Wayne Gretzky, o maior jogador de hóquei no gelo de todos os tempos, completou 50 anos de vida no dia 26 de janeiro. TheSlot.com.br não poderia deixar essa data passar em branco.
As informações a seguir foram extraídas do documentário Kings Ransom, da série “30 for 30” da ESPN norte-americana, exibido no Brasil pela ESPN. Dirigido por Peter Berg, conta os bastidores da troca de Gretzky do Edmonton Oilers para o Los Angeles Kings.
Quando Gretzky foi anunciado pela primeira vez no Great Western Fórum, o ginásio dos Kings, o locutor oficial declarou: “Eles a chamaram de a troca do século. O dono de 49 recordes da NHL, o camisa 99, Wayne Gretzky”.
Aos 28 anos, com apenas nove temporadas no currículo, Gretzky já detinha 49 recordes da NHL. Esse é o número mais impressionante de todo o texto.
Gretzky estava assustado, sabia que não seria tão fácil quanto as pessoas diziam. Os Kings terminaram a temporada anterior na 20. ª colocação geral entre 21 times que disputavam a NHL. Em Edmonton, ele olhava para as cadeiras e reconhecia as mesmas pessoas, amigos e familiares, donos de ingressos para todo o ano. Era algo muito especial. Segundo ele, os Oilers são para a cidade durante 12 meses por ano aquilo que os Jogos Olímpicos são para os Estados Unidos e o resto do mundo durante algumas semanas. Os Oilers são uma religião, uma importante parte da vida de Edmonton.
O auge dessa relação foi alcançado nos anos 1980, quando os Oilers conquistaram quatro Copas Stanley em cinco anos, tornando corriqueira a presença do Santo Graal do esporte em Edmonton. Ganhar a Copa colocou a cidade no mapa. E foi Peter Pocklington o homem que trouxe Edmonton para a NHL.
O ginásio Northlands Coliseum ficava sempre lotado e as pessoas colocavam anúncios nos jornais oferecendo até 5 mil dólares por um assento. Não havia outro time igual na liga e Gretzky era o seu principal jogador, de acordo com o treinador Glen Sather. Ele era dominante, fazia coisas que ninguém conseguia, via aquilo que ninguém mais conseguia ver. Era como se ele fosse de outro planeta. E Sather queria ter tido Gretzky por mais alguns anos em Edmonton.
Ao final da temporada de 1985, em Toronto, durante a premiação dos jogadores — quando Gretzky recebeu o Troféu Hart pela sexta vez em sua carreira —, o então proprietário dos Kings, Jerry Buss, ofereceu 15 milhões de dólares, escolhas no recrutamento e alguns jogadores por Gretzky, mas Pocklington recusou, dizendo que ainda não era a hora.
Buss vendeu a franquia para Bruce McNall entre 1986 e 1988. Ao fim do processo, o ex-proprietário contou para o novo dono do time que conversava de tempos em tempos com Pocklington sobre o assunto discutido em Toronto. McNall ficou chocado, mas passou a fazer o mesmo dali em diante. Sempre que podia, perguntava a Pocklington: “Como vai Gretzky?” Em uma das ocasiões, perguntou se ele se lembrava da oferta de Buss. A resposta foi positiva e o dono dos Oilers prometeu pensar no assunto.
Pocklington cogitava trocar o maior ídolo de Edmonton, mas havia uma razão para tal. Ao fim de seu contrato em vigor, dali a um ano, Gretzky seria agente livre irrestrito. Os dois lados queriam estender o vínculo, mas naquela época o salário dos jogadores estava aumentando consideravelmente e Gretzky sabia que valia muito mais do que recebia dos Oilers.
Na tradicional comemoração do título nas ruas de Edmonton, em junho de 1988, Gretzky disse diante de milhares de torcedores que gostaria de estar ali no ano seguinte fazendo a mesma coisa. Ele não imaginava que aquela seria a última vez que celebraria a conquista da Copa Stanley.
Ao longo das semanas seguintes, Pocklington só pensava na troca. Quinze milhões de dólares era muito dinheiro, especialmente em um time de mercado pequeno. Então ele ligou para McNall e disse que era hora de conversar sobre o camisa 99.
McNall ficou impressionado com a ligação. Para mostrar quem estava no controle, Pocklington declarou de imediato que seu colega poderia trocar toda a franquia, o time inteiro e isso não seria suficiente para ter Gretzky, mas que precisava do dinheiro. “Quero 15 milhões, quero escolhas, quero alguns jogadores”. E a conversa fluiu rapidamente. Enquanto isso, o dono dos Oilers pensava se queria realmente fazer isso.
