O Texas é aquele estado que fica lá embaixo. Aquele do petróleo. Aquele que é terreiro da família Bush. Aquele do Dallas Stars e Dallas Cowboys, do Pantera e de tribunais capazes de proezas como condenar crianças. O Texas é o segundo maior estado dos Estados Unidos da América, o maior em terras contínuas. E é de lá que vem a criança conhecida como Tyler Myers, defensor do Buffalo Sabres. O Tyler é o segundo maior jogador, literalmente, na história da NHL, o maior nascido na América do Norte. Assim como o Texas está logo abaixo do Alasca, Tyler está logo abaixo de Zdeno Chara. Em tamanho. Quanto ao talento... bem... já estão falando muito por aí.
No hóquei, era comum se acreditar que os jogadores menores eram os mais habilidosos, enquanto os maiores eram os mais físicos. Era um contraste entre cérebro para armar as jogadas e músculos para matá-las. Homens como Wayne Gretzky, Bobby Orr, Gordie Howe e Maurice Richard eram caras "pequenos", mas habilidosos, enquanto intimidadores como Clark Gillies eram os grandalhões que só serviam para bater. Acho que o primeiro a quebrar essa escrita, ou pelo menos a entrar em grande evidência, foi Mario Lemieux, do alto de seus 1,94m. E seguiu-se uma boa leva de jogadores altos e bons: Jaromir Jagr, Eric Lindros (tudo bem que não vingou, mas...), Chris Pronger, Joe Thornton, Ryan Getzlaf... nenhum, no entanto, chega aos 2,06m de Zdeno Chara. Myers, com 2,03m, chega muito perto. E é mais um a engrossar a categoria de jogadores grandes e habilidosos. Há quem diga que o rapaz já é o calouro do ano. Opa! Mas e o John Tavares? E o Matt Duchene? Pois é. Myers está fazendo os dois caírem "no esquecimento", pelo menos enquanto calouros. E olha que eles lideram os novatos na NHL.
Não fosse o bastante, já há quem diga que é o melhor jogador revelado na NHL desde Alexander Ovechkin. Obviamente é mais um desses exageros cometidos no esporte profissional que pode acabar comprometendo a carreira de um futuro grande atleta. Podemos entender Myers como um cara absurdamente alto, que por isso tem capacidade de encarar qualquer atacante à sua frente, mesmo que estejamos falando a respeito de Marian Hossa. Mas também é um cara que tem habilidade e, nesse ponto, lembra defensores como Adam Foote e Scott Niedermayer.
O que me impressiona não é nem a altura de Myers aliada à sua habilidade, mas sim o fato de ser natural do Texas. De Houston! A Beyoncé é de Houston! Aliás... pior ainda. Nem de Houston mesmo o menino é, mas sim de Katy, uma minúscula cidade de 11 mil habitantes na região metropolitana de Houston. Tudo bem se você vem de uma cidadezinha gélida no interior de Minnesota ou de alguma província canadense. Mas do Texas? Como pode um jogador de hóquei tão bom ter vindo de lá? Só conheço um caso: Brian Leetch, natural de Corpus Christi. Defensor fora do comum, com uma habilidade sensacional e grande capacidade de marcar gols. Mas não é tão alto, claro. Também há o Mike Christie, defensor que atuou pelo Vancouver Canucks. Mas quem lembra do tal Christie?
Obviamente o texano Myers não se criou em Houston. Assim como Leetch, que deixou Corpus Christi para se educar em Connecticut, pelo menos em termos de hóquei no gelo, antes de seguir para a Universidade de Boston, a melhor escola de hóquei juvenil nos Estados Unidos, ao lado da Universidade de Minnesota, Myers não tardou em deixar o Texas. O rapaz cresceu, na verdade, em Calgary, Alberta, e ainda adolescente mudou para Wilcox, em Saskatchewan, para jogar no tradicional time infantil Notre Dame Hounds, time do Athol Murray College of Notre Dame, que apesar do nome College (faculdade) é, na verdade, um colegial. Dos Hounds, Myers foi recrutado para jogar no Kelowna Rockets, da Western Hockey League.
