Um dia Eric Lindros já foi o futuro melhor jogador da NHL na era pós
Gretzky-Lemieux. Um dia Eric Lindros foi projetado para liderar uma
nova era na NHL. Um dia Eric Lindros demandou ser negociado e protagonizou
uma das maiores e mais badaladas trocas já realizadas na liga. Um dia
Eric Lindros chegou a ser considerado efetivamente o melhor jogador
em atividade na NHL. Um dia Eric Lindros levou um tranco tão violento,
limpo e definitivo de Scott Stevens, que sua carreira chegou ao fim.
Depois do tranco, ele ainda tentou várias prorrogações, mas não era
nem sombra do que projetara ser. A rigor, já na época do famoso tranco
(2000), Lindros já demonstrava que toda aquela onda anterior era nitidamente
exagerada.
A freqüente hospedaria hospitalar, antes e principalmente depois do
tranco, o impedia de manter qualquer regularidade, ainda que, quando
estava no gelo, geralmente produzisse bem. Na semana passada, aos 34
anos de idade, sem mais conseguir quem o queira na NHL e cansado de
tentar estender a prorrogação, finalmente anunciou o fim de sua carreira.
Ele era o protótipo de um jogador completo de hóquei. Grande, forte,
habilidoso, poderia marcar gols com a mesma facilidade com que deferia
pesados trancos. Podia brigar, e certamente metia medo em quem estivesse
na sua frente. Talvez até pudesse ser uma versão anos 90 de Gordie Howe.
Definitivamente Lindros não é jogador para ser indicado ao Salão da
Fama. Foi um grande jogador do Philadelphia Flyers durante meia década,
sem dúvida, e isso é tudo. Não é que o famoso camisa 88 não mereça porque
não venceu uma Copa Stanley ou mesmo porque foi MVP "apenas" uma vez.
É que o legado de Lindros é mais de decepção do que alento. Culpa da
exagerada expectativa? Claro que sim, mas não apenas isso: a atitude
de Lindros (e de seus pais intrometidos), desde antes de entrar na NHL,
alimentou isso.
Vale a pena lembrar, rapidamente: quando foi recrutado em 1991 Lindros
era tido como o próximo grande craque da NHL. Foi escolhido como primeira
escolha geral pelo então Quebec Nordiques, franquia que hoje é o Colorado
Avalanche. Esperneou e não aceitou jogar pelo time da província canadense.
Pediu para ser negociado e os canadenses o mandaram para os Flyers.
Sabe como foi a troca? Por ele, o Quebec recebeu nada menos que
Peter Forsberg, Mike Ricci, Ron Hextall, Steve Duchesne, Chris Simon,
Kerry Huffman, duas escolhas de primeira rodada e ainda US$ 15 milhões.
No fim das contas, Forbserg (a 6ª escolha geral do mesmo recrutamento
de Lindros) revelou-se mais jogador e muito mais útil ao Colorado do
que Lindros ao Philadelphia. Duas Copas Stanley, um Art Ross e um Hart
(ambos em 2003) e um estilo de jogo bem mais completo e estável, apesar
dos sérios e constantes problemas de contusão recentes.
Durante o período áureo de sua carreira, quando atuava pelos Flyers,
Lindros marcou 290 gols e 659 pontos. Dá uma média de 80 pontos por
temporada. Na carreira foram 372 gols e 865 pontos em 760 partidas.
A média de pontos por jogo é ótima.
Eu comecei a acompanhar a NHL quando Eric Lindros estava no auge. De
fato, naquele ano de 1996, eu diria que ele era um dos melhores da liga.
E olha que ainda atuavam Wayne Gretzky (já em final de carreira, mas
ainda brilhante), Mario Lemieux (em curva descendente, mas ainda mais
brilhante) e Jaromir Jagr (no auge). Vi jogadas espetaculares, e outras
que somente um cara que combinasse aquele todo aquele tamanho e força
com habilidade poderia fazer. O período entre 95 e 98 foi o auge de
Lindros.
A carreira em resumo
Já na temporada de estréia, em 1992-93, foram 41 gols e 75 pontos. A
performance melhorou na temporada seguinte e, para a temporada de 1994-95,
o início do auge, Lindros foi escolhido capitão do time. Ainda jovem,
aos 21 anos de idade, ele já era uma força dominante no gelo. Ao lado
de Mikael Renberg e John LeClair, a famosa Legion of Doom (ou
"Esquadrão da Morte", na clássica narração de André José Adler) destruía
defesas adversárias e encantava o mundo do hóquei. No fim da temporada
encurtada pela greve, acabou não levando o troféu Art Ross porque tinha
três gols a menos que Jaromir Jagr (29 contra 32 e ambos terminaram
com 70 pontos), mas foi eleito o MVP da temporada e levou o Hart para
casa.
Em 1995-96 ele marcou 47 gols e 115 pontos, o recorde de sua carreira.
E ainda 163 minutos de penalidades. Mas, naqueles playoffs, o Philadelphia
-- e, a rigor, todos os demais times da Conferência Leste -- foi surpreendido
por um quentíssimo e embaladíssimo Florida Panthers. E, naquela série,
Lindros foi surpreendido por um calouro que simplesmente não o deixava
jogar. Ed Jovanovsky alvejava Lindros toda vez que ele estava no gelo.
Acostumado mais a desferir trancos do que recebê-los, "Big Eric" acabou
ofuscado pelo jovem e promissor defensor.
Na temporada seguinte, chegou finalmente à disputada Copa Stanley, mas
foi varrido na final pelo Detroit Red Wings. Naqueles quatro jogos foi
Rod Brind'Amour o jogador mais importante para o time. Em 1997-98 Lindros
ainda foi uma força dominante, mas dali em diante começava sua curva
descendente.
Em 1999 ele ficou de fora dos playoffs por contusão. E então, nos playoffs
de 2000, ele levou o tranco de Scott Stevens e sua carreira acabou.
Dali em diante, até a temporada passada, o que temos é a prorrogação,
a tentativa de Lindros de se manter na NHL. Seus pais se metiam em sua
vida profissional desde sempre, e ele aceitava. Ele brigou com Bob Clarke,
esperneou novamente e tentou ser negociado para o Toronto Maple Leafs.
Não conseguiu, e acabou negociado para o New York Rangers, onde chegou
a surpreender, atuando por 81 partidas numa temporada (2002-03). Sua
produção, porém, era decadente.
Depois do locaute, finalmente conseguiu ir para os Leafs, mas passou
mais da metade da temporada contundido. Foi jogar em Dallas no ano seguinte
e o cenário foi praticamente idêntico. Acabou a prorrogação. E, na quinta-feira
passada, tudo foi formalizado. Triste fim.
Marc Bryan-Brown/Corbis O início de Eric Lindros na NHL foi ótimo, dentro das altas expectativas criadas, tanto na liga quanto no Philadelphia Flyers. |
Ray Stubblebine/Reuters/Corbis Fimde linha: Lindros vai ao gelo após um espetacular tranco de Scott Stevens em pleno jogo 7 de final de conferência. Era o fim da carreira do camisa 88 dos Flyers. |
J.P. Moczulski/Reuters/Corbis Finalmente os Maple Leafs. Depois de tanto espernear, Lindros acabou negociado para o time canadense, mas somente quando já estava desmistificado. |