Por: Eduardo Costa

Poderíamos analisar o último duelo entre Montreal Canadiens e New York Rangers de três óticas diferentes. Sob a dos Canadiens foi uma partida épica, dessas que não sairão do subconsciente quebécóis tão cedo; para os Rangers, algo que beira o infame. Já quem assistia ao jogo, apenas pelo prazer de acompanhar um clássico entre duas equipes que vinham de bons resultados, acabou tendo entretenimento em doses cavalares, além de presenciar uma virada histórica.

Duelo original
Apesar do time da província de Quebec ter 135 vitórias a mais no confronto direto, o time de Nova York venceu os três embates entre eles nessa atual temporada e buscava varrer o rival. Entre esses três insucessos dos Habs o mais doloroso, sem dúvidas, foi o disputado no Bell Centre no início desse mesmo mês. O tricolor construiu um placar de 3-0, que foi prontamente demolido por uma atuação de gala dos Rangers.

O time da Grande Maçã vinha para esse quarto clássico com moral elevada após significativas vitórias contra Buffalo e San Jose, tendo sofrido apenas dois tentos nessas duas partidas, se consolidando como segunda defesa menos vazada de toda a Conferência Leste. Mas as boas novas foram os oito gols marcados. Para um time que possui um dos ataques menos produtivos da NHL, foi um alento. Pena, para os Rangers, que Jaromir Jagr continuou sem colocar o disco na rede.

Do outro lado um time que desfrutava de três vitórias consecutivas, sendo que as duas últimas contra o forte Philadelphia Flyers — o time da cidade do amor fraterno perdeu todos os quatro confrontos contra os Canadiens nessa temporada. Além de se aproximar do Ottawa Senators, os torcedores tricolores também viram Michael Ryder abandonar seu longo período de hibernação.

Como sempre acontece quando outra equipe original visita Montreal, tivemos a presença de pessoas ilustres, entre elas estava Henri Richard, que mais do que ser o irmão do já extinto "Rocket" Richard, é também o ser humano que mais vezes venceu Copas Stanley (11). Além dele, Kent Nagano também esteve presente no 653.º confronto entre Habs e os camisas azuis. Incrível, Kent Nagano assistindo a um clássico do hóquei! Quase não pude acreditar quando as câmeras da RDS mostraram Kent Nagano caminhando pelo Bell Centre. Agora só falta descobrir quem, nesse tórrido planeta, é Kent Nagano...

Rangers abrem larga vantagem
Não havia equipe dominante até a primeira metade do período inicial, quando uma jogada um tanto displicente de Ryder rendeu um belo ataque aos Rangers. Brandon Dubinsky tabelou com Jagr e, sem ser realmente incomodado pelos três jogadores dos Habs que estavam próximos, acabou vencendo o jovem goleiro Carey Price.

Rápida comemoração. Disco ao gelo. Jagr costura a defesa adversária e tenta algo entre um chute e um passe para Dubinsky. Talvez Price tenha se confundido também e dá um rebote suculento, bem aproveitado por Sean Avery.

Poucos minutos se passam e Chris Drury, melhor jogador do último embate entre essas duas equipes, tem uma boa chance. Alex Kovalev usa de recursos ilegais para detê-lo. Não precisa saber francês para deduzir que o 'bâton élevé' que aparece acompanhando o nome de Kovalev na tela, significa taco alto. Hóquei também é cultura.

A vantagem numérica coloca Brendan Shanahan ao lado de Jaromir Jagr. O time trabalha bem, circulando o disco até o tcheco servir de bandeja para o canadense. Três gols sofridos em 11 chutes é muito para Guy Carbonneau, que resolve poupar o novato Price. Cristobal Huet vai para a meta.

O defensor Komisarek, no gelo durante os três gols sofridos por sua equipe resolveu descontar suas frustrações em Dubinsky no final do período. O mesmo Dubinsky que, após o jogo do último dia 3, jurou que o gigantesco atleta dos Canadiens não mais trataria Jagr com brutalidade e sairia impune. Komisarek e Dubinsky tiraram as luvas e, senhoras e senhores, foi um duelo desigual. Pobre Dubinsky...

Pode ser que Carbonneau tenha citado a virada que sofreu dos Rangers durante o intervalo para mostrar que ainda era possível vencer aquele jogo. Talvez Tom Renney tenha feito o mesmo e lembrado seus pupilos que nada estava ganho. O certo é que os Rangers continuaram capitalizando suas oportunidades.

