A polêmica em torno do incidente
protagonizado por Jordin Tootoo parece estar longe de encontrar
um veredicto final no tribunal do planeta hóquei. Aqui na redação
não poderia ser diferente. Durante o último "The
Slot Weekend Show", no MSN, nossos colunistas (?) Eduardo Costa
e Jacy Borreaux divergiram ferozmente. Seria o jovem atleta dos Predators
culpado ou inocente? Bem, a discussão entre os dois pseudo-analistas
durou horas e daria para escrevermos um livro apenas com a transcrição
da cizânia. Isso até eliminarmos todos os palavrões
e ofensas pessoas, e aí restou material apenas para uma singela
coluna de poucos parágrafos. Então vamos ao primeiro "culpado
ou inocente" de sua revista eletrônica semanal sobre hóquei.
Jordin Tootoo, vítima das circunstâncias
Por Jacy Borreaux
Como se fosse pouco ter que jogar com aquela horrenda e nauseante camisa
mostarda do Nashville Predators, Tootoo vem sendo massacrando pela opinião
pública como se ele fosse um carrasco nazista. Antes de julgar
o lance em que Tootoo mandou o defensor dos Stars, Stephane Robidas,
pra enfermaria, devemos analisar quem na verdade é Jordin Tootoo.
Devemos ir além do hóquei. Mas evidentemente também
abordarei o tão comentado nocaute.
Tootoo é um Inuit. Resumidamente digo que os Inuits são
um dos povos aborígenes canadenses mais isolados. Historicamente
esses povos são menos respeitados do que qualquer imigrante recém-chegado
de países como Paquistão ou Guatemala no Canadá.
A vida sempre foi difícil para os Inuits. Muitos deles não
suportam as poucas chances de ter um futuro digno e as diferenças
culturais com o resto do país. A taxa de suicídio entre
jovens indígenas canadenses é absurdamente alta.
Uma das principais causas se suicídios entre os Inuits é
a falta de tato com as autoridades. Eles não gostam de serem
policiados. Um dos jovens Inuits que elegeram o suicídio como
opção para resolver essas diferenças culturais
foi o irmão mais velho de Jordin, Terence Tootoo.
Terence, assim como Jordin, vivia para o hóquei. Ambos venceram
o isolamento de sua cidade natal, Rankin Inlet — onde o acesso
é apenas via barco ou pequenos aviões. Ambos venceram
também a barreira cultural quando foram jogar hóquei em
localidades onde os aborígenes são vistos como um povo
inculto e incapaz. Mas, quando tudo parecia ir bem para os irmãos,
Terence foi pego dirigindo embriagado. Após ser solto, cometeu
suicídio.
Logo após sua primeira partida na NHL, Jordin lembrou de seu
irmão. Recordou que possuíam o mesmo sonho de um dia atuar
na liga mais competitiva do mundo. Disse também que cada vez
que joga hóquei, sente que está patinando por dois. Sente
que ele e seu irmão agora estão em apenas um corpo.
Mas digo que ele é ainda mais do que dois. Toda vez que Tootoo
entra em um rinque na NHL é como se ele fosse todo o povo aborígene
canadense. É como se ele fosse cada menino Inuit. Cada vez que
Tootoo acerta um adversário nos gelos da vida, é como
se ele estivesse acertando todas as injustiças e crueldades que
seu povo sofreu e ainda sofre. Quando acertou Robidas, Tootoo não
era apenas Tootoo, ele era cada jovem sem instrução, sem
expectativa, sem família de sua localidade no Ártico.
Tootoo é um e muitos ao mesmo tempo. E tanta fúria e força
às vezes foge ao controle de Jordin.
E essa fúria explodiu no lance em que mandou Robidas pro hospital.
