Por: Thiago Leal

Traduzindo o título em francês, "O rei é Brodeur", apenas para fazer um trocadilho com Patrick Roy, porque "rei" em francês mesmo é "roi", com "i". A ocasião, no entanto, pedia que a gramática francesa correta fosse ignorada. Afinal, Brodeur e Roy são mais importantes que uma porcaria de "i" ou de "y".

Mas isso não vem ao caso agora. Todos nós já esperávamos por esse dia, tão óbvio que era sua chegada. Aliás, qualquer um que acompanhe NHL sabia que, a não ser que morresse, ficasse paraplégico, tetraplégico, cego ou tivesse amputados os braços ou pernas, Brodeur quebraria o recorde de 551 vitórias de Roy mais cedo ou mais tarde. Até os torcedores do Colorado Avalanche, com muito pesar, admitiam que isso ia acontecer, independentemente da data não ser precisa. E, em se tratando de um goleiro sólido como Brodeur, era ainda mais óbvio que isso aconteceria logo. Afinal de contas, ele é Brodeur. Ele nunca se contunde.

Pelo menos até agora. E vem o Brodeur e machuca o cotovelo em 1º de novembro, logo no início da temporada, em um jogo contra o Atlanta Thrashers, com vitória de 6-1 dos Devils. Mais tarde diagnosticou-se uma fratura no tendão do biceps de Brodeur, o que iria deixá-lo fora de combate por mais tempo que o esperado. Nada podia ser pior. Era a temporada onde Brodeur bateria o grande recorde da carreira. Até capacete novo o cara estava estreando! E logo nas primeiras semanas, a pior contusão que ele já teve. No dia 6 do mesmo mês, o goleiro teve que ter o braço operado, o que lhe garantiu 16 semanas afastado dos rinques.

Seguido da cirurgia, veio a longa recuperação. Não, Brodeur não estava acostumado a ficar 16 semanas de molho e deixar os Devils nas luvas de Kevin Weekes ou algum reserva de franquias menores. Mas nem tudo foi assim tão ruim para o Jersey. O começo certamente fez os torcedores da franquia rubro-negra se tremerem de medo. Nos seis primeiros jogos, uma vitória e cinco derrotas. Mas o time retomou o rumo. Brodeur ficou de fora por exatamente 50 jogos. Nesse período, o time teve apenas 18 derrotas. Exatamente o número que Brodeur manteria no time. Só que aqui não eram apenas os números que importavam. É que ganhar com ele, Brodeur, é bem diferente de ganhar sem ele. O "C" que Roberto Luongo usa no capacete, insinuando que aquele é o verdadeiro capitão da equipe, ainda que de maneira informal, se aplicaria bem melhor a Brodeur e à sua relação com o New Jersey e com a torcida. Com toda certeza não dá para ficar muito feliz, mesmo ganhando jogos, quando o seu goleiro preferido, seu ídolo, está com um tendão rompido, esperando que ele cure para fazer fisioterapia.

E tem outra coisa bem legal no hóquei que, sem Brodeur, praticamente não se viu: shutouts. Durante os 50 jogos sem o goleiro, os Devils só conseguiram dois: ambos em fevereiro, já próximo de sua volta. E ambos conseguidos por Scott Clemmensen, goleiro do Lowell Devils da AHL. É bom que o New Jersey pense em fazer uma substituição dele por Weekes...

O terceiro shutout do mês aconteceu em 26 de fevereiro, contra o Colorado Avalanche. Esse, no entanto, foi bastante especial. Talvez o jogo mais especial dos Devils na temporada. Ele, Martin Brodeur, estava de volta embaixo dos paus. Para muita gente, fãs e críticos, aquele não era o momento exato para que Brodeur voltasse. Mas como você iria convencer o melhor jogador do seu time a não jogar depois de passar 16 semanas afastado? Brodeur entrou no rinque e parou 24 chutes do Colorado. Milan Hedjuk, por exemplo, chutou cinco vezes e não marcou em nenhuma. Os Devils saíram com uma vitória por 4-0. E poderiam comemorar. Brodeur estava de volta. Com direito a shutout!

Sim, Brodeur jogou todas as partidas depois que voltou. Venceu oito e perdeu apenas uma. No dia 14 sofreu apenas um gol na vitória sobre os Canadiens, 3-1. Ali igualou o recorde de 551 vitórias de Patrick Roy, seu ídolo de infância. E, no último dia 17, o momento pelo qual todos esperavam. Os Devils fizeram 3-0. Brodeur chegou a permitir dois gols do Chicago, sendo o segundo a pouco mais de dois minutos para o fim da partida, tornando a conquista mais emocionante. "A dez minutos do fim, pensei, 'Tudo bem, provavelmente vai acontecer', e eu estava meio que olhando para o relógio. Eu sou um compulsivo em olhar para o relógio, mas tudo caiu quando estávamos a dois minutos do fim e eles marcaram. Então pensei 'Tudo bem, tenho que matar dois minutos'. Então foi difícil passar esses minutos finais, mas eu consegui", relatou um aliviado Brodeur após a partida. O suspense faz parte, afinal. Mas, parando 30 chutes, o New Jersey Devils derrotou o Chicago Blackhawks. E a história estava escrita. Com 552 vitórias, Brodeur agora é o goleiro com maior número de vitórias na NHL. E foi bem melhor que tudo isso tivesse ocorrido em casa, no Prudential Center, e não na Carolina do Norte, contra os Hurricanes, que seria a próxima partida que disputaria.