Pouco mais de cinco minutos dentro do segundo período e o placar passa a mostrar um 5-0 cruel e impiedoso para os visitantes. Os gols de Shanahan, 20.º na temporada, e Drury abriram um déficit ardiloso. Jamais, em sua quase centenária história, os Canadiens reverteram uma desvantagem dessa magnitude.

Até que...
Michael Ryder que, de campanha tão ruim nessa temporada, freqüenta constantes listas de trocas, resolveu repetir a rara boa partida contra os Flyers.  Ele marcou duas vezes ainda no segundo período, fazendo com que o fio de esperança, antes quase invisível, se tornasse mais espesso.

E o que era um fio virou uma ameaça real aos Rangers, que parecia não ter voltado do vestiário após a segunda interrupção — o que é estranho, já que se trata de um time que quase sempre atua bem no período final. Os Habs adiantaram seus atletas e forçaram os erros dos visitantes. Quando recuperavam o disco, arriscavam sem remorsos. Os dividendos chegaram com Kovalev, em um gol totalmente eslavo, e depois com o suíço Mark Streit. Entre esses tentos uma diferença de nove segundos. Desnecessário dizer que a arena Habitant passou a ferver.

Os Rangers conseguiram deter por um momento o ímpeto local, mas sempre que Alex Kovalev e Andrei Kostitsyn tinham a posse do disco, o perigo reaparecia. Se o russo tem o controle de disco acima do normal, o bielorusso é tão rápido e arisco que não aparecia no radar de seus marcadores. Se adicionarmos isso ao espaço que uma vantagem numérica proporciona, vira quase certeza de gol — os Habs possuem a melhor VN da NHL. E foi em uma VN que o empate chegou. De Saku Koivu para Kostitsyn. Desse para Kovalev, que de primeira venceu Lundqvist. Empate. Incrível.

Vitória nos pênaltis
Como nada aconteceu na prorrogação, o jogo acabou decidido através dos pênaltis. E é nesse momento que todos temos que agradecer aos céus — e às iniciativas de Shanahan — por existir a possibilidade de um jogo ser decidido dessa forma na NHL. Empates são aberrações. Onde existe disputa, temos que ter um vencedor.

Após voltar à vida depois do 0-5, estava claro que o merecimento maior era dos Canadiens. E assim aconteceu.

Henrik Lundqvist parou Andrei Markov, mas foi iludido por um belíssimo movimento de Koivu. Não belíssimo nível entardecer às margens do rio São Lourenço, e sim nível cerveja grátis na companhia de Anna Kournikova em um show do Led Zeppelin.

Jagr ainda teve a chance de manter os Rangers vivos na disputa. Suas quatro assistências foram suficientes para chegar a 1.581 pontos e ultrapassar Ray Bourque, se posicionando como o décimo maior pontuador da história da NHL, mas ao não marcar gols nos 65 minutos de jogo, ele completara 12 partidas sem marcar um gol. Um tento na disputa por pênaltis não valeria para acabar com a má seqüência, mas pelo menos amenizaria as críticas que vem recebendo. Mas Jagr falhou pateticamente em sua cobrança.

A alegria de Huet assim que a bisonha tentativa de Jagr se evaporou era a mesma alegria da esmagadora parte dos quase 22 mil torcedores presentes. Eles presenciaram e fizeram história.

Para os Rangers foi o ponto perdido mais sentido de toda a temporada. O time ainda segue na zona de classificação aos playoffs, mas resta saber se o baque dessa virada sofrida frente aos Habs será positivo ou negativo para a equipe.

Quanto aos Habs, eles igualaram a quantidade de pontos do Ottawa Senators, outra tarefa que muitos acreditavam impossível. Por falar nela, a palavra impossível agora merece ser riscada do dicionário tricolor.

Eduardo Costa pretende um dia se tornar o maior artilheiro de hóquei de rua da história de Campina das Missões-RS.
David Boily/AP
Os Rangers começaram bem...
(19/02/2008)
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... mas Michael Ryder ajudou para que o improvável...
(19/02/2008)
David Boily/AP
... fosse sacramentado por Saku Koivu.
(19/02/2008)
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Página publicada em 21 de fevereiro de 2008.