O que esperar de um goleiro que, aos 31 anos de idade, não havia jogado uma temporada completa na NHL, nunca havia disputado jogos de pós-temporada da grande liga e sua larga experiência profissional (àquela altura, 12 anos de carreira) se resumia a ligas de baixo e ligas europeias? O Troféu Conn Smythe? Pouco provável. Mas não para Tim Thomas, que transformou seus 37 anos em experiência e foi a peça mais importante do Boston Bruins na conquista da Copa Stanley.
Sua estreia na NHL, aliás, foi aos 28 anos, em 2002, para uma curta experiência de quatro jogos. Depois, fora mandado novamente para Providence.
Certamente o fã do Boston Bruins, em 2005, esperava que Thomas, aos 31, estivesse subindo de Providence apenas para tapar algum buraco temporário no gol do Boston, substituindo Andrew Raycroft. E logo voltaria para a AHL ou para liga europeia, para jogar pelo Jokerit. O "estagiário", cuja única participação em pós-temporada na América do Norte havia sido os playoffs da AHL em 2004, acabou ficando em Boston para a temporada seguinte.
Ao fim da temporada regular 2005-06, Thomas acabou assinando com o Boston por três anos. Se as regras permitissem, teríamos um calouro de 31 anos de idade.
Só aos 32 Thomas se firmou na carreira. Mas acabou se descobrindo um fenômeno tardio. Em 2008 foi ao Jogo das Estrelas. Em 2009, também, e viveu o melhor ano de sua vida, ganhando também o Troféu Vezina, Prêmio Roger Crozier Saving Grace (melhor percentagem de defesa) e Troféu William M. Jennings (menos gols sofridos, ao lado de Manny Fernandez). Thomas já tinha 35 anos quando conquistou as honras — não é estranho um goleiro com essa idade conquistar prêmios, mas leve-se em consideração que Thomas só tinha, praticamente, quatro anos de experiência na NHL.
A bem da verdade, de 2005 a 2010, Thomas só havia feito duas grandes temporadas: 2007-08 e a multipremiada 2008-09. Seu desempenho em 05-06, em 06-07 e em 09-10 foi apenas satisfatório. Leve-se em conta que em 05-06 e 06-07 a defesa do Boston também não era nenhum primor. De 2007 pra frente Thomas oscilou em seu trabalho. Mas, mesmo quando não conseguiu garantir vitórias, ainda foi capaz de diminuir consideravelmente o número de gols sofridos por Boston.
Na temporada anterior 2009-10, Thomas assinou uma extensão de quatro anos, prolongando seu contrato até 2013, quando Thomas terá 39 anos. Dois anos antes, no entanto, Tim Thomas provou o valor do investimento. Na temporada regular 2010-11 Thomas conquistou 35 vitórias (ficou a uma de seu recorde pessoal, 36, atingido no ano do Vezina) e teve sua melhor média de defesas, .938, um recorde da NHL, superando Dominik Hasek e seus .937 em 1999. Sofreu apenas 112 gols, o que, em 57 jogos, lhe garante a melhor média de gols vazados. Com uma defesa forte à sua frente (Zdeno Chara, Tomas Kaberle, Dennis Seidenberg), levou os Bruins aos playoffs como campeões do Nordeste.
O desempenho de Thomas nos playoffs foi digno do Troféu Conn Smythe. O goleiro não se permitiu falhar e por muitas vezes realizou defesas inacreditáveis. Mesmo com o ataque modorrento do Vancouver Canucks nos jogos 3, 4, 6 e 7, Thomas ainda teve de trabalhar. Em alguns momentos, chegou a lembrar Dominik Hasek, com elasticidade e agilidade extraordinárias para alguém de 37 anos de idade.
Chegamos a discutir na redação se Thomas levaria o Conn Smythe mesmo com uma eventual derrota de Boston na finalíssima. Aí no caso cabe uma comparação com Jean-Sebastien Giguere e seu desempenho em 2003, quando levou o Mighty Ducks of Anaheim ao vice-campeonato. Conn Smythe é o prêmio para o "jogador mais valioso" do time na pós-temporada. Não necessariamente o melhor (Chara para os Bruins, Paul Kariya para os Ducks?), mas aquele cujo papel teve mais relevância na campanha. Giguere foi soberano em 2003 e sem ele os Ducks sequer teriam chegado à final. Thomas foi o mais importante, mas não teve a excelência de Giguere na campanha que culminou com a decisão da Copa Stanley. Nesse ponto, caso os Bruins perdesse o título, o Conn Smythe acabaria indo para alguém de Vancouver. Henrik Sedin talvez? Baita injustiça.
