A Rússia bota o Canadá na roda e reinvidica o rótulo de Melhor do Mundo
Essa coluna é dedicada a todos que acreditam na supremacia canadense. Que o hóquei no gelo praticado na América do Norte é o melhor do mundo. Que os canadenses são melhores pelo simples fato de serem canadenses — teoria interessante, mas... sinto muito.

Quem é o melhor jogador de hóquei no gelo de todos os tempos? OK, Wayne Gretzky. Quem mais figuraria na lista? Gordon Howe? Mario Lemieux? Bobby Orr? E goleiros? Patrick Roy? Grant Fuhr? Bem, quem seria o melhor jogador da atualidade? Sidney Crosby?

É inegável que todos os rapazes listados acima sejam jogadores sensacionais. Mas quanto a Boris Mikhailov? Valery Kharlamov? Vladimir Petrov? Igor Larionov? E quando ao sensacional goleiro Vladislav Tretiak? Não foram melhores que os nomes citados acima? Essa é uma resposta que nós jamais teremos. São jogadores de épocas relativamente diferentes. Mas se compararmos as gerações e confronto direto, veremos que o Canadá não é lá essa "nação intocável". Não é "melhor time de todos os tempos". E os canadenses, definitivamente, não são os melhores simplesmente pelo fato de ser canadenses. Até porque, o melhor jogador da atualidade é russo. E o segundo melhor, também. E uma consideravl lista de suecos pode ser considerada, no presente momento, melhores que os canadenses em geral.


Quebec, capital russa por um dia
A última edição do Campeonato Mundial de hóquei no gelo foi mais uma bela lição na Seleção Canadense. Jogando pela primeira vez em casa, o Canadá tinha todo o controle do disco para si. Venceram as três partidas da primeira fase, numa campanha iniciada com 5-1 sobre a Eslovênia, com 7-0 na Letônia na seqüência e finalizando com um 5-4 sobre os Estados Unidos. Dany Heatley, Ryan Getzlaf, Rick Nash e Shane Doan mandavam prender e soltar no Campeonato. Não era de se estranhar. Os canadenses tinham um timaço. A turma de cima poderia estar disputando a pós-temporada da NHL, mas o que sobra ainda é superior a qualquer equipe de hóquei no mundo. Certo?

Os canadianos (no melhor português luso falado) seguiram com um apertado 2-1 na Noruega. Massacre de 10-1 na Alemanha e um tranqüilo 6-3 na Finlândia. Pelas quartas de final, novamente a Noruega. Um jogo muito mais tranqüilo e vitória incontestável por 8-2. Dois jogos pelo título e, pela frente, a difícil Suécia. Tão difícil que, novamente, a linha Heatley-Getzlaf-Nash foi superexigida, com grande destaque também para Mike Green. Mesmo assim a Suécia obrigou o Canadá a trabalhar duro, e a mais ou menos cinco minutos para o final do jogo apertou quando diminuiu a vantagem da Seleção da casa para 5-4.

De qualquer forma, o Canadá chegou à final com oito jogos, oito vitórias. Agora, só correr para o título. Certo?

Mas do outro lado estava a Rússia. A velha Rússia de camisas vermelhas, que evocam a saudosa União Soviética que fazia até o Canadá Profissional das décadas de 70 e 80 tremer.

Os Russos começaram com 7-1 sobre a Itália. Passaram com um difícil 5-4 pela República Tcheca, velha rival, e em seguida fez sua obrigação derrotando a Dinamarca sem grandes dificuldades. 4-1. Os russos têm Alexander Ovechkin, Alexander Semin, Ilya Kovalchuk, Sergei Fedorov, Dennis Grebeshkov... mas têm bons nomes lá do Leste também, trazidos diretamente das ligas européias, como Aleksey Morozov ou Danis Zaripov, ambos do Ak Bars Kazan.

Pela segunda fase, enfrentou e derrotou a rival Bielo-Rússia por 4-3, teve um difícil jogo contra a Suécia e bateu os nórdicos por 3-2 e finalizou campanha coim vitória sobre a Suíça por 5-3.

Seu jogo de quartas de final foi, novamente, contra a Suíça, e desta vez um considerável massacre: 6-0. Na semi-final, os russos deram o troco na Finlândia, que os eliminou nas semi-finais do Mundial 2007, disputado em Moscou. Vitória incontestável russa por 4-0. Campanha exatamente semelhante igual à canadense, oito jogos, oito vitórias. Os dois melhores times chegam à decisão do torneio.

