O destaque esportivo dos últimos dias em Detroit foi a suposta atitude esnobe e desrespeitosa de Sidney Crosby ao não apertar a mão de Nicklas Lidstrom nos tradicionais cumprimentos logo após o fim do jogo 7.
É o tipo de assunto e de matéria que os jornais de Detroit adoram publicar para encobrir a derrota, mascarar o fracasso dos Red Wings na final da Copa Stanley e fazer a torcida esquecer que eles venciam o confronto por 2-0 e 3-2 e perderam o último jogo em casa, quando eram mais uma vez favoritos ao título.
De fato Crosby não cumprimentou Lidstrom, mas não foi para se vingar da marcação implacável do defensor ao longo da série. Aos 21 anos, mais jovem capitão a ser campeão, Crosby apenas festejou e abraçou mais gente dos Penguins do que deveria antes de se juntar à fila dos cumprimentos. Ele simplesmente chegou atrasado. Àquela altura, vários jogadores dos Red Wings já haviam deixado o gelo, incluindo seu capitão, que liderava a fileira. É normal que o time perdedor queira sumir do gelo o mais rápido possível.
O ideal seria que Crosby estivesse à frente dos jogadores dos Penguins, mas é normal que um garoto que sempre sonhou em conquistar o troféu mais duro do mundo não saiba o que fazer logo após o último segundo de jogo que o separava da consagração. E ele foi comemorar. A menos que tenha dançado o créu ou esmigalhado um polvo, não houve desrespeito algum.
Kris Draper, o primeiro jogador a protestar contra o capitão dos Penguins, deveria se preocupar com seu próprio jogo e não com o que fez um adversário depois da partida. Henrik Zetterberg, outro que se envolveu no assunto, gastaria melhor seu tempo pensando no que fazer para voltar ao topo do mundo em junho do ano que vem. Felizmente Lidstrom, com toda a sua serenidade, minimizou a importância do incidente.
Não é a primeira vez que a imprensa de Detroit abusa desse artifício para desviar o foco da derrota. Um exemplo clássico foi a cobertura logo após a eliminação diante do Colorado Avalanche nos playoffs de 1996, quando os Red Wings estabeleceram o recorde de vitórias na temporada regular apenas para cair nas finais de conferência. A agressão covarde de Claude Lemieux a Draper e a fúria dos jogadores do Detroit ganhava as páginas dos jornais. O fracasso do time (mais um!) passava despercebido.
O pior é que parte dos torcedores entrou na onda, disparando a mágoa pela derrota contra Crosby, como se isso fosse fechar as feridas pela perda da Copa Stanley no jogo 7. Nada vai rebaixar ou desvalorizar a conquista do jovem time de Pittsburgh e de seu capitão, mesmo com todas as ressalvas ao seu comportamento em outras situações.
Em vez de se preocupar com fato tão insignificante, a imprensa de Detroit deveria espalhar para o mundo o bom exemplo de Mike Ilitch, proprietário dos Red Wings, que continuou andando enquanto Gary Bettman tentava se aproximar para cumprimentá-lo. Essa, sim, uma recusa pensada e de alta classe.
Bettman não é querido neste mundo. Nenhum torcedor apertaria a sua mão. Vários jogadores também não. Os proprietários das equipes, para satisfazer seus interesses financeiros, não só apertariam sua mão como também fariam cafuné em seus cabelos alinhados à Gugu Liberato.
Ilitch não.
E a torcida do Detroit encheu o presidente de orgulho quando vaiou o detestado comissário desde o instante em que ele pisou no gelo. As vaias encobriam as palavras de seu discurso ensaiado, ao ponto que só era possível ouvir os nomes dos jogadores. Primeiro, Evgeni Malkin, vencedor do Troféu Conn Smythe. Depois, Crosby, convidado a receber a Copa Stanley.
Infelizmente o emprego de Bettman está seguro. Para sua sorte o jogo 7 foi o jogo de hóquei mais assistido desde 1973. E assim está garantido o lançamento de novos volumes da coletânea enciclopédica de erros de sua gestão nos próximos anos.
No fundo, em um momento de deleite próprio, Bettman deve ter sorrido pela noite vivenciada na Joe Louis Arena horas antes. Não só por ter entregue a Copa Stanley para o garoto-propaganda da NHL, mas por ter assistido à queda dos Red Wings, o time que contraria o princípio da paridade que ele adoraria ver instaurado na liga.
No mundo ideal desenhado após o teto salarial, toda equipe deveria ter a chance de competir pela Copa Stanley a cada dois ou três anos, mas graças ao bom trabalho da gerência os Wings invariavelmente são favoritos ao título. A tão sonhada paridade não existe.
É sobre isso que os jornais de Detroit deveriam escrever. Sobre um time que se mantém no auge há 15 anos e serve de modelo em qualquer esporte.
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