Na tarde de quinta-feira, pouco mais de 12 horas depois de seu emocional gol da vitória na prorrogação (contra o Philadelphia fora de casa), Sidney Crosby estava sentado em seu lugar no vestiário do Pittsburgh Penguins. Seus lábios, normamente carnudos como se picados por uma abelha, estavam doendo, costurados e inchados, seu rosto de garoto parecendo nocauteado.

Primeira escolha do recrutamento, ele precisou de apenas 20 jogos para marcar nove gols, registrar 15 assistências, levar quatro pontos e perder a ponta de dois dentes frontais. Pedaços de seu sorriso foram arrancados e deixados em algum ponto do gelo do Wachovia Center, na Filadélfia, na noite de quarta-feira, cortesia de um manejo de taco agressivo por parte de Derian Hatcher, o rude zagueiro dos Flyers.

Com o jogo uma batalha sem gols durante os dois primeiros períodos, Hatcher fez duas investidas contra a estrela em formação, mas não lhe foi imposta penalidade alguma em nenhum dos dois lances. Já Crosby recebeu uma penalidade por falta de espírito esportivo, ao reclamar com o árbitro depois de receber o taco de Hatcher na cara pela segunda vez.

Mas no terceiro período o central novato retaliou com finesse ao invés de sopapos — marcando o primeiro gol do jogo, assistindo em outro e depois vencendo a partida na prorrogação ao disparar em direção ao gol pelo meio com apenas 46 segundos restantes de jogo.

Foi sem nenhum dúvida seu jogo mais definitivo até agora: ele combinou tenacidade com oportunismo nas medidas certas e adicionou ainda uma marcação zelosa e ferrenha. A noite deixou claro que, com praticamente um quarto de temporada passado, o renomado primeiro-anista cumpriu e às vezes excedeu as expectativas.

Ao longo do jogo entre Flyers e Penguins,os analistas do canal OLN (que transmite a NHL para a América do Norte), Neil Smith, ex-gerente geral do New York Rangers, e Keith Jones, ex-ponta da NHL, foram efusivos quando falaram da atuação de Crosby: "Veja como ele patina", "Ele é o pacote completo", "Crosby tornou-se um homem hoje", clamavam.

Se Crosby continuar a marcar pontos no ritmo atual, ele terminará sua primeira temporada na NHL com 37 gols, 62 assistências e 99 pontos — a apenas um dos cem pontos de Mario Lemieux em 1984-85 —, na sexta colocação entre os novatos de todos os tempos.

"Estou muito feliz com o jeito que as coisas estão indo até agora", disse ele na semana passada.

"Mas ainda há muito espaço para melhorias. Há coisas que preciso trabalhar, outras coisas que eu executei bem. No começo eu não tinha nenhuma expectativa. Eu queria entrar e me ajustar assim que possível e acho que consegui fazer isso. Agora estou confortável neste nível. Mas não estou satisfeito. Quero ganhar mais jogos. E vou tentar fazer a minha parte para ajudar."

No começo da temporada havia uma presunção irreal de que Crosby deveria marcar gols com mais freqüência. Ele marcou o primeiro em seu terceiro jogo e só dois durante o mês de outubro, cujo prêmio de novato do ano ele abocanhou, graças principalmente à sua dúzia de assistências.

Ele é filosófico sobre marcar pontos em geral: é legal fazê-lo, diz ele, mas importa menos se o time não ganha o jogo.

Mas muitos especialistas do esporte acreditam que a antecipação e a habilidade de criação de Crosby são muito mais importantes para o seu time do que se ele fosse um artilheiro acima de tudo.

"Ele é um atleta muito bom", opina Mike Emrick, o veterano narrador da NHL na OLN. "Eu falava antes de a temporada começar: 'Não esperem que esse garoto tenha cem pontos no Natal.' Mas, dito isso, ele vai conseguir seus pontos. Alguns de nós preferiram não prever grandes feitos porque não queríamos colocar pressão demais nele, mas ele parece estar lidando bem com isso e parece estar se dando bem."

"Ele é um fazedor de jogadas", prossegue Emrick. "Ele não vai liderar a liga em gols, mas pode vir a liderar a liga em pontos algum dia, se não já neste ano. E ele pode não liderar o time em gols, mas eu acho que ele vai assumir a liderança do time. Wayne Gretzky era assim. Ele marcou muitos gols porque jogou muitas partidas [1.487 jogos, 894 gols, 1.963 assistências], mas ele era mais um cara de assistências."