A atmosfera para esse recorde começou cedo com os fãs amontoados na frente do Prudential Center gritando "MAR-TY! MAR-TY!" Não há como imaginar essa marca em outro lugar que não em casa.

Após o termino da partida, Brodeur cortava a rede da trave onde estava quando a partida terminou. Jamie Langenbrunner, capitão do New Jersey, chegou para ele e disse que ele próprio terminaria de cortar a rede. Brodeur deveria ir saudar a torcida. "Estou muito feliz com o que fiz e tudo mais. Tem sido meio caótico pra mim nos últimos dias, mas foi uma noite incrível com grande recepção dos fãs. Eu achei demais (empatar com o Roy) em Montreal, mas isso aqui superou", disse Brodeur, ao final do jogo, com o recorde estabelecido.

Brodeur também foi eleito a estrela da partida. "O recorde fala por si só", disse o técnico Brent Sutter. "O melhor disso tudo é que ele ainda tem muito pela frente. Ainda vão acontecer muitas outras coisas", foi o parecer de Zach Parise sobre o fato. Brodeur circulou o rinque saudando a torcida, que gritava "Marty's better!" ("Marty é melhor!"). "Eles realmente absorveram tudo que está acontecendo", disse Patrick Elias se referindo à torcida. "Eu já tinha feito isso com a Copa Stanley, e foi legal, por ser algo coletivo. Mas hoje foi pessoal e foi realmente legal", falou o goleiro sobre saudar os torcedores segurando um pedaço da rede histórica.

"Eu nunca achei que isso seria possível, mas ao longo da trajetória, chegando cada vez mais perto, eu sabia que eventualmente poderia acontecer", disse humildemente Brodeur, medindo suas palavras à coletiva de imprensa pós-jogo.

Talvez seja ainda melhor quando esse recorde é conquistado contra um grande time, que é o Chicago hoje em dia, e em cima de um grande goleiro, caso de Nikolai Khabibulin. O russo tem sido um dos "rivais" de Brodeur na história recente da NHL, recheada de grandes goleiros. Joel Quenneville, treinador dos Hawks, se manifestou a respeito de Brodeur também. "A essa altura da carreira ele continua bem como sempre", falou.

Mas o mais especial, talvez, não tenha sido os fãs, os companheiros de time, os colegas adversários nem mesmo ele próprio. Toda a família Brodeur — pais, esposa, filhos, irmãos e até mesmo amigos próximos — estava presente no Prudential Center. Seu pai e seu irmão, ambos chamados Denis, ambos fotógrafos, cuidaram de registrar cada momento de uma das noites mais especiais na carreira do filho/irmão.

Mas não foi em uma noite que esse recorde aconteceu. Para chegar aqui Brodeur teve de disputar 968 jogos de temporada regular na história da NHL. Foram necessárias 290 derrotas e 105 empates para que esse número (552 vitórias acontecessem). Foram 57.208 minutos no gol, permitindo que ele fosse vazado 2.099 vezes, mas em compensação chegando a uma impressionante marca de 100 shutouts.

Aliás, os próximos recordes a serem quebrados, que vão ser quebrados: recorde de shutouts (pertencente a Terry Sawchuk, com 103); número de jogos disputados e minutos no gelo (ambos de Roy, respectivamente 1.029 e 75.444); e número de shutouts em playoffs (Roy, 23, contra 22 de Brodeur atualmente). Tenho em dúvida se existe tempo para que o recorde de vitórias em playoffs, também de Roy (151) seja quebrado pelos atuais 95 de Brodeur, o que acho muito difícil, pra ser sincero.

Aos 36 anos de idade, Brodeur ainda tem alguns anos pela frente na carreira. Não muito — não sei se chegam a quatro, por exemplo, idade (40 anos) com que Scott Stevens se aposentou. E é justamente por causa do defensor que não é seguro afirmar que Brodeur é o maior "Devil" da história de New Jersey. Mas sem dúvida, de hoje em diante (se é que isso já não era certeza antes), Brodeur pode ser conhecido como o segundo maior jogador da história da franquia.

Goleiro? Aí já ampliamos o universo da pesquisa. Esse é o maior goleiro da história desse esporte. A própria NHL reconheceu ao chamar Brodeur de "Rei dos Goleiros". E não há dúvidas que, agora, o rei é Brodeur.

Thiago Leal está lendo o clássico literário Catcher in the Rye, no idioma original.
AP
Martin Brodeur voltou da contusão e, em seu primeiro jogo, marcou um shutout, o 99ª da carreira.
(26/02/2009)

AFP
Após o término da partida, todo o time corre para abraçar Brodeur.
(17/03/2009)

AP
Brodeur acena para os torcedores na Prudential Arena e procura por sua família, que assistia ao jogo.
(17/03/2009)
newjerseydevisl.com
O goleiro corta um pedaço da rede histórica para guardar como lembrança.
(17/03/2009)
Denis Brodeur Jr.
O disco que terminou o jogo: foto batida pelo irmão Denis.
(17/03/2009)
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Página publicada em 18 de março de 2009.