A final, na Cidade de Quebec, teve um público de mais de 13 mil torcedores. Os canadenses que vieram ver a festa de seu time masculino adulto, pela primeira vez de perto num Campeonato Mundial, começaram com um susto: a Linha Capital abriu o placar com Semin, assistido por Fedorov e Ovechkin, com pouco mais de um minuto de jogo cronometrado. Mas Brent Burns foi assistido por Green, um dos destaques do time canadense, e Derek Roy, e empatou o jogo alguns poucos minutos depois. Kunitz pôs o Canadá na frente e Burns novamente ampliou a contagem ainda no primeiro período. A sirene soou com vantagem de dois gols para a Seleção das Folhinhas Vermelhas.

Semin tentou diminuir a contagem, novamente nos primeiros minutos do segundo período, mas Getzlaf assistiu Heatley para marcar o quarto gol. O Canadá manteve sua vantagem de dois gols para o final do segundo período.

Mas aí o iglu caiu! Alexei Tereshchenko, um dos homens que atua no Velho Continente, tornou a quebrar a vantagem canadense por volta de oito do terceiro período. E aí apareceu Kovalchuk. Todos sabemos o quanto Kovy odeia os canadenses — especialmente Sid the Kid, velho rival do russo. Kovalchuk, assistido por Vitali Proshkin e Alexander Radulov, marcou o gol de empate a pouco menos de seis minutos do final.

Com quase dois minutos de prorrogação, Rick Nash sofreu uma punição menor por atrasar reinício de jogo. Em vantagem numérica, os russos marcaram menos de um minuto depois — novalmente Kovalchuk, assistido por Fedorov e Ovechkin. Foi emocionante ver Ovie patinando e comemorando o gol do título de Kovy. A estrela do Washington Capitals, que teve a oportunidade de jogar ao lado de seus companheiros Fedorov e Semin, era sem dúvida o mais feliz na comemoração do título. E é muito interessante em ver que um jogador, ganhando milhões na NHL, se empolga tanto para defender seu país.

Rússia 5-4 Canadá em plena Quebec. Os pró-canadianos tiveram que engolir.


A força que vem da Europa
Não é de agora que a Europa esmurra a cara da América do Norte (entenda-se Canadá) com jogadores fortes e qualificados, apesar de muita gente insistir na supremacia canadense. Se recapitularmos eventos históricos, veremos o quanto as equipes européias, em especial a Rússia/União Soviética, se colocou com excelência no caminho do Canadá.

Podemos começar com aqueles que, para muitos, são os dois melhores momentos da história do hóquei no gelo. Sim, me refiro à Summit Series e ao amistoso entre Montreal Canadiens e CSKA Moscou, ambos na década de 70 e já discorridos aqui em TheSlot.com.br através de artigos especiais, conforme vocês podem conferir nos links.


A Summit Series de 1972
Em inglês, Summit quer dizer "ápice", "topo". O auge. Palavra melhor não há para definir aquela série maravilhosa que a Seleção Canadense e a Seleção Soviética disputaram naquela temporada, no que muitos chamam de A September to Remember (Um Setembro para Relembrar). Sem dúvidas, quem viu, lembra com perfeição de tudo que ocorreu naqueles oito jogos. Quem não viu, se emociona ao ouvir a respeito.

Na época, o Canadá era simplesmente quem mandava no hóquei no gelo profissional. Os Soviéticos eram os maiorais no amadorismo. Como água e óleo, as duas coisas não se misturavam. Jogadores profissionais, que atuassem na NHL, não poderiam jogar Campeonatos Mundiais nem Jogos Olímpicos. A Summit Series foi uma oportunidade de testar as forças. Era um desafio para os Canadenses, que se consideravam os melhores do mundo do hóquei. Auto-suficientes, os canadenses, em especial torcida e crítica, tinham certeza que ninguém poderia derrotá-los.

