5 de junho de 2002
Giesbrecht: O furacão não é uma baleia — mas já foi

Por Alexandre Giesbrecht

Aqui no Brasil a maioria das pessoas não costuma ouvir a narração em inglês das (poucas) transmissões da NHL na ESPN. Se ouvissem, provavelmente estariam acostumados a ouvir os locutores da matriz chamando os Hurricanes de Whalers.

Estariam acostumados e estranhariam, porque nas finais isso não vai acontecer. A torcida do Carolina é meio sensível quanto à aparente falta de respeito para com os Canes, que se mudaram de Hartford, Connecticut, e de nome em 1997. Desde a mudança, os narradores da ESPN têm-se referido aos Canes como "The Whale" ("A Baleia"), graças à história até este ano medíocre do time. Não por coincidência, a sede da emissora fica em Bristol, Connecticut, a menos de 40 quilômetros de Hartford. Pegou?

É como fala um morador de Raleigh, Carolina do Norte, Keith Johnson: "Eu ouvi todas as vezes que eles falaram e, para ser honesto, me irritou profundamente. Quando os Canes se mudaram para cá, eles se tornaram os Hurricanes. Na ESPN, parece que eles não conseguiram segurar o time e ainda estão chateados com isso. Eles precisam superar esse fato".

O próprio prefeito de Raleigh Charles Meeker incomodou-se com o fato a ponto de mandar uma carta para o presidente da ESPN, George Bodenheimer, pouco antes das finais de conferência, contra o Toronto, protestando contra a suposta falta de ética. Na carta, Meeker convidou a ESPN a montar um estúdio na região e Chris Berman, uma das personalidades originais da emissora e torcedor confesso dos Whalers, a visitar Raleigh e vestir uma camisa dos Canes.

A carta teve tom brincalhão. De acordo com Meeker, era para ser engraçada e, ao mesmo tempo, séria. Só que ele ainda não teria recebido uma resposta de Bodenheimer, embora uma representante da emissora tenha confirmado que ele recebeu a carta ("Ele vai responder ao prefeito", disse ela, sem especificar como ou quando). A única resposta da emissora veio de um apresentador, no ar.

Com a palavra, John Saunder, que apresenta a transmissão antes do jogo e durante os intervalos na ESPN: "Muitas pessoas da Carolina do Norte têm protestado bastante e estão chateadas com algumas referências aos Whalers. E acho que isso acabou intensificado pela curta distância entre Bristol e Hartford. Mas os fãs por lá merecem ver o Carolina Hurricanes citado como Carolina Hurricanes". Puxa, de onde ele tirou essa idéia?

Talvez do fato de Meeker ter ouvido reclamações de muitas pessoas. O time está, sim, indo bem, mas está indo bem na Carolina do Norte. Aliás, no ano passado ouviu-se muito pouco sobre o segundo título do Québec Nordiques, desta vez em cima do Kansas City Scouts. Ou melhor, do Colorado Rockies. O Winnipeg Jets também surpreendeu a todos nesta temporada, quando chegou aos playoffs depois de um belo corte de custos. Claro, quem conquistou o segundo título no ano passado foi o Colorado Avalanche, que venceu o New Jersey Devils. E quem fez uma bela e surpreendente campanha foi o Phoenix Coyotes.

Dói, não? Lógico que dói também do lado da cidade que perdeu seu time (como bem sabem Pittsburgh, Philadelphia, Ottawa, Montreal, Nova York, Oakland, Cleveland, Atlanta, Denver, Minneapolis, Quebec, Hartford e Winnipeg, para ficar só na época da NHL), mas quem vive de passado é museu. Pittsburgh, Philadelphia, Ottawa, Nova York, Atlanta, Denver e Minneapolis ganharam novas franquias depois de perder as suas e mostraram que o hóquei é bem-vindo por lá. Isso não significa que o mesmo vá ocorrer com Hartford (ou qualquer outra cidade citada), mas o esporte atual não permite prejuízos, a não ser que o dono do time possa bancá-los.

Este último argumento perde todo o sentido quando falamos justamente dos Whalers (quer dizer, dos Hurricanes): o time tem perdido milhões a cada temporada e vai perder milhões de novo, apesar de ter chegado à final.

É por isso que o caso de Hartford é ainda mais doloroso. É comparável, talvez, à comoção em Cleveland quando a cidade perdeu seu time de futebol americano para Baltimore. A revolta foi tão grande que três anos depois houve uma expansão, com o novo time ganhando o mesmo nome (e a herança histórica) do original, ainda em Baltimore. Eu imagino que Hartford só não vai ganhar outro time porque não apenas a cidade é pequena, como também porque os Whalers não eram tão tradicionais quanto os Browns — ah, se o time tivesse vencido alguma série melhor-de-sete enquanto em Hartford!

Meu conselho para o pessoal de Hartford é o de não se abater. Torçam mesmo pelos Canes, porque eles vão precisar de todo e qualquer apoio, pois a pedreira é enorme e as chances, mínimas.

Alexandre Giesbrecht, publicitário, quase viu seus Penguins sair de Pittsburgh em 1999.
SAUDADES Depois do último jogo em Hartford, o goleiro dos Whalers Jason Muzzatti dá o seu taco para uma torcedora (AP - 04/1997)
 
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Página publicada em 3 de junho de 2002.