe livre para caçar. Acho até que pode-se abrir exceções, mas em determinados casos e que sejam muito bem definidas. Mas é importante que os jogadores saibam que, se arriscarem a carreira e até a vida de um colega de profissão, ainda que involuntariamente, sofrerão as consequências. Não é o que acontece hoje, e o caso de Cooke mais uma vez comprova isso.

Ah, e Penguins e Bruins vão se enfrentar novamente na quinta-feira que vem. Marc Savard não vai jogar; Matt Cooke vai. E as estrelas dos Penguins, Sidney Crosby e Evgeni Malkin também. O pessoal em Boston já sabe o que passa impune para a liga. Pode até não acontecer nada de mais no jogo, mas a liga está pedindo para que aconteça.

Alexandre Giesbrecht, publicitário, lamenta muito a morte de Glauco e pergunta onde estão os direitos humanos dele.
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Página publicada em 12 de março de 2010.