Por: Eduardo Costa

Enquanto a luta pelo mando de gelo e pelas últimas vagas para a grande dança estão ganhando forma e ocupando sua merecida parcela de protagonismo, olhos atentos também estão direcionados para a outra extremidade. Nos porões da tabela também há muito o que acompanhar, ainda mais quando está em jogo o que muitos analistas consideram ser as duas mais novas joias da coroa. John Tavares e Victor Hedman são peças perfeitas para qualquer equipe que se encontra em processo de renovação. O canadense parece ter um pacto com o disco. Um pacote completo que ilusiona e vem correspondendo em todos os níveis, mesmo com os holofotes sobre si. Já o sueco é um raro exemplar. Geralmente defensores demoram a mostrar todas suas virtudes, mas aos 18 anos ele já é um fator na Elitserien e já fez sua estreia na seleção adulta.

Com isso, quem terminar na fossa (?) absoluta da NHL poderá escolher entre o artilheiro luso-canadense ou o gigante de 1,98 m e 103 kg. Mesmo que os 48,2% de chances de obter a primeira escolha geral sejam derrubados pelo "azar", os 51,8% para a segunda chamada do dia — nenhuma equipe pode perder mais do que uma posição nessa jogatina — garantirão um sorriso em faces antes tristonhas. Para a alegria das outras equipes menos piores, também existe recompensa. Nem só o último da fila será "agraciado". Até mesmo o 26.º colocado tem suas chances (8,1%) de levar o novo messias para casa. O New York Islanders foi a equipe que mais escalou os degraus desse sistema. Em 2000 era a quinta equipe na tabela de probabilidades e acabou ficando com a primeira colocação geral. O sábio e sagaz gerente geral Mike Milbury recrutou Dany Heatley. O quê? Ele selecionou o goleiro Rick DiPietro com aquela escolha? Mas ele já não tinha na organização um certo Roberto Luongo? Ah, sim, ao escolher DiPietro, Milbury poderia usar Luongo como moeda de troca e abocanhar um craque como — neste momento, finja escutar as primeiras notas de Concerto para Piano e Orquestra Número 1, de Tchaikovsky — Oleg Kvasha. Senhoras e senhores, um gênio esse Milbury!

Mas nem todos os gerentes gerais são ingênuos e gostam de dar presentes aos seus colegas de profissão. Alguns adotam até mesmo uma tática que muitos consideram asquerosa, mas que uma parcela considerável da torcida e até mesmo imprensa aceitam e validam como estratégia "coerente": quando avistam aquele prospecto imperdível, eles enfraquecem o máximo que podem seu elenco, sobem prospectos antes da hora e mandam o pouco talento que têm para pastagens mais verdes. É quando perder é melhor que vencer.

Pegue como exemplo o Washington Capitals. Quando viu que o time não iria a lugar algum na temporada de 2003-04, que perderia ainda mais dinheiro com isso e que havia dois russos de nível faraônico elegíveis no recrutamento seguinte, o GG George McPhee, com aval irrestrito do dono do time, Ted Leonsis, fez de tudo para afundar o máximo possível na tabela. Se era para renovar, que fosse algo radical. Na queima de estoque em busca da "renovação" vimos McPhee despachar Jaromír Jágr para os Rangers, Robert Lang para os Red Wings e Sergei Gonchar para os Bruins. Na mesma liquidação, Peter Bondra, Michael Nylander, Mike Grier e Steve Konowalchuk também foram negociados. Um desmanche para nenhum galpão escondido na periferia do Rio de Janeiro colocar defeito. Mesmo tendo ficado em penúltimo lugar no apagar das luzes, os Capitals deram sorte na loteria e adicionaram o inflamável russo Alexander Ovechkin com a primeira escolha geral, o que mudou radicalmente o rumo da franquia. O lanterna naquela oportunidade, Pittsburgh Penguins, levou o melhor prêmio de consolação da história do hóquei: Evgeni Malkin foi recrutado logo após El Ocho.

Exemplo recente a ser copiado?
O colunista do jornal Denver Post Adrian Dater acha que sim e cita aquela temporada como um exemplo de "entrega" a ser seguido pelo Avalanche, outrora integrante da elite da NHL e que hoje vive seu pior momento desde que chegou às Montanhas Rochosas, em 1995. Não há duvidas de que a mediocridade foi bem recompensada cinco anos atrás. Infelizmente, nosso nobre colega Dater comparou a atitude dos Capitals à dos Coyotes, que, segundo ele, teriam vencido naquela mesma temporada 14 de seus últimos 21 jogos. Você pode comprovar que ele está errado neste link. Ou neste. Ou ainda neste aqui. Na verdade, o time do Arizona seguiu a corrente dos Caps e perdeu jogos em escala industrial naquele final de temporada.Apenas não conseguiu ser pior que os Caps, o que aumentou as chances de o time de DC levar Ovechkin para a capital ianque na loteria.

Mas o ponto principal aqui é um jornalista que segue bem de perto o time da cidade deixar bem claro que prefere ver a equipe perder partidas em profusão, em busca de um futuro mais promissor, embora por meios poucos nobres. A opinião de Dater coincide com a de boa parte da torcida do time de Denver, embora esteja longe de ser uma unanimidade. Há quem não aceite a prática, mesmo que isso signifique a aquisição de um talento inferior no recrutamento. Para alguns seguidores dos Avs, essa atitude poderá até mesmo ser castigada pelos deuses do hóquei.