Foi quando Gretzky começou a receber ligações de outros times perguntando se ele queria sair de Edmonton. Em junho, ele percebeu que poderia ser trocado, afinal de contas ao fim da temporada seguinte seria agente livre irrestrito aos 28 anos de idade.
Finalmente, Pocklington contou para Gretzky que ele seria trocado e permitiu que ele conversasse com o dono dos Kings. Quando McNall revelou para o jogador a possibilidade da negociação, teve a impressão de que ele não sabia de nada a respeito.
McNall quis negociar diretamente com Gretzky porque não queria fazer nada sem que o jogador estivesse completamente dentro, para evitar que ele fosse infeliz em Los Angeles. Era em Edmonton que estavam seus amigos, Mark Messier, sua família. Ele era realmente um Oiler.
Um dia, Gretzky estava no escritório de McNall quando o telefone tocou. Era Pocklington. Com o telefone no viva voz, ambos ouviram as declarações do dono dos Oilers. “Você sabe, Wayne não é bom para o Edmonton, já posso trocá-lo. Ele agora tem essa namorada, que é atriz, está sempre reclamando o tempo todo, tem sido um problema. Vamos fazer isso.” McNall relata que, ao ouvir isso, o decepcionado Gretzky declarou: “Eu sou um LA King.”
Gretzky participou ativamente da troca. Ele pediu que os Kings trouxessem dois companheiros dos Oilers com ele porque não poderia jogar sozinho.
A namorada a que Pocklington se referia era a atriz Janet Jones, com quem Gretzky se casara em julho de 1988.
Uma semana depois, começaram os rumores sobre a troca. E a imprensa divulgava que Pocklington e McNall estavam negociando. Os torcedores não acreditavam.
Glen Sather, então treinador dos Oilers, estava desolado. Por ele, Gretzky nunca teria sido trocado, nem por outra organização inteira. Quando McNall tentou falar com Sather, o hoje gerente geral do New York Rangers respondeu: “Eu não sei o que Pocklington está fazendo. Ele pode ser o dono do time, mas eu comando a franquia. Gretzky não vai a lugar algum.”
Mas Pocklington tinha palavra e nunca voltaria atrás naquilo que já estava combinado.
No dia 9 de agosto de 1988, Gretzky foi trocado para os Kings com Mike Krushelnyski e Marty McSorley por Jimmy Carson, Martin Gelinas, as escolhas de primeira rodada de 1989, 1991 e 1993 e 15 milhões de dólares.
Pouco antes de coletiva de imprensa em que o anúncio oficial seria feito, tanto Pocklington quanto Sather abordaram Gretzky para dizer que, se ele não quisesse ir para Los Angeles, se ele tivesse mudado de ideia, a troca poderia ser cancelada. A resposta de Gretzky foi categórica: “Chegamos tão longe, é um negócio bom para os dois lados, então vamos em frente, sem ressentimentos.”
Em seu discurso de despedida, Gretzky não conseguiu dizer muita coisa antes de ser assaltado pela emoção. “Estou desapontado por sair de Edmonton. Eu realmente admiro todos os fãs, respeitei todos eles ao longo dos anos. [pausa para choro] Mas... [choro] Como eu dizia... prometi ao Messier que não faria isso. Mas como eu disse, chega uma hora em que [choro].” Ele se levanta e se dirige para os assentos do fundo, onde desaba em lágrimas, aplaudido pela imprensa local.
Gretzky conquistou quatro Copas Stanley em Edmonton. Nenhuma em Los Angeles. Segundo ele, se tivesse ficado nos Oilers, poderia ter vencido outras quatro, porque o time era muito bom. Ele pensava nisso o tempo todo, mas foi uma das coisas que teve de abrir mão ao ser trocado.
Para Sather, Pocklington nunca mais foi feliz depois dessa troca. A imprensa e a torcida fizeram dele o vilão. Sua vida não ficou fácil depois disso. Ele sofreu diversas ameaças, sua esposa teve que deixar a cidade por uns tempos, os torcedores faziam bonecos representando Pocklington apenas para enforcá-los ou queimá-los nas ruas.
A revolta era tanta que a placa da entrada da cidade, que dizia “Bem-vindo a Edmonton, cidade de campeões” foi pichada com as inicias de Los Angeles.
