Por: Bruno Marsiaj

Ainda me lembro daquele longínquo outono de 1992. Recém chegado ao Canadá, ainda me acostumava aos costumes e hábitos da população local. A cidade que me acolhia, Ottawa, só me era familiar pelas noites da adolescência encarando o saudoso tabuleiro de "War", com o nordeste canadense representado por "Ottawa/Labrador".

Sempre fanático por futebol, ainda sofria com o processo de adaptação a um país onde o esporte mais popular do mundo não tinha espaço de destaque. Antes da internet, e sem os canais especializados no esporte que viriam a surgir posteriormente no universo das centenas de canais digitais por satélite e cabo, acompanhar o esporte bretão era tarefa das mais difíceis. O canal esportivo da TV a cabo canadense, a TSN — uma espécie de ESPN dessas bandas — limitava-se a um programa semanal que passava replays de jogos do "grande" campeonato inglês.

Rapidamente vi que não daria certo continuar acompanhando futebol na terra do gelo. Aventurei-me, pois, a pesquisar o que despertava o interesse da população local na esfera esportiva. Patinação artística? Belíssimo, principalmente pra quem gosta de ginástica artística e afins. Não era meu caso. Próximo da lista: curling. Como? Um tipo de bocha no gelo, com uns sujeitos varrendo o gelo na frente de uma pedra que vai deslizando até se chocar com outras? Puxa, que terra era essa onde tinha ido parar?

Finalmente deparei-me com o hóquei no gelo. Parecido o suficiente com o futebol no que diz respeito ao objetivo do jogo, de colocar uma bola (ou, neste caso, um disco) no gol defendido pelo time adversário mais vezes do que o oponente. A cidade vivia um momento de ansiedade, com a volta de um time local para a liga profissional mais importante do continente, a NHL. Após uma ausência de mais de 60 anos, Ottawa voltava a ter um time. Curiosamente, como uma espécie de homenagem ao último time da NHL que a cidade tinha conhecido, esta nova equipe também se chamaria Senators.

Que alegria aquele primeiro jogo contra o Montreal Canadiens. Vitória de 5-3 e capa do jornal no dia seguinte. Confesso que não consegui ver muito o disco acompanhando aquela minha primeira partida pela TV, mas não importava. A empolgação do público e a festa dos jogadores me cativaram. Tinha encontrado um substituto à altura do futebol.

Só com o passar da temporada é que fui notar o tamanho daquela primeira vitória do time de Ottawa. Afinal, com o passar dos jogos deu pra ver como o time era fraco (só iria ganhar mais nove jogos o ano todo, ficando a mais de 60 pontos do último classificado pros playoffs). E aos poucos também fui aprendendo mais sobre o esporte e vi que o Montreal era nada menos do que um dos times mais tradicionais do hóquei.

Foi sofrível acompanhar o desempenho dos Senators naquele ano. Na verdade, não só naquele, mas em todos os três ou quatro primeiros anos da nova equipe. Longas noites no Civic Centre, ginásio construído embaixo de uma das arquibancadas do estádio de futebol da cidade. Ginásio do time da liga júnior de Ontário, o 67s. Não do nível da NHL moderna, infelizmente. Mas esse começo mambembe teve sua graça. Ele fez com que a torcida local se sentisse cúmplice do time, sofredora de coração com os papelões no gelo. E realmente não havia nada mais que eu pudesse fazer. Eu também já era um torcedor de carteirinha do time da capital canadense.

Felizmente o time finalmente começou a dar a volta por cima em 1996-97. Foi com grande alegria que acompanhei a primeira passagem da equipe para os playoffs ao fim daquela temporada. A classificação suada veio no último jogo da temporada regular, sofrida vitória de 1-0 sobre o Buffalo Sabres de Dominik Hasek. O mesmo adversário da estréia naqueles playoffs, finalmente vencidos pelos Sabres na prorrogação do jogo 7. Que sofrimento, que alegria.

O time nunca mais deixou de se classificar para a pós-temporada. Com desempenho cada vez melhor, passou a ser considerado favorito até em alguns anos. Quem diria, depois daquele início constrangedor. Mas criou um outro tipo de constrangimento, sempre falhando na hora agá, chegando só uma vez à final de conferência e freqüentemente frustrando os torcedores.

Agora, em 2007, quinze anos depois de estrear na liga, o time finalmente chega à final da Copa Stanley. Copa, aliás, que teve origem em Ottawa, quando o governador-geral do Canadá, Lord Stanley of Preston, decidiu doá-la como troféu para o melhor time canadense. Com campanha irrepreensível até aqui, os Senators foram pouco a pouco apagando a fama de amarelões nos momentos decisivos. Claro que ainda falta muito para conquistarem o objetivo maior, e as partidas das finais contra os Ducks de Anaheim prometem ser o desafio mais complicado para os Senators até aqui. Como costumam dizer os entendidos do assunto por aqui, as quatro vitórias mais difíceis são as quatro últimas.

Mas é compreensível que toda uma cidade, considerada pacata e monótona, com seus tipos burocráticos e empregos do governo federal, finalmente tenha explodido de alegria no último sábado, quando o capitão Daniel Alfredsson marcou o gol que selou a classificação para a final. Milhares de pessoas lotaram as ruas no centro de Ottawa e fizeram uma passeata civilizada rumo ao parlamento federal. Na quinta-feira que precedeu a abertura das finais em Anaheim, a prefeitura de Ottawa organizou um almoço de confraternização que atraiu 15 mil pessoas, em pleno dia útil. Não se fala de outra coisa, não se pensa em nada que não o início das finais.

Claro que tudo é relativo. Mesmo com toda a euforia, a cidade (ainda) não repetiu o acontecido nas duas últimas decisões da Copa Stanley em Edmonton (2006) e Calgary (2004). No caminho rumo à decisão, os canadenses de Alberta se excederam nas comemorações e na bebedeira, levando a atos de vandalismo — em Edmonton — e topless — em Calgary. Afinal de contas, ainda estamos falando da capital canadense, da formal e burocrática Ottawa.

Mas não garanto nada se o time continuar jogando bem e vir a derrotar os Ducks. Se a empolgação já foi grande com a classificação para as finais, tudo pode acontecer se a Copa Stanley voltar para o lugar onde nasceu. Mesmo que o time não vença, sem dúvida já terá sido uma primavera inesquecível.

Bruno Marsiaj é leitor da TheSlot.com.br.
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Página publicada em 29 de maio de 2007.