Por: Alexandre Giesbrecht

Diz a Wikipédia que rigor mortis é um sinal reconhecível de morte causado por uma mudança química nos músculos, causando aos membros do cadáver um endurecimento e impossibilidade de mexê-los ou manipulá-los. Passando ao campo metafórico, foi exatamente o que aconteceu com o Ottawa Senators nas finais do ano passado: depois de perder os dois primeiros jogos para o Anaheim Ducks, os Sens voltaram ao Canadá e venceram o jogo 3.

Para quem pensava que fossem endurecer a série, a endurecida na terceira partida nada mais foi do que rigor mortis. Ou seja, passado mais um jogo, tudo voltou ao normal, e os Ducks venceram as duas partidas seguintes sem maiores dificuldades.

Ainda é cedo para traçar tal paralelo com a série atual entre Red Wings e Penguins, mas o jogo de ontem teve muitas semelhanças.

À exceção do início, quando, apesar de estar em um ambiente onde não sabe o que é derrota desde fevereiro, o campeão do Leste mostrou-se tão perdido quanto estava em Detroit. Cada chute a gol dos Wings representava um mau presságio para a torcida, que assistia assustada à mesma superioridade que carcterizou as duas primeiras partidas. Foram nove chutes contra um mísero dos Pens, que só deram o segundo depois da marca dos 15 minutos.

Então ocorreu o endurecimento. Não mais que de repente, o time de Sidney Crosby pareceu reaprender a jogar hóquei. Não dominou como dominara nas séries anteriores, mas conseguiu voltar a criar jogadas. Talvez não tivesse sido o bastante para abrir o placar e quebrar um jejum de 137 minutos sem gols, mas o passe venenoso que Brad Stuart deu a Henrik Zetterberg sobrou para Crosby, que conseguiu finalmente vencer o goleiro Chris Osgood. Como a torcida já começava a acordar do susto inicial, o gol era tudo de que ela precisava para explodir de vez.

Pela primeira vez jogando à frente no placar, os Pens perderam um pouco do desconforto de olhar para o time adversário e ver ele crescer cada vez mais. Ainda no começo do segundo período, o mesmo Crosby marcou mais uma vez e deu mais tranqüilidade ao time. Os Red Wings não estavam exatamente perdidos, mas passaram a enfrentar alguma adversidade pela primeira vez na série. Ao contrário dos Penguins, que precisaram de quase sete períodos para se adequar ao estilo de jogo adversário, o Detroit adaptou-se rápido a essa nova situação e diminuíram antes do segundo intervalo com um gol de Johan Franzen que pode facilmente ser classificado como o mais bonito das finais até agora.

A partir daí, foi o hóquei mais equilibrado desta série. O jogo ficou mais físico, mas os times não deixaram de criar jogadas perigosas. Talvez não por coincidência, o gol seguinte saiu em um turno que envolveu um belo tranco de cada lado. Começou no gelo dos Penguins, com Kirk Maltby. Na seqüência, o disco foi para o gelo dos Wings, onde Gary Roberts — aquele que tem 42 anos recém-completos — acertou mais um e manteve a jogada por ali. Segundos depois, Adam Hall marcaria, em um daqueles lances em que um replay é necessário para se descobrir como o disco entrou.

O tom do jogo seguiu inalterado até um turno impressionante de Brooks Orpik, em que o defensor desferiu, em um espaço de 15 segundos, quatro bons trancos, contra três adversários diferentes. Dois dos trancos foram direcionados a ninguém menos que Dallas Drake, que até caiu, mas levantou-se sem problemas, já pronto para dar prosseguimento à jogada. Fosse outro jogador, e estaríamos falando em concussão ou ombro deslocado.

Diante de tal exemplo, os Wings não poderiam se deixar abater. E não o fizeram. Mikael Samuelsson, até outro dia na mesma linha de Drake, chamou para si a responsabilidade e, com um chute de pulso de longa distância, aumentou o suspense da partida novamente. Houve pressão dos dois lados, mas o placar ficou inalterado até a sirene final.

Já estava na hora de termos um jogo de verdade nestas finais. Os Penguins não estão mortos, e os Wings jogaram bem, apesar do resultado (o goleiro Marc-André Fleury voltou a jogar bem depois de péssimas partidas em Detroit). Uma nova partida como essa é tudo o que a NHL quer para alavancar sua audiência nos Estados Unidos. Uma nova atuação como essa é tudo que os Penguins querem para tentar empatar a série. E os Wings provavelmente não se importarão se jogarem assim de novo, porque a distância entre vitória e derrota esteve perto de ser coberta.

Mas, se os Wings se adaptarem melhor ao novo estilo imposto pelos Pens e começarem com tudo o jogo 4, o equilíbrio vai acabar tão bruscamente como surgiu. E teremos mais um exemplo de rigor mortis nas finais da Copa Stanley.

Alexandre Giesbrecht, publicitário, viu um festival de jogos decisivos ontem, mas o mais importante deles não passou na televisão.
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Página publicada em 29 de maio de 2008.