De qualquer forma, a diferença entre Thomas e Giguere se invertem na decisão da Copa. Em 2003 Giguere falhou em alguns momentos na série contra os Devils. Se Thomas não teve a tal excelência de Jiggy na campanha, na série final Thomas teve muito mais importância e sua experiência pesou a favor.
É irônico que essa experiência se resuma, praticamente, a três campanhas de playoffs e seis temporadas na NHL. Pouca coisa se você pensa que estamos falando de um goleiro de 37 anos de idade.
Thomas levou o Boston à Copa Stanley e tornou-se o jogador mais velho a conquistar o Troféu Conn Smythe. E o segundo americano a alcançar o prêmio — o primeiro fora Brian Leetch em 1994.
Tim Thomas X Roberto Luongo, 2010-11
Enquanto Roberto Luongo garantiu ao Vancouver Canucks a defesa menos vazada de 2010-11, com apenas 185 gols sofridos, Thomas sofrera 10 gols a mais, deixando Boston com o terceiro posto (a segunda defesa menos vazada é a do Nashville). E os dois são rivais na briga pelo Troféu Vezina, ao lado de, justamente, Pekka Rinne, do Nashville.
Rinne caiu fora dos playoffs em confronto direto com Luongo, quando os Canucks, após tomarem susto do Chicago, eliminaram o Nashville por 4 jogos a 2 na semi-final de conferência. A essa altura Thomas garantia "apenas" 3 shutouts para levar o Boston à decisão da Copa Stanley.
Aos 32 anos de idade não dá para dizer que falte experiência a Luongo. Aliás, se entendermos experiência por empirismo, Luongo é até mais experiente que o próprio Thomas. Estreou na NHL em 1999, aos 20 anos de idade. A experiência em playoffs no entanto não é tão diferente assim. Muito por culpa dos times em que jogou (foram cinco anos na Flórida), Luongo só debutou em playoffs em 2007, um ano antes da estreia de Thomas na pós-temporada.
O que esses playoffs, principalmente a série final, mostrou, é que no final das contas Thomas aparentou ter mais frieza e concentração que Luongo, duas vezes sacado do time durante o jogo pela quantidade de gols que permitiu. Alguns deles por falhas pessoais que não deve se aceitar em um goleiro com mais de 10 anos de carreira profissional — na finalíssima, jogo 7, Luongo conseguiu tomar um gol sem chute!
Luongo e Thomas encerram os playoffs com porcentagens de defesa de, respectivamente, .914 e .940. É uma baita diferença. Não há dúvidas que Luongo seja um grande goleiro, um dos melhores em atividade na NHL. O melhor talvez? Depende do referencial. Mas quando se é um dos melhores, o que se espera é um desempenho extraordinário. Se você pega um goleiro comum como Giguere, Cam Ward ou Chris Osgood, leve-se em consideração que eles fizeram a diferença pela capacidade de se superar quando a responsabilidade pesou. E isso faltou a Luongo.
Longe de mim querer acanalhar, mas se Thomas tivesse dado um chute despretencioso de sua meta, talvez até tivesse marcado um golzinho na decisão. Não quero faltar com respeito a ninguém, mas o modo como Luongo falhou nos jogos 3, 4, 6 e 7 permitem a piada.
Em todo caso, aos mais supersticiosos, ainda cabe uma questão: fez diferença o fato de Thomas ter usado barba e Luongo não?
Thiago Leal indica o tumblr de Meister Kiwi, totalmente recomendado aos fãs do Anaheim Ducks: uma torcedora que mora em Anaheim, tem cadeira cativa no Honda Center e está sempre presente em eventos, muitas vezes entrando em contato com jogadores e direção da franquia.
Bruce Bennett/Getty Images Com uma barba de playoff de dar inveja, Tim Thomas foi extraordinário e, aos 37 anos de idade, levou o Troféu Conn Smythe pra casa. (15/06/2011) |