A imensa legião de torcedores do Toronto Maple Leafs e boa parte da imprensa da maior cidade canadense vivem o mesmo dilema há várias temporadas. Imagine a orgia midiática que significaria ter Sidney Crosby vestindo a camisa azul e branca. Até mesmo um Jonathan Toews já seria uma adição monstruosa. Mas quase todo ano é a mesma coisa: os Maple Leafs resolvem vencer jogos na segunda metade do ano, o que não tem sido bom o bastante para ir aos playoffs, mas também deixa a organização longe dos mais valiosos prospectos. Na temporada de 2005-06, eles desataram a ganhar jogos em março. Acabaram na nona colocação. Na campanha seguinte, adivinhe quem foi o nono colocado no Leste? Sim, os Leafs, mais uma vez. Na última temporada, venceram 13 de seus últimos 22 jogos, o que foi fundamental para terem saído do grupos dos cinco que disputariam o direito de escolher Steven Stamkos — que, se não teve um início de carreira na NHL dos mais brilhantes, vem, nos últimos meses, mostrando que é realmente um jogador especial. O Toronto, porém, obteve o ótimo defensor Luke Schenn, mas teve que negociar uma subida nos degraus do recrutamento com os Islanders, o que poderia ter sido evitado caso tivesse perdido alguns jogos a mais.

No ritmo atual, só algo extremamente descarado poderia colocar os Leafs em rota de colisão com Tavares. Playoffs? Só pela televisão. Mais do mesmo. Hoje a esperança da maioria dos seguidores azuis é ver o time ser ruim o bastante para que alguém talentoso como Matt Duchesne faça parte da organização em breve.

Quem está "na frente"
A corrida por Tavares tem um favorito claro: após uma sequência de vitórias que assombrou duplamente sua torcida, a alta cúpula dos Islanders resolveu agir. Como seus atletas estavam se dedicando muito, fato normal, pois estão brigando por um lugar ao gelo na liga, era preciso desacelerar o crescimento inesperado do time. Chamaram um goleiro de nível ECHL, que nossa gloriosa seção Prorrogação chama faceiramente de "terceira divisão" do hóquei profissional. Peter Mannino ainda cometeu o descaramento de defender 40 chutes em sua estreia. Mesmo com essa ousadia, os Isles perderam três de seus últimos quatro embates e novamente estão relaxados na vanguarda do enxurro (?). E ainda nos perguntamos por que Garth Snow demitiu Ted Nolan nas últimas férias... É bem mais fácil convencer um treinador novato na NHL, como é Scott Gordon, do que o conflitante Nolan, quando o assunto era seguir à risca o plano de "queda" da equipe para essa temporada. Também não podemos culpar Gordon, que está garantindo sua continuidade no cargo agindo assim.

Ron Wilson, treinador dos Maple Leafs, assim como Nolan, é outro que abomina a simples ideia de entrar em um rinque de hóquei com outro objetivo que não seja vencer. Seu lado indócil foi potencializado assim que leu em um jornal da cidade que ele deveria armar sua equipe de uma forma que tornasse as derrotas uma possibilidade infalível. Escalar um goleiro desconhecido proveniente de uma liga inferior na reta final de uma temporada para despencar na tabela não é uma invenção do time de Long Island. De fato, o maior caso de derrotas programadas das história da NHL teve como fator decisivo um arqueiro que foi chamado da AHL para a NHL com a simples missão de fazer o que sabia melhor: levar gols.

Vincent Tremblay era sinônimo de luz vermelha, sirene ou qualquer artefato que mostre ao universo que um gol acabou se ser anotado. Ele até mesmo se negava a passar por sinaleiras, já que elas sempre avermelhavam diante
do árido guardametas. Tremblay foi a peça final da engrenagem enferrujada e emperrada que era o Pittsburgh Penguins na temporada de 1983-84, para conquistar um dos maiores mitos do esporte intergaláctico. Com o gênio Mario Lemieux disponível para o recrutamento seguinte, New Jersey Devils e Penguins jogaram, literalmente, para perder. Fizeram trocas e modificações táticas justamente a fim de levar o fenômeno para suas respectivas fileiras. Quando viu que los diablos não desistiriam facilmente, Tremblay foi chamado, e Lemieux acabou, como todos sabem, em Pittsburgh. Os detalhes desse conto são tão ricos que merecem uma coluna à parte.

Mas nem sempre uma campanha sórdida proposital foi premiada. E outro exemplo também gera palavras incultas para outra missiva, que falará de Alexandre Daigle. Ele brilhava intensamente nas ligas juniores, o que fez dele um prospecto "imperdível" para os Senators, que foram além da ruindade na campanha de 1992-93. Quando os Sharks se aproximaram de seu objeto de desejo, o mandachuva do time de Ottawa usou até mesmo o contrato de quatro atletas para garantir que Daigle iria mesmo para sua organização. Todos sabemos que o que funcionou perfeitamente para os Penguins falhou miseravelmente com os Senators.

Glória e castigo. Um desses pode ser esse o resultado final para as agremiações que, pensando em um futuro melhor, preferirem afundar sem muitas cerimônias. Você pode torcer por derrotas de seu time e acabar festejando os gols de um Patrick Kane ou pode também ter revirado seu estômago — porque não deve ser fácil torcer contra — em troca de um embuste como Daigle.

Vale a pena ou não? É desonroso ou válido? Com a palavra você, o torcedor. O certo é que algo deve ser mudado. As grandes safras produzidas nos últimos anos vêm premiando as equipes que passam por um bom período de inércia e mediocridade. Isso pode virar um círculo vicioso. Ao invés de trabalhar, apenas definhar e colher os prospectos do amanhã.

Eduardo Costa tem um quarto que mais parece uma banca de jornal.
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A campanha pró-entrega a todo vapor. Compre já seus ingressos para os Isles, versão 2009-10, pode ser que você veja Tavares de perto.
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Pens e Caps definharam no início da década, hoje colhem os frutos. Fórmula que atrai acada vez mais adeptos.
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Página publicada em 25 de março de 2009.