Por: Mitch Albom
O primeiro apito já foi ruim o bastante, quatro contra cinco. Mas o segundo foi como um desafio dos deuses. "Vocês querem a Copa Stanley?", era o que parecia que eles queriam dizer. "Passe por este fogo e prove."

Então Andreas Lilja patinou para o banco de penalidades, juntando-se a Kirk Maltby, e a tocida de Pittsburgh, vestida toda de um branco cegante, ficou de pé, botando seus pulmões para funcionar, clamando por sangue. E, por um minuto e 26 segundos, os Red Wings teriam de proteger sua vantagem de um gol com três jogadores de linha contra os cinco dos Penguins, e, por um minuto e 26 segundos, eles foram impenetráveis, inabaláveis e merecedores do graal.

Vocês têm mais alguma coisa? Os Penguins ganharam face-offs durante esse cinco-contra-três, dispararam chutes que não foram a gol, atacaram e voltaram, para depois atacar de novo — mas os Wings os encontraram em cada curva. Os segundos se passavam. A torcida gritava mais alto. E, ainda assim, o gol não saiu. Henrik Zetterberg enrolou-se no salvador escolhido pela NHL, Sidney Crosby, antes de ele conseguir colocar seu taco em um rebote. E, ainda assim, o gol não saiu. Os Wings bloquearam chutes. Congestionaram as linhas de passe. E aí Zetterberg roubou o disco e levou-o ao gelo do Pittsburgh, girando e driblando até chutar. Os segundos se passavam. E, ainda assim, o gol não saiu. A vantagem evaporou-se.

Maltby saiu do banco de panlidades. Lilja saiu do banco de penalidades.

Os Red Wings estavam fora de perigo.

O Pittsburgh tinha esgotado sua mágica.

"Foi incrível", disse Zetterberg às câmeras da NBC depois que a vitória de ontem por 2-1 colocou os Wings a uma vitória da Terra Prometida. "Eles tiveram uma grande oportunidade de empatar. Mas seguramos."

Vocês têm mais alguma coisa? Os Wings assumiram a vantagem por 3-1 nestas finais da Copa Stanley ao derrotar as propabilidades da desvantagem numérica e quebrar um tabu de três meses — a campanha perfeita dos Penguins no Iglu. É isso aí. Os Pens não tinham perdido na Mellon Arena desde 24 de fevereiro. Os Wings acabaram com isso. Eles fizeram-no sem seu homem do meio preferido, Tomas Holmström. Eles fizeram-no apesar de sofrer o primeiro gol, o que era sinal de morte contra os Penguins antes deste jogo. Eles fizeram-no em uma noite em que o jogo pareceu mais cabelo molhando entupindo o ralo.

E eles fizeram-no, no fim das contas, ao sobreviver à pedra mais dura que os demônios do hóquei podem atirar em alguém — um cinco-contra-três no terceiro período na casa do adversário. Os Wings agüentaram o fogo. Eles emergiram intactos. Enquanto você lê isto, eles devem estar em suas camas sonhando com mais uma vitória, com mais um obstáculo e com uma Copa em que logo poderão ver seus nomes gravados.

É o Pittsburgh que tem de mostrar algo a mais.

Vocês têm mais alguma coisa?

Dando mais de si por Homer

"Eu nunca me canso disso." Foi assim que o capitão Nicklas Lidström descreveu estar a uma vitória de sua quarta Copa Stanley. "Sabemos que ainda não ganhamos nada, mas é por isso que você joga o ano todo."

Lembre-se, esta foi uma noite em que os Wings estavam sem Holmström, o que é algo comparável a Linus sem seu cobertor ou um cockpit sem o co-piloto. É impossível mensurar o quanto Holmström faz falta. Os Wings já se acostumaram a vê-lo quando olham para o gol adversário, incomodando o goleiro, empurando, cutucando, mexendo seu taco, arrumando encrenca.

Mas deste jogo crítico Holmström não pôde participar, por causa de uma contusão na panturrilha que o frustrou enormemente.

"Quando você soube que Holmström não jogaria?", perguntou alguém ao técnico Mike Babcock.

"Quando ele não apareceu para o jogo", respondeu ele, rindo.

O time teria um jeitão diferente. Outros jogadores teriam de dar mais de si. E eles fizeram-no. No primeiro gol dos Wings, Dan Cleary, o orgulho da província de Terra Nova, estava lá no lugar de Holmström, na frente do gol, e criou distração o bastante para permitiu que uma bomba de longe de Lidström passasse voando por Marc-André Fleury.

Foi um gol importante, porque veio menos de cnco minutos depois de o Pittsburgh ter aberto o placar, um raro frango de Chris Osgood que passou ao lado do patim do goleiro. Os Penguins ainda não tinham perdido nos playoffs quando abriram o placar. E esse tipo de gol pode ser desmoralizante. Mas, como disse Osgood depois: "Eu não olho para seqüência, campanhas ou para quem marca primeiro. Nós não pensamos assim. Achamos que conseguiremos virar. E sabíamos que poderíamos vencer."

De Osgood, aos 35 anos, ao mais jovem jogador, estes Wings são bem mais maduros do que suas idades e pêlos faciais sugerem. Eles nunca se perturbaram. E Osgood recuperou-se e conseguiu um shutout até o fim do jogo.

Vocês têm mais alguma coisa?

Mas não fique muito animado, hein?

Vamos descobrir amanhã, no jogo 5, na Joe Louis Arena. Os Wings têm de ser cautelosos para ganhar sua 11.ª Copa Stanley. Não adianta colocar os carros na frente dos bois. A cidade de Detroit já sabe o que é supervalorizar a quebra da invencibilidade adversária em casa (os playoffs da liga de cestobol lembram alguma coisa?)

Mas parece cada vez mais claro que os Wings podem segurar qualquer barra que venham a enfrentar. Suas estrelas (Lidström, Zetterberg) estão jogando muito bem, e suas coadjuvantes (Jiri Hudler marcou o gol da vitória, depois de um passe de Brad Stuart e Darren Helm) estão jogando muito bem.

"Jogamos muito bem ao longo do ano e ao longo dos playoffs", disse Zetterberg. "Agora voltamos para casa, mas temos que jogar do jeito que queremos e cuidar dos detalhes."

Eles já conseguem sentir o cheiro. Está bem perto. Muito perto. O aroma da glória da Copa Stanley está suspenso no ar, soprado pelos ventos do oeste que carregaram as asas do avião que deveria trazer o time para casa nesta manhã.

Mais uma vitória para encerrar. Uma vitória para o trono. Vocês têm mais alguma coisa, Pittsburgh? Porque aquela história de jogo em casa, primeiro gol e cinco-contra-três não parou os Red Wings.

E parece que nada vai parar.

Mitch Albom é colunista do jornal Detroit Free Press. O artigo foi traduzido por Alexandre Giesbrecht.
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Página publicada em 1.º de junho de 2008.