Depois de uma vitória já em novembro no Madison Square Garden — em que Crosby marcou um golaço e foi eleito primeira estrela do jogo —, Jaromir Jagr, que ganhou duas Copas Stanley com o Pittsburgh, opinou sobre o burburinho em volta do primeiro recrutado.

"Para ser franco, acho que é injusto para com os jogadores mais velhos, que deram tanto para o hóquei", disse Jagr. "Ele pode vir a ser um grande jogador, mas eu esperaria um pouco. Ele teve um bom começo, isso é verdade, mas você não pode compará-lo a Mario ou Gretzky. Temos de esperar."

O técnico dos Rangers, Tom Renney, disse que Crosby merece o burburinho que o tem acompanhado por onde quer que vá há anos.

"Ele é um tremendo jogador jovem", elogia Renney. "Levando em consideração sua idade e como ele se encaixa tão bem no esquema do time, percebe-se que ele é um jogador nada egoísta. Não vamos nos esquecer de outros jovens jogadores na nossa liga que são muito bons. "Mas eu acho que Sidney é o principal."

Na manhã seguinte, o jornal New York Daily News declarou: "Sidney é uma estrela na Broadway", uma manchete grande o bastante para ser lida do outro lado da sala. Na semana passada, o USA Today ofereceu: "Crosby estelar na vitória dos Penguins". Se aquele jogo servir de indício, as loas estão apenas começando a se amontoar.

"De verdade, nada me surpreende", disse o técnico dos Penguins, Eddie Olczyk. "Não estou dizendo que ele já está à frente de onde achávamos que ele estaria. Mas ele aprendeu algumas coisas . E ele tem boas opiniões e oferece um monte de idéias."

Olczyk continua: "Houve algumas partidas em que se viu os percalços de um jogador em seu primeiro ano. Às vezes, isso não acontece. Mas os gols e assistências vão vir porque ele é um jogador técnico. Mas na marcação, na parada e na saída ou na escolha do passe certo, essas áreas são onde se vê que ele progrediu. Não são muitos jogadores de 18 anos que vêm com todo esse burburinho, e não me surpreende que ele tenha sido capaz de lidar com isso."

Por anos, desde que ele se destacou na escola preparatória, em Minnesota, e depois na liga júnior de Quebec, a expectativa pública de Crosby tem sido ridiculamente — talvez até injustamente — alta. Mas na noite de seu primeiro jogo na NHL, em 5 de outubro, mostrou que estava aprendendo o conceito de grandeza.

"Não penso tão lá na frente, para ser franco", disse ele na época. "Acho que para ser grande você precisa provar que é o melhor ano após ano, e provar isso vencendo. Talvez depois de um jogador ter jogado por tantos anos, ou alguém como [o golfista] Tiger Woods, que ganhou campeonatos e provou tudo isso, ele possa dizer isso. Para mim, ainda tenho de provar isso."

Com 20 jogos [N. do E.: a coluna foi escrita na sexta-feira] em seu currículo, sua opinião não mudou: ele precisa de seus colegas de time tanto quanto estes precisam dele e disputou cada lance com isso na cabeça até agora, mesmo quando sofria com as muitas derrotas.

"Há muitas coisas que se pode fazer para ajudar um ao outro; dar um grande tranco, bloquear um chute e lançá-lo", diz. "Você tem de fazer alguma coisa para mostrar que é parte do time. Eu não quero trair meus colegas de time."

Até aqui, ele não traiu seus colegas de time, seus patrões, os torcedores que compram os ingressos ou o próprio esporte.

"Ele está liderando os novatos, está entre os principais pontuadores da liga", lembra Emrick. "Esperávamos que esse fosse ser o caso. Isso aqueles de nós que torcem por ele e pelo hóquei. E ele tem feito isso. Mas a coisa mais importante que eu vi no primeiro jogo dele a que assisti, em Buffalo, foi seu caráter. Tínhamos um microfone nele, e ele estava no banco falando não como um tímido novato, mas como um cara confiante. O principal é a qualidade da pessoa que ele é. É isso que sempre fez dos jogadores de hóquei mais interessantes que os de outros esportes, e é isso que faz dele o mais destacado dos jogadores de hóquei."


Shawna Richer acompanha o dia-a-dia de Crosby em Pittsburgh e mantém um blog sobre isso em http://www.globeandmail.com/sports.
POR POUCO NÃO FICA BANGUELA A pancada de Derian Hatcher arrancou pedaços de dois dentes de Sidney Crosby e rendeu-lhe quatro pontos no lábio (Jim McIsaac/Getty Images - 16/11/2005)
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Página publicada em 23 de novembro de 2005.