Em tese, a Divisão do Pacífico era do San Jose Sharks. Em tese, o Dallas Stars faria mera figuração na temporada, ficando naquela faixa média da conferência que briga pelos playoffs.
Aliás, o que mais se falava do Dallas para esta temporada eram assuntos ligados à saúde da franquia e a saída (ou dispensa?) de Mike Modano, até então a cara da franquia. As perspectivas do time para a temporada eram secundárias em relação a esses assuntos. O Guia da Temporada produzido por TheSlot.com.br reflete bem o espírito da época. Tudo isso, ressalte-se, antes de a temporada começar.
Na prática, até o Jogo das Estrelas, os Stars são um sucesso. O San Jose é quem vem brigando por uma vaga nos playoffs, e o Dallas é que lidera a Divisão do Pacífico. Vejam bem, estamos falando de uma das divisões mais equilibradas da liga. San Jose era sempre favorito à Copa até outro dia. O Anaheim Ducks, apesar dos altos e baixos, sempre incomoda. O Phoenix Coyotes já deixou de ser a surpresa da temporada passada para ser um bom time que briga por uma vaga nos playoffs. E o Los Angeles Kings, embora decepcione e seja único time da divisão fora do grupo dos oito primeiros da conferência, tem potencial inquestionável para beliscar sua vaga nos playoffs. À frente de todos eles, o Dallas. E com folga.
Sinceramente não vejo correlação entre a saída de Modano e o sucesso do time. Entendo que a gerência queria virar a página e seguir adiante, fazer com que a franquia deixasse de ser “o time do Modano” (coisa que não era mais há tempos, no máximo era “o time que ainda tem o Modano”, o que é bem diferente). Mas, para todos os efeitos, os dois fatos (saída do ícone, alavancada do time) ocorreram nesta temporada e isso, é claro, faz a festa da imprensa.
Acredito que sucesso do Dallas tem mais a ver com alguns poucos fatores. Um deles é a união do grupo (“grupo fechado” também é um clichê bárbaro, mas quem pratica esportes coletivos sabe que isso conta muito). Numa entrevista à ESPN, Brad Richards comentou que aquele é o grupo mais unido de que ele já fez parte. Clichês e blablablas tradicionais à parte, é difícil imaginar esse grupo chegar onde chegou (ainda que estejamos no meio da temporada) sem que pelo menos o ambiente interno seja saudável.
Outro fator é o ajuste ao estilo de jogo do técnico Marc Crawford. Sim, ele mesmo, o lendário Mauricinho Crawford. Dessa vez, dou meu braço a torcer: eu ri do Dallas quando a franquia o contratou. Não escrevi isso na época, mas fica aqui a revelação. Sair de Ken Hitchcock/Dave Tippett (ainda que Tippett não fosse tão radical quanto Hitch em relação a amarrar o jogo) e guinar para Crawford foi uma mudança brusca no Dallas. É sair de um jogo amarrado, primordialmente defensivo, que geralmente alcança(va) resultados na NHL, para um estilo jogo mais solto, aberto, bem mais ofensivo. Você não muda um time assim da noite para o dia, ou de uma temporada para outra. Então, podemos acreditar que, depois de toda a temporada passada em transição de um estilo para outro, agora o Dallas coloca em prática um jogo diferente daquele a que nos acostumamos a ver.
É certo que doeu assistir a Tippett fazer um trabalho espetacular com os Coyotes na temporada passada, enquanto o Dallas sequer ia aos playoffs. Sobretudo porque na temporada anterior (aquela de Sean Avery e seus clássicos sloppy seconds) o Dallas também tinha ficado de fora dos playoffs, ainda com Tippett no comando.
Pois bem, passadas duas temporadas de purgatório, só uma catástrofe retira o time dos playoffs de 2011. Se os Coyotes foram a grande surpresa da temporada passada, os Stars são a surpresa desta.
Temporada de sucesso do time geralmente proporciona (ou é proporcionada por?) belas temporadas individuais. Brad Richards e Loui Eriksson fazem as melhores temporadas de suas carreiras, um ressurgindo e outro desabrochando, e Brenden Morrow voltou a ser o goleador de três anos atrás.
Mais que todos eles, você vê Kari Lehtonen finalmente atuando como o goleiro que um dia projetou ser. Saudades de Turco? Até agora nenhuma -- mas a hora que importa neste caso ainda está por vir, claro. Lehtonen tem conseguido não se contundir, o que já seria uma revolução em sua carreira. Mais que isso, ele tem sido o porto seguro do Dallas, sem precisar ser brilhante ou postar números extraordinários. Quando necessário, o reserva Andrew Raycroft geralmente também dá conta do recado.
Por tudo isso, o troféu de méritos vai para Joe Nieuwendyk, ex-jogador respeitadíssimo do time que assumiu a gerência na temporada passada. Foi ele quem dispensou Tippett e apostou no Mauricinho, foi ele quem dispensou Modano (apesar de eu não ver grande influência nisso) e Turco, e foi ele quem apostou em Lehtonen. Até o momento, todas essas apostas me parecem acertadas.
Marcelo Constantino recomenda expressamente “Invisível”, de Paul Auster.