Pode até ser uma heresia o que estou para falar, mas Dallas Drake tem concorrência. Não que o messias tenha algo com que se preocupar — ele está acima de tais picuinhas humanas —, mas Anze Kopitar, o ídolo de todos os eslovenos, está buscando uma vaga no panteão dos heróis de TheSlot.com.br. A última investida nessa direção deu-se no último sábado, quando mais um escrito apócrifo começou a ser redigido. Tais escritos tornar-se-ão o evangelho segundo Santo Anze caso ele de fato consiga descolar uma vaguinha entre os eleitos do hóquei.

1 Faltavam pouco mais de sete minutos para acabar a partida entre Kings e Stars, e o time de Dallas rumava para uma fácil vitória por 4-0, quando Kopitar resolveu praticar o milagre da multiplicação dos gols.

2 Primeiro ele ajudou com os olhos a empurrar o disco chutado por Dustin Brown para dentro do gol. Até aí, nada de anormal, pois os 4-1 no placar ainda significavam uma fácil vitória para os Stars.

3 Não mais que 75 segundos se passaram, e Scott Thornton, iluminado por Kopitar, diminuiu ainda mais a vantagem dos texanos.

4 Mais um minuto e meio, e o gol de Alexander Frolov (comandado mentalmente por Kopitar) colocou pressão no Dallas. “A coisa está ficando feia”, deve ter pensado Mike Mondano. Sim, “Mondano”, de acordo com a ficha técnica publica à página 17C do jornal Fort Worth Star-Telegram, da região metropolitana de Dallas.

5 A coisa estava mesmo ficando preta. E iria ficar mais. Não querendo se limitar ao esforço mental e desejando ver sangue em suas mãos, o próprio Kopitar fez o sacrifício em sua homenagem, empatando o jogo pouco mais de três minutos depois do primeiro gol. Muitos presentes ao local tiveram a impressão de que ele conseguiu fazer o goleiro sumir por alguns décimos de segundo, o que não chega a ser desmentido pelas câmeras.

6 Dever cumprido? Não. O candidato a santo — e, acredite, hoje em Los Angeles já deve haver algumas centenas de altares em sua homenagem — ainda encontrou tempo antes do fim do jogo para abrir os olhos do árbitro de vídeo, que acertadamente validou o gol da virada, enquanto a histérica torcida que lotou o Staples Center cantava “Gol, gol, gol”. O gol foi creditado a Ladislav Nagy, também conhecido justamente em Dallas como “Natimorto”, por sua passagem breve, mas custosa pelo estado da estrela solitária. (Parêntese: por falar em “estrela solitária”, essa derrota dos Stars não lembrou muito a derrota do Botafogo, outro time de estrela solitária, um mês e meio atrás?)

7 Mesmo depois de tanto heroismo, ficou provado que Kopitar ainda não atingiu a perfeição, especialmente em matemática. Tal como especificado no Velho Testamento, ele deveria descansar após o sexto gol, não após o quinto. Tal displicência custou caro aos Kings. “Mondano”, de acordo com o Star-Telegram, empatou a partida mais uma vez, com um gol a 1:05 do que seria o final da batalha.

8 Kopitar aprendeu com o seu erro e decretou que encerraria a batalha exatamente na metade do tempo extra. Como já tinha ficado provado antes, matemática não é o forte do candidato a beato, e foi necessária uma margem de erro de quatro segundos: o gol que encerrou definitivamente o jogo foi marcado aos 2:34 da prorrogação.

9 Para marcá-lo Kopitar chutou de backhand a quatro metros e meio de distância do goleiro Marty Turco, que, até conhecer a ira do esloveno, tinha parado todos os 27 chutes do Los Angeles e depois só pararia um dos sete que foram em sua direção. Como só isso não bastaria, o chute ainda passou por entre as pernas do goleiro, a vítima do sacrifício supracitado.

10 É claro que o milagre operado por Anze está ainda aquém daquele que o mesmo Los Angeles conseguiu 25 anos atrás: só pelo fato de aquele ter sido nos playoffs já configuraria uma façanha digna de se abrir o Mar Vermelho, mas ainda foi contra o todo-poderoso Edmonton Oilers de Wayne Gretzky. Mas o que se viu no último sábado não foi milagrezinho de igreja evangélica de fundo de quintal, não.

11 Para começar, os Stars tinham vencido seus 34 jogos anteriores em que tiveram uma vantagem de ao menos dois gols em algum ponto da partida. Era a segunda maior seqüência atual nesse quesito. Os cinco gols em 5:07 também foram os mais rápidos da história dos Kings.

12 Para coroar o feito, a surpreendente virada ainda teve o poder de ser a gota d’água para uma rara demissão de gerente geral durante a temporada: na terça-feira, os Stars demitiram o GG Doug Armstrong, que foi substituído pela dupla Brett Hull e Les Jackson. Ou seja, Kopitar não se contentaria em causar a demissão do técnico adversário. Isso qualquer um faz. Ele quis mesmo é degolar o GG adversário, feito para poucos.

• Capa
• Editorial
• Prorrogação
• Evangelho segundo São Anze
• Disco Riscado
• Estrela solitária
• Lindros: o que não aconteceu
• O homem show
• O triste fim de Eric Lindros
• Até quando esperar?
• Mike Modano, o melhor dos EUA