Por: Alexandre Giesbrecht

O disco sobrou à direita do goleiro Marc-André Fleury. Nicklas Lidström, o zagueiro-artilheiro do adversário, aproximou-se com perigo para chutar contra o gol aberto. Então... Rob Scuderi apareceu e afastou o perigo. Por mais que no início parecesse, a descrição anterior não se refere ao lance ocorrido no último segundo do jogo 7. Ela refere-se a um dos lances que tornou possível o título dos Penguins. Foi a primeira das quatro "defesas" de Scuderi no jogo 6 — as três seguintes ocorreram no já clássico lance em que ele barrou três tentativas de Johan Franzen a menos de 20 segundos do final, uma com o taco, uma com a canela e outra com o patim.

Esses lances foram emblemáticos para resumir o que foi esta série. Depois de perder os dois primeiros jogos em Detroit, era fácil prever que os Penguins eventualmente sucumbiriam frente a um time experiente e que os tinha dominado de maneira tão completa um ano antes. Após duas vitórias em Pittsburgh, a goleada sofrida no jogo 5 apenas confirmou tais previsões. Mas o que se viu nos dois jogos seguintes foi quase uma inversão de papéis, como se os Pens tivessem finalmente aprendido a jogar de maneira sólida na defesa, fazendo com os Wings algo parecido com o que os Wings fizeram a eles nas finais de 2008.

Especialmente no jogo 7, o time de vermelho partiu para cima logo no começo, vencendo os nove primeiros faceoffs, distribuindo trancos a torto e a direito e pressionando bastante. Era visível a diferença de postura dos times no ataque. Os Wings, quando conseguiam armá-lo, seguravam o disco na zona adversária e circulavam-no em busca de boas chances. Quando essas chances apareciam, eles não tinham vergonha de chutar, mas Fleury viu poucos desses pedaços de borracha, já que seus colegas também não tinham vergonha em desabar na frente dos atacantes, bloqueando chutes. Não por acaso, o Pittsburgh terminou a partida com 20 chutes bloqueados. Por outro lado, os Penguins atacavam lançando o disco e tentando buscá-lo atrás do gol de Chris Osgood, uma tática que não deu muito certo no primeiro período. Não por acaso, o Detroit bloqueou apenas três chutes durante o jogo inteiro.

A tática dos Pens começou a dar certo no segundo período, quando o defensor Brad Stuart desesperou-se com um disco atrás de seu gol e não conseguiu isolá-lo. O disco foi desviado por Evgeni Malkin e caiu na fita do taco de Maxime Talbot, que ameaçou um chute, enganando Osgood, que tentava fechar o ângulo. No que o goleiro tentou levantar-se novamente, Talbot mandou o disco por entre suas pernas, abrindo o placar. Se em condições normais o gol já seria importantíssimo, a contusão de Sidney Crosby pouco depois aumentou ainda mais sua importância. Talbot tratou de diminuí-la não muito mais tarde, com outro gol, numa disparada em que pegou Osgood um pouquinho mais à direita do que ele deveria estar.

A pressão dos Wings no terceiro período foi esmagadora, mas trombou nas mesmas dificuldades que o time encontrou desde o início do jogo. O gol de Jonathan Ericsson a pouco mais de seis minutos do fim garantiu que teríamos um final digno de um jogo 7 de Copa Stanley. Houve vários ingredientes para isso. O chute na trave de Niklas Kronwall fez com que boa parte do estádio comemorasse um empate que nunca viria. A paralisação do jogo a seis segundos e meio do fim causou uma diferença na percepção do tempo digna da teoria da relatividade de Einstein: a torcida dos Wings viu esses segundos passar como se fossem centésimos; a dos Penguins viu como se fossem horas. Ninguém, a não ser os jogadores, sabia se olhava para o jogo ou para o cronômetro, que zerou, mas não parou o jogo, que "seguiu" por outros dois segundos. Nesse meio-tempo, o chute de Lidström que Fleury defendeu a um segundo do apito final.

Toda a angústia que se acumulava de um lado foi expelida quase instantaneamente, enquanto a do outro lado foi engolida, para se transformar em outubro no combustível para uma nova tentativa de boa campanha. Tanta emoção foi extravasada no rinque da Joe Louis Arena que não duvido que uma ou outra lei da física tenha sido burlada para que o gelo não derretesse. Aliás, a emoção não parou de ser extravasada mesmo bem depois que já se tinha desmontado o rinque, o que é facilmente comprovado pela exagerada polêmica sobre a suposta esnobada de Crosby em Lidström na fila de cumprimentos — o primeiro poderia ter comemorado trinta segundos a menos, e o segundo poderia ter esperado trinta segundos a mais.

