Por: Alexandre Giesbrecht

Mikael Samuelsson fez parte do elenco dos Penguins na ainda recente época de vacas magras. Foi um dos quatro times diferentes em que ele perambulou sem nunca ter sentido o gostinho dos playoffs. Depois do locaute, ele foi parar nos Red Wings, onde não teve grande destaque, mas pôde sentir o que era brigar pela Copa Stanley.

Ontem, ele finalmente soube o que é contribuir tangivelmente para isso.

O jogo contra os Penguins, que abriu as finais de 2008, seguia equilibrado, depois de um primeiro período que começou com domínio dos visitantes e terminou com forte pessão do time da casa. No segundo período, o domínio se estendeu, mas não foi convertido em gol. Até uma tentativa bisonha de aliviar a pressão por parte da zaga dos Pens caiu aos pés de Samuelsson.

Ele partiu em direção ao gol. Não se sabe ao certo se seu propósito era o de marcar ou simplesmente o que se espera da maioria das terceiras linhas: gastar de maneira eficaz o tempo até que uma das duas linhas principais esteja de novo pronta para voltar ao gelo. Mas ele seguiu inabalável naquela direção.

A defesa dos Penguins, talvez mesmerizada ao constatar que Dallas Drake acompanhava o ataque, meio que foi deixando Samuelsson se aproximar. "É só aquele cara que jogou conosco em 2003", devem ter pensado. "Deixem ele vir, preocupem-se com Drake, perigoso mesmo em pensamento." Foi o que fizeram: um defensor cuidou de Drake e outro inexplicavelmente ficou olhando para o deus do hóquei de Detroit.

Enquanto isso, Samuelsson seguia seu caminho. Próximo do gol de Marc-André Fleury, ameaçou um chute, fazendo com que o goleiro dos Penguins fosse ao chão. Ele, que normalmente é rápido nessas jogadas, não conseguiu levantar-se naquele instante. Foi o suficiente para dar tempo a Samuelsson para dar a volta por trás do gol e botar o disco para dentro, antes mesmo de o pé esquerdo de Fleury chegar perto.

Quando todos esperavam um duelo entre as grandes estrelas Pavel Datsyuk e Henrik Zetterberg contra Sidney Crosby e Evgeni Malkin, de repente era o dono de 67 gols em 385 jogos pela NHL que abria o placar. Quer dizer, ele abriu o placar para todo mundo, menos para o pessoal do Yahoo. Para eles, era Jarkko Ruutu, o dos 36 gols em 419 jogos, quem tinha feito 1-0 — para os Penguins. Quem não estivesse acompanhando também a partida pelo rádio ou pela televisão teria sido enganado por alguns minutos.

Não satisfeito que inicialmente um dos maiores conglomerados de Internet do mundo tinha simplesmente ignorado seu gol, Samuelsson resolveu marcar outro. Sabe como é, para não deixar dúvidas. Foi um festival de erros da zaga adversária, mas o sueco não ligou muito.

Começou quando ele desafiou Hal Gill. Perto de Gill, mesmo o 1,83 metro de Samuelsson soa liliputiano. Pouco importou: Gill não conseguiu ficar com o disco, que sobrou para Fleury. Hora de isolar, mas o goleiro fez como se estivesse com uma daquelas vassourinhas com pá na mão. Ou seja, "varreu" com uma mão e "segurou a pá" com a outra. O disco não poderia ir muito longe, claro.

E não foi. Ficou com Malkin. Quer dizer, "ficar" é uma palavra meio exagerada neste caso. Malkin deve ter percebido que Drake não estava tão longe assim (atrás da linha azul, para Drake e suas forças sobrenaturais, pode ser perto). O disco criou perninhas e começou a escapar. Drake ordenou que Samuelsson o recolhesse. Dito e feito. Fazendo sua sombra operar com um delay de seis segundos, Samuelsson marcou o segundo gol do jogo.

Os gols que vieram depois de nada serviram. A superioridade do Detroit já era evidente e, àquela altura, não precisava mais ser explicada com números. Mas os algarismos ajudam a explicá-la sem a necessidade de logaritmos e raízes cúbicas, então basta lembrarmos que, ao longo dos dois últimos períodos, os Penguins deram praticamente a metade de chutes a gol do primeiro. Poucas vezes um finalista da Copa Stanley soou tão patético.

Um time da QMJHL já seria difícil de se vencer com uma produtividade (com desculpas à etimologia da palavra) dessas, imagine o dono do Troféu dos Presidentes. As bizarrices se amontoavam, como foi demonstado mais uma vez no terceiro gol. Falem a verdade: alguém conseguiu entender o que aconteceu ali sem ver o replay? E, mais uma vez, os Wings comprovaram que não precisam necessariamente de Zetterberg e/ou Datsyuk para vencer com facilidade qualquer partida.

Provada essa teoria, eles já estavam liberados para produzir. Faltavam menos de três minutos para acabar o jogo, então não deu tempo para Datsyuk, mas Zetterberg deixou a sua marca para assumir a artilharia dos playoffs, com 22 pontos. Se sem essas duas estrelas é possível vencer, seria também possível vencer sem um jogador sempre considerado comum?

Dependendo de quem for esse jogador, não.

Quantas vezes não se viu o sofrimento que era para a torcida dos Wings encarar temporada após temporada com Chris Osgood no gol? Isso porque ele conquistou uma Copa Stanley com o time, em 1998. Mas essa conquista sempre foi lembrada como "o título conquistado apesar de Osgood". A peregrinação por Islanders e Blues não serviu para aplacar a fúria — ou seria indiferença — da torcida quando ele voltou. Sem atuações memoráveis nos playoffs por essas equipes, era o mesmo jogador de antes. Ao menos, agora seria o reserva.

Até este ano. Depois de dividir o cargo com Dominik Hasek ao longo da temporada regular, Osgood assumiu o posto definitivamente nos playoffs e deixou Hasek no banco, algo inimaginável não muito tempo atrás. E com um resultado muito mais inimaginável. Ele é o goleiro com a melhor média de gols sofridos até aqui e ontem teve uma dessas atuações que fazem o adversário pensar que nunca vai conseguir marcar um gol. A torcida de New Jersey, acostumada com Martin Brodeur, sabe muito bem o que essa sensação pode fazer com os outros times.

Ontem, Osgood nem teve tanto trabalho assim, mas, quando os Penguins ameaçaram, ele estava lá. Fez ao menos três defesas difíceis, incluindo uma em que ele recolheu o disco no ar, quando a linha de gol estava quase vencida. Um errinho de cálculo ali, e teria sido o campeão do Leste a abrir o placar, o que mudaria completamente o panorama do jogo.

Essa fórmula, alternando boas atuações das estrelas e do elenco de apoio, sempre com a garantia de Osgood lá atrás, tem funcionado para os Wings nestes playoffs. Ontem deu para ver que funciona contra os Pens. Se estes continuarem a jogar da maneira como jogaram ontem, corremos o risco de esta série acabar antes mesmo de começar.

Alexandre Giesbrecht, publicitário, acha válidas cenas "forçadas" em filmes de ação como Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, mas acha também que a cena de "Tarzan" extrapolou qualquer limite.
Jim McIsaac/Getty Images
Sem as estrelas Zetterberg e Datsyuk os Wings sobrevivem. Mas sem Osgodd (!) a coisa seria bem diferente.
(24/05/2008)
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Página publicada em 25 de maio de 2008.