A Summit Series quebrou essa perspectiva de forma impressionante. A Seleção Canadense era formada por gênios como Bobby Clarke, Marcel Dionne, Serge Savard, Guy Lapointe, Ken Dryden e os irmãos Phil e Tony Esposito e Frank e Peter Mahovlich. Bobby Orr estava no elenco, mas, lesionado, não pôde jogar. Ainda assim, era um time com o fino do hóquei no gelo e nomes que estão entre os melhores da história da NHL. Mas ninguém contava com o talento dos já citados Kharlamov, Mikhailov, Petrov, Tretiak ou de Alexander Maltsev. O que era pra ser uma prova da superioridade canadense tornou-se um chocante tapa da cara do "país do hóquei": a Série saiu do Canadá com vantagem Soviética de 2 jogos a 1, com um empate. A Seleção Canadense foi vaiada na quarta pardida da Série, em Vancouver, quando perdeu por 5-3.

No caminho para a União Soviética, os Canadenses pararam na Suécia e enfrentaram a Seleção local em dois jogos. Venceram um por 4-1 mas empataram o segundo em 4-4. Seguiram para a União Soviética, onde perderam o jogo 5, mas venceram o jogo 6 e o jogo 7, todos os dois com gols vencedores de Paul Henderson. O oitavo jogo seguiu empatado em 5-5 até os 34 segundos finais, resultado que dava o título à União Soviética. Mas Henderson estava lá de novo para dar o título ao Canadá, marcando o gol da vitória em um rebote de Tretiak.

O título veio, mas a realidade era outra: o Canadá não era a nação dominante no cenário mundial do hóquei no gelo.


A Summit Series de 1974
Desta vez a Seleção Canadense tinha simplesmente Gordon Howe e Bobby Hull. E mesmo com essas duas feras, desta vez o Canadá não fora páreo para Mikhailov, Kharlamov e Petrov. A Série saiu do Canadá empatada, com uma vitória para cada lado e dois empates. Em casa, a União Soviética massacrou os Canadenses e venceu três jogos, empatando um, e conquistou a Summit Series com 4 vitórias, 3 empates e apenas uma derrota.

E, repito, a Seleção Canadense tinha Howe e Hull, dois dos maiores nomes da história da NHL.

Eles são superiores a Mikhailov e a Kharlamov?


As Super Séries
O CSKA Moscou foi excursionar pela América e enfrentar as equipes profissionais da NHL. Novamente, prestem atenção, profissionais da NHL, os tidos "melhores do mundo porque são canadenses" na cabeça de muita gente, contra os soviéticos. No primeiro jogo, pegaram o New York Rangers e venceram por 5-3. Foram a Montreal e empataram em 3-3 com os poderosos Canadiens em 3-3, no que é para muita gente o maior jogo da história do melhor esporte do mundo. Em seguida, venceram o Boston Bruins por 5-2 e perderam um único jogo, para o Philadelphia Flyers, por 4-1. Na mesma época, o Krylya Sovetov Moscow seguiu os patins do CSKA e venceu o Pittsburgh Penguins por 7-4, perdeu para o Sabres por 12-6, venceu o Black Hawks por 4-2 e o Islanders por 2-1.

As duas séries revelaram uma bela superioridade soviética. E olha que eles, os soviéticos, nem são canadenses. Como podem ter vencido? Que estranho...

Esses jogos originaram a chamada Super Série, onde um clube soviético iria à América enfrentar uma equipe da NHL.

A Super Série foi disputada de 1976 a 1991, incluindo as duas séries relatadas acima. De 18 séries, sabem quantas as equipes da NHL venceram? Apenas duas. Outras duas terminaram empatadas. E os Soviéticos venceram 14 séries. Vale salientar que nessa séries vencedoras, tivemos resultados como vitória do CSKA Moscou por 6-3 em 1986 sobre o campeão da Copa Stanley Edmonton Oilers, com Wayne Gretzky no elenco; ou um triunfo do mesmo CSKA Moscou por 3-2 sobre o New York Islanders em 1980, ano em que os Isles venceriam a Copa Stanley e dariam início à sua dinastia.

Não é à toa que foram 14 vitórias Soviéticas contra apenas duas canadenses. Acho estranho que caras como Gretzky e Bryan Trottier, que são os melhores do mundo — pelo simples fato de serem canadenses, não por serem bons — sejam, assim, massacrados por equipes amadoras soviéticas e por jogadores como Mikhailov, Maltsev, Vladimir Krutov ou Servei Makarov.