O tranco em Mike Modano foi limpo. A revolta de Robidas, válida,
afinal, é preciso defender o principal e mais técnico
jogador de seu time. Mas repare bem no jeito que o defensor dos Stars
foi pra cima de Tootoo. Ele não ia fazer um afago no atleta dos
Preds! Ele não ia cantar "debaixo dos caracóis de
seus cabelos" para Tootoo — ainda bem, porque isso seria
extremamente gay. Robidas já estava com o taco pronto para um
choque-cruzado daqueles. Tootoo só se adiantou. Ele pode ter
errado na dose, mas foi em total e clara legítima defesa.
Posso até imaginar o que Tootoo pensou quando viu Robidas se
aproximar como uma locomotiva sem freio. Deve ter sido algo como "lá
vem o invasor aniquilar meu povo, destruir minhas raízes, impor
seus costumes... não vou deixar! Não sem lutar! Se preciso
for, derramarei meu sangue nesse gelo, mas não me renderei ao
invasor! Morra desgraçado. Ahhhhhhhh...."
Então veio o direto de direita no meio da fuça do Robidas.
Nocaute e apreensão. Uma maca entra no gelo. E do nada, um inocente
Inuit vira um demônio, um selvagem. Vira um vilão condenado
por quase todos. Mas não por mim, Tootoo. Estou contigo, filho.
O hóquei não é um jogo de freiras. Robidas ia mesmo
te acertar, e se você não tivesse sido rápido, talvez
ele que agora estivesse sendo penalizado pela NHL.
Então, amigos da TheSlot.com.br, por tudo que Tootoo sofreu,
por ser jovem, e ainda estar formando sua personalidade, e por se defender
diante de um inimigo feroz, digo que ele é inocente. E digo mais,
meu cliente (?) é vítima de uma sociedade mesquinha e
mau caráter, que quer transformar a NHL em uma liga tão
ríspida quanto um torneio de dominó de um convento de
freira. Tootoo é um guerreiro. Um inocente guerreiro. E a NHL
precisa de mais jogadores como Tootoo.
Leitor, não entre no vagão dos anti-Tootoo, essas pessoas
que ocupam esse vagão provavelmente nunca tiveram dificuldades
na vida, nunca lutaram contra os rótulos que lhe eram dados.
Você, caro leitor, tem agora duas opções: uma é
concordar comigo e compreender que, por trás de cada jogador
de hóquei da NHL, existe uma história de vida que nem
sempre foi fácil e agradável, e que isso pode levar a
pequenos lapsos nos rinques. A outra é discordar do que eu disse
e apodrecer no inferno!
Tootoo é inocente. Fique com a primeira opção.
Jordin Tootoo, inocente uma ova!
Por Eduardo Costa
Então você nasce e cresce em uma comunidade carente, cercada
de desesperança, rancor e desamor e isso significa que você
tem livre acesso para agredir covardemente companheiros de profissão?
Óbvio que não, amigos.
O tranco que originou toda a treta foi certeiro e limpo. Não
vi nada de anormal nele, mas Tootoo acertou o símbolo da franquia
adversária e sabia que a vingança era questão de
tempo. Robidas assumiu o papel de vingador, indo na direção
de Tootoo, o que também constitui um ato clássico e natural.
É preciso defender seus jogadores mais técnicos e dar
o troco. Isso é justo, afinal a vingança é um dos
mais belos sentimentos do ser humano. Mas aí veio o direto de
direita de Tootoo. Um golpe que deve ter feito Bruce Lee, esteja onde
ele estiver, se orgulhar de seus ensinamentos, mas que serviu de combustível
para novas críticas ao jogo. Os abutres da imprensa marrom, sempre
ávidos por bradar o quão violento o hóquei é,
mais uma vez aproveitaram a oportunidade.
A atitude de Tootoo também envergonhou a classe. Se aquele magnífico
soco na face do Robidas fosse dado durante uma briga, seria tudo muito
belo e fotogênico — menos pro Robidas, é claro. Mas
existe um código de conduta não oficial entre os brigões
da liga. Você esmurrar um adversário antes mesmo dele estar
preparado para a "grande dança" é canastrice,
é patético. E esse não é o primeiro ato
de deslealdade de Jordin Tootoo na NHL.