A Copa está em boas mãos, assim como estaria se quem a tivesse levantado vestisse uma camisa vermelha. Se bem que, comparado com quem entregou a Copa ao capitão Crosby, quaisquer mãos seriam boas: não foi por acaso que a vaia que o comissário Gary Bettman recebeu ao apresentar a Copa Stanley tornou difícil escutar suas palavras para quem não estava acompanhando as transmissões oficiais pela televisão da NBC e da CBC. Alguém que tenha caído de paraquedas na cena pode imaginar que fosse falta de espírito esportivo por parte da torcida de Detroit, mas, acredite, cada decibel daquela vaia foi direcionado, merecidamente, a Bettman.

Quando este foi devidamente descartado, a festa pôde enfim começar para valer, com a Copa passando de mão em mão. Até chegar a Mario Lemieux, um dos donos do time, que já esteve no lugar de Crosby no início da década passada e, antes de receber o cálice, já havia entornado champanhe como gente grande: em polpudos goles direto do gargalo. Ele fez sua festa particular (que não lembrou nem um pouco uma de suas festas particulares anteriores, quando a Copa foi parar no fundo de sua piscina), quando certamente se lembrou dos anos em que comeu o pão que o diabo amassou logo depois de comprar o time, e repassou a taça a Crosby, tal como se fosse a metafórica passagem de um bastão.

O papel de Lemieux também foi o de mentor dos jovens jogadores suplentes. Aqueles que jogavam em Wilkes-Barre e subiram para Pittsburgh quando sua respectiva pós-temporada se encerrou, para ficarem de sobreaviso em caso de contusão: John Curry, Dustin Jeffrey, Ben Lovejoy, Chris Minard, Jeff Taffe e Brad Thiessen. Nenhum deles entrou no gelo durante os playoffs. Seu papel durante as partidas era o de assistir, de seus lugares, vestidos de terno e nada mais, mas eles poderiam participar da festa. Só não sabiam quando seria a melhor hora para descer ao vestiário e trocar de roupa, afinal, ninguém queria amaldiçoar as chances de o time levar o caneco. Com 2-0 no placar, a marca de sete minutos do terceiro período pareceu uma boa ideia. Eles desceram e trocaram-se. Logo depois Ericsson diminuiu o placar. "É culpa nossa", desesperou-se Lovejoy. "Nós fizemos isso!" Os veteranos Petr Sykora, contundido, e Philippe Boucher impediram que eles se trocassem de novo.

O tempo passou, o placar foi mantido e os jovens puderam comemorar. Quer dizer, não logo depois, porque nenhum deles sentiu-se à vontade. Também não quiseram entrar na fila de cumprimentos. "Imagine se eu fosse cumprimentar o Lidström", perguntou Lovejoy. "Ele iria olhar para mim como se eu tivesse três cabeças." Ainda cheios de dedos mesmo depois de se juntarem à comemoração, não sabiam se tocavam ou não na Copa. Foi Lemieux que percebeu o desconforto dos garotos e disse a Taffe: "Vá lá pegá-la." E ele foi.

A dúvida dos jogadores mais experientes era mais filosófica. Malkin, por exemplo, não sabia sebrincava com a Copa Stanley ou com o Troféu Conn Smythe, que ganhou como jogador mais valioso dos playoffs. Bill Guerin, do alto de seus 38 anos, preferia não pensar se ainda teria outra chance de levantar o caneco. Da primeira vez que ele o venceu, em 1995, com os Devils, ele achava que teria "um milhão de chances", elevou 14 anos para ter a seguinte. Fleury só se preocupava em ser sincero, às vezes até demais. Quando o repórter Scott Oakes, da CBC, perguntou-lhe o que passou pela sua cabeça durante a pressão final dos Wings, ele foi curto e seco: "Ô, merda!" O técnico Dan Bylsma, que um ano atrás tinha exatamente a mesma experiência como técnico de hóquei que eu, devia estar custando a acreditar em sua ascensão meteórica, de técnico na AHL a técnico interino na NHL a técnico na NHL a técnico com contrato de três anos na NHL.

Já Talbot não tinha dúvidas: aquele era o melhor dia de sua vida. "Todos os dias eu acordo e digo que aquele é o melhor dia da minha vida", disse, na entrevista coletiva. "Mas hoje realmente é o melhor dia da minha vida." Assim como seis dias antes ele certamente viveu um dos piores no jogo 5, quando foi menos lembrado por qualquer coisa que tenha feito no jogo do que por ter acertado Pavel Datsyuk com a provável intenção de contundi-lo no mesmo pé que já o tinha tirado dos quatro primeiros jogos das finais. A partir de agora, ele será lembrado por ser um dos nove únicos homens do planeta a marcar dois gols em um jogo 7 das finais da Copa Stanley. E espera-se que ele nunca repita o que fez no jogo 5.

As histórias deste título são muitas. Nenhuma delas terminou na Joe Louis Arena. Todas continuaram, como a foto acima, tirada já em Pittsburgh, comprova. Se continuarão além daqui, só descobriremos na temporada que vem.

Alexandre Giesbrecht, 33 anos, acompanha a NHL desde a temporada de 1992-93, a primeira depois do último título dos Penguins.
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Página publicada em 16 de junho de 2009.