Das quatro boas temporadas de Myers fez no Kelowna, sem dúvidas a última, 2008-09, foi a melhor. Foram 42 pontos na temporada regular e 20 nos playoffs, sendo a maioria proveniente de assistências. Principal jogador dos Rockets na conquista da Ed Chynoweth Cup, o campeonato da WHL, Myers ganhou o prêmio de jogador mais valioso da pós-temporada. Àquela altura, porém, o rapaz já havia sido recrutado para a NHL pelo Buffalo Sabres, como 12ª escolha geral de 2008.
Apesar de estadunidense, Myers adquiriu cidadania canadense e defendeu o Canadá no Campeonato Mundial Juvenil de 2009. Tavares também esteve no campeonato, onde foi eleito melhor atacante e jogador mais valioso. Myers não entrou na seleção ideal do torneio (que teve como defensores o canadense Pernell Karl Subban, prospecto do Montreal Canadiens, e Erik Karlsson, do Ottawa Senators). Sua experiência no Mundial e sua grande temporada no campeonato do Kelowna Rockets lhe valeram uma vaga no time dos Sabres sem ter que passar pelo Portland Pirates.
A primeira temporada de Myers na NHL tem sido uma agradável surpresa. Sua adaptação tem sido impressionante. Perto dos 20 anos de idade, a serem completados no dia 1º de fevereiro, Myers vem tendo seus passos, ou melhor, patinadas, acompanhadas de perto pela crítica esportiva e, obviamente, pelos fãs. Até o momento que este artigo foi fechado, Myers é o quarto melhor calouro em pontos, com 30, sendo o melhor defensor (calouro) nesta categoria. São sete gols e 23 assistências — ironicamente, seu primeiro gol na NHL foi contra o New York Islanders de seu "rival" Tavares. Além disso, Myers é o melhor jogador do Buffalo depois de Tim Connolly e do goleiro Ryan Miller. Derek Roy e Thomas Vanek, por sinal, tem poucos pontos de vantagem sobre o novato.
E, além do tamanho, da habilidade, dos pontos, e de Katy, Texas, Myers impressiona por seu senso de responsabilidade para alguém que nunca jogou hóquei profissional antes e tem apenas 19 (ok, 20) anos de idade. Aliás, eu diria que esse é o fator principal por toda essa empolgação a respeito do jovem defensor — por parte da crítica, porque, para mim, o fator principal é Katy, Texas. Myers já vem sendo considerado um jogador maduro, o que apenas anima os entusiastas que acreditam ter surgido o sucessor de Chris Pronger. Bom, pelo menos em termos de responsabilidade, parece que Myers já leva uma certa vantagem sobre o veterano. Ross McKeon, do Yahoo! Sports, por exemplo, disse que Myers é um "Pronger com mais habilidade e um Scott Niedermayer com mais tamanho". Myers também não parece ter nenhuma dúvida quanto a se jogar na frente do disco ou desferir trancos contra veteranos atacantes consagrados, como Joe Thornton. Tudo bem que alguém com mais de dois metros de altura não deve ter muito a temer. Só que, levando em consideração que tratamos de um rapaz que até um ano atrás dava trancos em guri, não é normal ver tanta personalidade, mesmo para um sujeito da sua altura.
2010 começou como a temporada de John Tavares, mas logo virou a temporada de Tyler Myers. E o Texas não é mais o estado da "Estrela Solitária". Afinal, não podemos mais considerar que Leetch seja o único grande jogador vindo de uma terra que, aparentemente, só servia para rodeios e petróleo.
Em tempo: A gente dá trancos quando tem que dar. Mas também dá assistência quando os caras estão prontos para marcar um gol: se aquecendo para os Jogos Olímpicos de Inverno, que terá a maior cobertura da história no Brasil, o portal Terra fez uma excelente matéria sobre o Milagre no Gelo, com dados corretos, nomes dos jogadores, contexto histórico e até mesmo galeria de fotos. Até o cuidado em explicar que aquele jogo não foi a final, como muita gente pensa, o colunista Anderson Giorge teve. Parabéns ao Terra.
Christian Petersen/Getty Images Quando se tratar de Tyler Myers, prefira fotos verticais. (18/01/2010) |
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