As finais da Copa Stanley de 2011 entraram para a história como as mais estranhas dos últimos tempos. Não foram as melhores, nem as piores, não foram emocionantes, também não foram de dar sono. Foram estranhas, mesmo.
Nunca dois times se digladiaram no gelo em um nível tão baixo (não de habilidade, mas de classe) como Canucks e Bruins fizeram ao longo de sete jogos. Algumas das cenas mais marcantes foram a mordida de Alex Burrows nos dedos de um adversário (este texto é "livre do Google" e não vou pesquisar o nome do jogador), a vingança dos jogadores dos Bruins oferecendo novos dedos para Burrows se deliciar, os mergulhos teatrais dos atletas na tentativa de cavar penalidades, os trancos de Tim Thomas sobre os atacantes dos Canucks, a provocação de Roberto Luongo afirmando que defenderia um chute que Thomas não defendeu.
E teve também o tranco atrasado e brutal de Aaron Rome sobre Nathan Horton no jogo 3, que
fez o atacante dos Bruins deixar o jogo e perder o restante da série, enquanto o defensor dos Canucks foi suspenso por quatro jogos, e o espanto de ver Mason Raymond deixar o gelo de pé, depois de sofrer um tranco nas bordas, aos 20 segundos do jogo 6, com uma contusão nas costas que necessitava de imobilização.
Canucks e Bruins chegaram às finais como "os dois melhores times da liga" e "os melhores elencos de suas respectivas conferências"
e saíram delas proporcionando aos torcedores das outras equipes a sensação de que essas, contra aquelas, poderiam ser campeãs. Os Sharks jamais perderiam para os Canucks das últimas duas semanas, assim como os Red Wings também não perderiam, nem mesmo dos Bruins das finais, que seriam derrotados impiedosamente pelos Flyers ou pelos Capitals ou pelos Penguins.
No morno jogo 1, havia a desculpa do hiato entre as finais de conferência e as finais da Copa Stanley. Muitos dias de descanso deixaram os jogadores fora do ritmo ideal, o que prejudicou o desempenho das equipes. O jogo 2 foi o melhor da série, com o Vancouver abrindo dois gols de vantagem apenas para sofrer o empate no decorrer da noite (talvez não tenha sido essa a ordem dos gols, mas lembre-se que este é um texto baseado apenas na memória). A única prorrogação das finais durou uns 11 segundos, com o gol de Burrows deixando os Canucks a duas vitórias da inédita conquista da Copa Stanley.
Os jogos 3, 4 e 6, realizados em Boston, não existiram, fazendo dessa a única final disputada em sete jogos na história da liga a ter apenas quatro partidas. Para que o exagero não se torne uma inverdade, destaca-se o equilíbrio no primeiro período do jogo 3. Nos demais oito períodos em Boston, os Canucks estragaram as finais, não fazendo valer os pacotes de Ruffles comprados para serem degustados ao longo dos jogos. A atuação miserável do time no jogo 4, perdido por 8-1 (ou por 4-0, não me lembro qual foi o jogo 3), incentivou as mudanças de canal para ver o resultado do segundo jogo das finais da Copa do Brasil.
Os Canucks se recuperaram no jogo 5, em que venceram por 1-0. Os irmãos Daniel e Henrik Sedin tiveram a chance de ganhar a Copa Stanley no local onde tudo começou, há 12 anos, quando foram recrutados no então FleetCenter, hoje TD Garden, mas nem eles, nem os Canucks conseguiram resistir aos Bruins no jogo 6.
O jogo 7 foi o desfecho e o resumo da série: Canucks impotentes, Bruins oportunos, goleada no placar, gol em desvantagem numérica, shutout de Thomas. Ao longo das finais, os Bruins marcaram três gols em desvantagem numérica, mais do que os Canucks marcaram com um jogador a mais no gelo. Não fossem os gols em vantagem numérica marcados nas goleadas, o Boston também teria um aproveitamento irrisório nas situações de 5-contra-4.
Olhando em retrospectiva, é impossível não pensar em como é que as finais chegaram ao jogo 7, porque a impressão final dos Canucks é a do time que perdeu quatro de cinco, não daquele que venceu os dois primeiros. Em todo o confronto, a equipe marcou míseros oito gols, a mesma quantidade que o Boston marcou em apenas uma noite. O saldo do Vancouver nas finais foi de -15. Faltou para a equipe a produção ofensiva de seus melhores atacantes. Os irmãos Sedin não devem ter feito, juntos, mais do que um ou dois gols na série, Ryan Kesler também decepcionou e havia um monte de Higgins e Tambellinis e Glass e Oreskovichs mostrando que a equipe não tinha mais do que duas linhas de ataque — e que não produziam.
Enquanto faltavam atacantes, sobravam defensores, mas quantidade não é sinônimo de qualidade.. Os Canucks perderam Dan Hamhuis por contusão e Rome por suspensão e ainda podiam escolher entre Christopher Tanev, Keith Ballard e Andrew Alberts para completar o sexteto. Quem não entendia a ausência de Ballard do time titular compreendeu durante o único jogo das finais em que ele participou por que o treinador Alain Vigneault não contava com o defensor de contrato milionário. A "experiência Ballard" no jogo 4 foi um desastre.
A compilação de melhores (melhor ataque, melhor defesa, melhor aproveitamento em vantagem numérica, melhor jogador) que conduziu os Canucks durante a temporada regular funcionou às avessas dessa vez. Se de alguma forma o Vancouver vencesse o jogo 7, seria o campeão mais estranho de todos os tempos.
Todos os problemas que afligiram o Vancouver não ameaçaram o Boston. Seu goleiro não falhou, tampouco foi substituído, a defesa não foi despedaçada por contusão ou suspensão e o ataque tinha quatro linhas inteiras. A profundidade ofensiva era tão grande que Tyler Seguin, barrado em alguns dos jogos, seria atacante da segunda linha se jogasse pelos Canucks. Enquanto o problema do time canadense era a falta de produção dos principais nomes, nos Bruins sobrava contribuição dos atacantes menos badalados, a chamada "produção secundária".
Vários jogadores dos Bruins mereceriam o Troféu Conn Smythe, concedido ao jogador mais valioso dos playoffs, mas o prêmio não poderia escapar da luva de Thomas. O goleiro foi dominante em praticamente toda a campanha nos playoffs, beirando a perfeição nas finais. Foi o ano de Thomas, que estabeleceu recordes tanto na temporada regular quanto nos playoffs.
Em plena Vancouver, o segundo capitão europeu a erguer a Copa Stanley não foi o sueco Henrik Sedin, mas o eslovaco Zdeno Chara, defensor que motivava piadas no início da carreira, hoje tido como um dos melhores de sua geração.
No 15 de junho, os Bruins encerraram o longo jejum de 39 anos sem título e conquistaram a Copa Stanley pela sexta vez em sua história. A Copa está orgulhosa.
Humberto Fernandes adorou assistir aos jogos das finais na ESPN.