Challenge Cup 1979
A Seleção Soviética foi à América enfrentar a Seleção das Estrelas da NHL que contava com Guy Lafleur, Darryl Sittler, Mike Bossy, Denis Potvin, Dryden, Esposito, Clarke e Dionne. Mas do lado vermelho estavam, novamente, Mikhailov, Kharlamov, Petrov, Tretiak e Makarov. Qual o resultado? As Estrelas da NHL venceram o primeiro jogo por 4-2. Perderam o segundo por 5-4. E foram massacrados no terceiro e decisivo combate por 6-0. Título para a União Soviética.


Rendez Vous 1987
Mais um torneio entre Estrelas da NHL e a Seleção Soviética. Quem estava representando a NHL? (Respirando fundo...) Gretzky, Mario Lemieux, Ray Bourque, Kevin Dineen, Michel Goulet e Jari Kurri. Pelos Soviéticos, Viacheslav Fetisov, Vladimir Krutov, Igor Larionov e Sergei Makarov. Os Canadenses venceram a primeira por 4-3, mas a União Soviética derrotou o Canadá por 5-3 na segunda partida e ficou com o Troféu.


Copa Canadá
A revanche canadense pelo Rendez Vous seria a Copa Canadá daquele ano, conquistada pelo Canadá numa final melhor de três onde perdeu a primeira para a União Soviética por 6-5, mas venceu a segunda também por 6-5 e a terceira, mais uma vez, por 6-5. Aliás, a Copa Canadá sempre foi uma das provas de resistência da supremacia canadense. Em cinco edições, o Canadá venceu quatro. Perdeu apenas uma, em 1981, para a União Soviética. Mas os Soviéticos só fizeram duas finais, aquela e a de 1987.


O mais impressionante é que, com exceção da Summit Series, todos esses eventos foram sediados na América, onde os Soviéticos vinham jogar como visitantes e encaravam os profissionais de igual para igual, na maioria das vezes os superando. A cortina de ferro caiu, a União Soviética se desfez e a rivalidade foi transferida para a Rússia. Os Campeonatos Mundiais e Jogos Olímpicos foram abertos a profissionais. Os temos mudaram, mas o Canadá continuou engasgando na sua soberba e certeza de que era o melhor e ponto final.


Os Jogos Olímpicos
Em 1998, primeiro ano em que os Jogos foram abertos a profissionais, o Canadá tinha Wayne Gretzky e Steve Yzerman. Nem medalha conquistou. O ouro ficou com a República Tcheca, a prata com a Rússia e o bronze com a Finlândia — derrotando o Canadá na disputa do terceiro lugar por 3-2. O Canadá nem mesmo teve um jogador entre os 11 maiores pontuadores dos Jogos. E olha que o Canadá não ganhava uma medalha de ouro desde 1952.

Tirou o atraso 50 anos depois, em 2002. Mas nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2006, o Canadá foi eliminado nas quartas de final, para a grande rival Rússia, e novamente ficaram sem medalha — o ouro ficou com a Suécia, a prata com a Finlândia e o bronze com a República Tcheca.


A NHL
Hoje em dia a NHL é permeada por craques estrangeiros. O melhor jogador da Liga na atualidade sem dúvida é Alexander Ovechkin, russo. Dentre os dois finalistas da Copa Stanley, os Wings têm como principais jogadores Henrik Zetterberg, Johan Franzen, Niklas Kronwall, Nicklas Lidstrom e Pavel Datsyuk. Cinco europeus, quatro suecos e um russo. Do outro lado, os Penguins têm como principal jogador Evgeni Malkin, russo — sim, Malkin é melhor e mais importante que Crosby na atualidade.

Nas últimas dez edições do Troféu Art Ross, oferecido ao líder da liga em pontos, seis foram para um jogador Europeu, incluindo o da atual temporada, para Ovechkin. Dos últimos dez Hart Memorials, quatro foram para europeus. O atual deve ir também — mais uma vez, para Ovechkin.

A NHL é outra com a força européia. Mas o hóquei no gelo não é necessariamente outro. O jogo pode ser outro. Mas o cenário é o mesmo. A potência nunca esteve no Canadá, mas espalhada pelo mundo. Era realidade no passado, é realidade no presente. Cego é quem não quer ver.

• Capa
• Editorial
• A Rússia é ouro após 15 anos
• Domínios
• Restam dois
• Penguins x Red Wings
• Abaixo Canadá!
• Pitacos da finalíssima
• Reviravolta dos Pens está completa
• Os Penguins foram, sim, superiores