Para piorar a situação, mais tarde Pocklington deu uma entrevista polêmica para o jornalista Jim Matheson. Segundo o jornalista, Pocklington declarou que Gretzky estava fingindo as lágrimas durante a entrevista coletiva, que ele era um grande ator e que tinha um ego do tamanho da cidade de Manhattan. O dono dos Oilers desmentiu tudo o que foi publicado pelo jornalista.
Pocklington entendia por que as pessoas o culpavam. Elas pagavam 20 a 30 dólares para assistir ao maior jogador de todos os tempos e, de repente, ele não estava mais lá. Mas os problemas financeiros o obrigaram a agir desta maneira.
A esposa de Gretzky também foi declarada culpada pela imprensa. Janet foi comparada a Yoko Ono nos jornais, como se ela fosse responsável por roubar a joia da coroa canadense. O sentimento dos habitantes de Edmonton era como se o primeiro-ministro do Canadá tivesse sido mandado para outro país.
Gretzky vinha de algumas das melhores temporadas de sua carreira, ficando ainda melhor aos 27 anos. E então ele estava a caminho de um time que não era bom. Nas suas palavras, havia 20 times piores que os Oilers e ele estava indo para o 19. º pior; indo para um time acostumado a ter sete ou oito mil torcedores por jogo, enquanto ele estava acostumado a atuar para 18 mil.
Mas depois de levar o hóquei para Edmonton em 1979, era a hora de levá-lo para a Califórnia, onde o esporte virou uma febre graças à chegada do jogador.
Após o anúncio da negociação, os telefones dos Kings não pararam de tocar. As pessoas ligavam ansiosas em busca de ingressos. Com Gretzky, os Kings viraram um time relevante, segundo Luc Robitaille.
O ginásio do time falava por si só. Dos sete mil habituais torcedores para casa cheia em todos os jogos. E havia diversas personalidades de Hollywood presentes. Todo mundo queria ver os Kings.
Era comum ouvir alguém dizendo: “Eu nunca fui a um jogo de hóquei, mas quero ingressos para a temporada toda.” Ou então: “Eu só conheço um nome, Wayne Gretzky, e quero estar lá para vê-lo.”
Gretzky afirma que hoje entende os motivos da negociação. À época, ele estava revoltado, mas agora que é um homem de negócios sabe por que aquilo aconteceu. Ele tinha um ano de contrato e os Oilers queriam renová-lo, mas o jogador se recusou a conversar, preferindo aguardar toda a temporada seguinte para negociar. Ele não queria sair, mas queria ser remunerado pelo que realmente valia.
Em seu primeiro jogo em Edmonton com a camisa dos Kings, Gretzky foi ovacionado pelo público.
Em seu balanço sobre a troca do século, o maior jogador de todos os tempos afirma que poderia ter sido ainda melhor se continuasse em Edmonton, treinando e jogando todos os dias com os melhores atletas. Em Los Angeles, pelo fato do time não ser tão bom, isso não era possível. Pensando no lado do hóquei, ele sinceramente não sabe se há algum arrependimento, mas pelo conhecimento de mundo, valeu a pena. Gretzky gosta de morar na Califórnia, gosta das pessoas e do estilo de vida local.
Pocklington se arrepende de sua decisão, mas afirma que depois que a decisão estava tomada, jamais voltaria atrás. “A coisa certa foi feita para todo mundo, para o hóquei, para Gretzky, para Edmonton.” Foi uma das maiores trocas já feitas e ele espera ser perdoado pelos fãs um dia.
O saldo da passagem de Gretzky pela Califórnia é a presença de um número cada vez maior de jogadores daquela região atuando pela NHL. E por isso ele é grato.
Em sua primeira temporada com os Kings, Gretzky conquistou o Troféu Hart pela nona e última vez em sua carreira.
Nas oito temporadas com a equipe, levou os Kings aos playoffs em cinco campanhas, incluindo a final da Copa Stanley em 1993. Os Oilers venceram outra Copa Stanley em 1990. Pocklington vendeu o time em 1998. Seis anos depois da troca, McNall foi declarado culpado por fraude financeira, crime admitido por ele. Foi condenado a 70 meses de prisão. Nos anos seguintes à troca, a NHL expandiu-se de 21 para 30 times. Três desses novos times estão sediados na Califórnia.
Humberto Fernandes detesta o calor.