Quando a temporada 2004-05 foi cancelada por causa de um locaute, muitos apressaram-se em decretar a morte da NHL. Ou, na melhor das hipóteses, o fim de seu "reinado" como um dos quatro esportes mais populares dos Estados Unidos. O cenário não foi tão ruim assim, no fim das contas. É verdade que a liga perdeu espaço e hoje, por exemplo, é relegada a alguns poucos segundos no SportsCenter — destaque naquele programa, só para o jogo entre Penguins e Wings na semana passada, que rendeu mais de dois minutos logo no começo do noticiário.
A ausência da liga na grade de programação da emissora ajuda a explicar por que isso acontece. A atual detentora dos direitos de transmissão, a Versus, é quase uma incógnita nos Estados Unidos. Sports Illustrated, a principal revista esportiva do país, não dedica uma capa de circulação nacional ao esporte há mais de seis anos.
O hóquei claramente não é uma prioridade para os norte-americanos.
O pessoal da marketing da liga, entretanto,
tiveram boas idéias que, se não tornaram o hóquei no gelo um esporte de massa, serviram para dar alguma visibilidade à liga, que precisava desesperadamente de qualquer minuto na televisão ou centímetro em publicações impressas que conseguisse. Entre essas boas idéias, a criação de um canal no YouTube e os novos uniformes. O canal no YouTube parece estar sendo tocado meio que com a barriga, pois os vídeos, que até a temporada passada eram postados logo na madrugada seguinte aos jogos (à exceção dos domingos), agora são atualizados no fim da tarde seguinte.
O relacionamento da liga com a Internet tem crescido tanto que fez a liga finalmente colocar no ar um site visualmente decente, com ferramentas de vídeo interessantes — para quem tem banda larga o bastante para usá-las; quem não tem fica com o YouTube mesmo — e um rico conteúdo. Nos playoffs passados, até media guides das equipes participantes foram disponibilizados em PDF, embora sem muito destaque.
As votações para o Jogo das Estrelas já podem ser feitas online há alguns anos, assim como em outras ligas, mas neste ano houve uma novidade: o acompanhamento em tempo real dos resultados da votação, primeira vez que qualquer liga norte-americana libera tal divulgação. O problema é que essa novidade acabou por transformar a votação em piada e colocou um rótulo de "inocente" — para dizer o mínimo — na testa da NHL. Não foi preciso um grande conhecimento de programação para alguém criar um script para fraudar a votação.
O script esteve disponível em um fórum de torcedores dos Canadiens, com as simples instruções de instalação, que tinham como os dois últimos passos (a) ir ao site da votação e (b) fazer o que bem entendesse: dormir, ir trabalhar etc.
O script trabalhava pelos torcedores e adicionava dezenas de votos por minuto, fazendo com que os três atacantes, dois defensores e goleiro mais votados sejam jogadores dos Habs. Na temporada passada, o zagueiro Andrei Markov, do Montreal, conquistou sua vaga como titular depois de receber mais de 316 mil votos, merecidos, diga-se de passagem. Enquanto escrevo estas linhas, ele estava a menos de 36 mil votos de alcançar essa marca, e ainda falta cerca de um mês e meio para o fim da votação.
A torcida dos Wings não demorou a tomar conhecimento da ferramenta e adaptá-la a suas necessidades, embora tenha dado certo em menor escala: os três atacantes e o zagueiro mais votados do Oeste são de Detroit. Torcedores de outros também adaptaram o script a suas próprias necessidades, mas sem tanto sucesso.
Foi preciso chegar a números ridículos de votos para que a liga tomasse uma providência
que já deveria ter sido tomada desde o início: o uso do recurso de CAPTCHA, que supostamente impede a computação de votos automáticos. A medida foi tomada na terça-feira, quase uma semana depois de a votação ser aberta, na quarta-feira passada. Ainda antes do último fim de semana, um porta-voz da liga tentava acalmar os críticos. "Não quero chegar a nenhuma conclusão apressada agora", disse Gary Meaghar. "Existe o indício de que algo aconteceu, mas não dá para garantir definitivamente."
Ele não podia, mas um print screen do fórum dos Canadiens com as instruções contendo um link ainda ativo para download do script circulou bastante pela internet nos últimos dias. Até o blog oficial dos Ducks protestou contra a fraude. "Parece que a estratégia da NHL de facilitar o seu voto nos principais jogadores saiu pela culatra", escreveu Adam Brady, diretor de Publicações e Novas Mídias do time de Anaheim. Ele seguia zombando das declarações, mostrando como prova um link para a página que apresenta a apuração atual. A liga garante estar monitorando a votação, mas ainda não divulgou o que pretende fazer com os votos automáticos. De acordo com as parciais no site, pelo menos 20 mil votos para o Canadien Alex Kovalev foram anulados na madrugada de sábado para domingo.
Vale lembrar que na temporada retrasada houve uma forte movimentação no Canadá para levar o obscuro Rory Fitzgerald ao Jogo das Estrelas e mesmo nós, de TheSlot.com.br, lançamos a campanha "O Brasil vai levar Dallas Drake ao Jogo das Estrelas" (não levou). No caso de Fitzgerald, houve uma tentativa de usar um script similar ao usado neste ano, mas grande parte dos votos que o jogador recebeu foram "na mão" mesmo, e ele não conseguiu a indicação por pouco. No caso dos votos brasileiros, até onde sabemos não foi usada nenhuma artimanha.
Se ao menos esse debate estivesse tomando de assalto o noticiário esportivo nos Estados Unidos, poder-se-ia dizer que era uma publicidade bem-vinda, ainda mais em se tratando de um evento tão blasé como o Jogo das Estrelas. Sabe, "fale mal, mas fale de mim"? Mas apenas os veículos especializados estão dando alguma atenção ao assunto fora do Canadá.
Ou seja, se boa parte da torcida já ignora uma partida que apresenta um mínimo de contato e emoção, apenas a suspeita de uma votação suja para seus titulares já pode ser um bom motivo para outros torcedores desligarem-se do hóquei por um fim de semana.
Dave Sandford/Getty Images Alex Tanguay nada tem a ver com seus mais de 200 mil votos, mas deve estar achando estranho... |