Quem me conhece sabe que sou fã de jogadores que jogam cada turno
de um jogo de hóquei como se fosse o último de suas vidas.
Considero meu
texto sobre Darius Kasparaitis o menos medíocre que já
mandei pra TheSlot.com.br até hoje, e ele fala justamente de
um jogador que fazia de seus trancos demolidores seu ganha pão.
Quando Tootoo se dedica a perturbar e acertar de forma leal seus oponentes,
ele é um dos mais divertidos atletas da NHL. Parece aquele personagem
dos desenhos animados da Looney Tunes, o Taz. O olhar esbugalhado, o
jeito caótico de patinar em redemoinhos, a entrega na frente
do goleiro adversário, os trancos suicidas, os chutes bloqueados.
Mas quando seu lado sujo aparece, Tootoo me lembra Claude Lemieux. E,
quando lembro de Claude Lemieux, eu lembro de atos covardes, que nem
precisam ser mencionados agora, já que o culto e bem informado
leitor já sabe muito bem a quais desses atos me refiro.
Tootoo não é uma freira, ele é um jogador de hóquei,
mas se ele deseja ser um modelo de sucesso para os jovens Inuits, deve
evitar se comportar como um covarde. Imagine o seguinte diálogo
entre um pequenino Inuit, recém-chegado de uma inocente partida
entre amigos da mesma idade em um lago qualquer do ártico canadense,
e seu pai:
(pequenino filho Inuit) — Pai, sou o novo Jordin Tootoo. Sou o
novo Tootoo!
(grande pai Inuit) — Que bom, filho! Fez algum gol? Alguma assistência?
Algum tranco de gelo aberto?
(pequenino filho Inuit) — Não, pai, nada disso!
(grande pai Inuit) — Então por que você é
o novo Jordin Tootoo, filho?
(pequenino filho Inuit) — Eu quebrei o osso orbital do meu amiguinho
com um super soco, pai! Você tinha que estar lá pra ter
visto como o sangue jorrava! Ele teve que ir pro hospital! E o mais
divertido é que ele não esperava meu golpe! Sou o novo
Tootoo...
Lamentável, não?
Quanto à suspensão de cinco jogos, ela só veio
porque Robidas saiu de maca do gelo. Apenas essas situações
que podem gerar má publicidade para a NHL — geralmente
acontecem, até emissoras brasileiras exibem lances da NHL em
casos como esse — fazem com que a liga suspenda alguém.
Se Robidas tivesse se levantado após o golpe, o gancho de cinco
jogos jamais teria acontecido. A suspensão foi mesmo coisa para
a imprensa ver, mas pelo menos serve de aviso para que atos como esse
de Tootoo não se repitam tão cedo.
Se houver repetição, novamente servirá de munição
para os paladinos defensores do hóquei-balé, e até
mesmo para os que tacham o melhor esporte do mundo de violento e selvagem.
E aposto que não é isso o que Tootoo deseja. Ele é
jovem e tem tempo para mostrar que é mais do que um jogador sujo.
Que as críticas pesadas que vem sofrendo sirvam para que sua
conduta melhore. Por fim, e por tudo que fez contra Robidas e contra
o sagrado nome do hóquei naquela partida contra os Stars, digo,
sem peso na consciência, que Jordin Tootoo é culpado! Se
você, Jacy Borreaux, não vê isso, é porque
você anda de mãos dados com a embustice, e olha que eu
sequer sei o que embustice significa.
Arquivo TheSlot.com.br Olhe bem para o centro da imagem. É Tootoo, corajoso como poucos, enfrentando dentro do próprio banco dos adversários o temível Derek Boogaard. Jacy defende o jovem atacante dos Predators. |
John Russell/AP Aqui Stephane Robidas é assistido pela equipe médica dos Stars. Eduardo Costa considera Tootoo culpado. |
Arquivo TheSlot.com.br O pequenino Inuit está cheio de dúvidas. Será Tootoo um exemplo a ser seguido? Será que foi um lance isolado? Será que alguém realmente escuta Bon Jovi? |