“Isso é um jogo sério, não um show de horrores!”
“Como assim, um jogo sério? Do que você está falando, isso é hóquei!”
Não foi o inferno em Boston na quarta-feira feira à noite, mas chegou perto o bastante para que alguém começasse uma coluna com um diálogo do filme “Vale-Tudo”. O duelo entre Bruins e Canadiens foi decidido por um placar de 8 - 6, e não com um strip-tease no gelo, o que provavelmente é bem melhor.
Quando aos acontecimentos, é inegável que foi interessante. Duas brigas generalizadas, 14 gols (sete num espaço de 6 minutos e 19 segundos no segundo período), uma briga entre goleiros (ou quase) e 187 minutos de penalidade, apenas 5 dos quais direcionados ao filho do diretor de disciplina da NHL, quando enfiou o cotovelo no rosto de Tom Pyatt.
Parecia um zoológico, ou um circo, e a multidão queria mais. O narrador de “Vale-Tudo” poderia estar lá, gritando “todos estão de pé, gritos de ‘mate, mate, mate’! Isso é hóquei!”
Pessoas contrárias às brigas no hóquei não argumentam que os torcedores não gostam disso, e por um bom motivo. Ao longo do jogo, quando as luvas acertavam o chão, os punhos acertavam os rostos e, ocasionalmente, o disco acertava a rede, as arquibancadas em Boston vibravam, torciam, urravam. A música tocava, os fãs se levantavam e dava para ouvir, no sistema de som, sinos de boxe. A torcida se inebriava na atmosfera de adrenalina que varre uma arena quando há um ódio visível e palpável. É o tipo de jogo que vão discutir com os amigos por anos.
Claro, o patético ritual de dois pugilistas no gelo é provavelmente o espetáculo mais sem sentido nos esportes ? o meu Colton Orr enfrenta o seu Matt Carkner, e isso em nada influencia o jogo exceto pelo tempo para descansar. Mas esse tipo de briga, o tipo orgânico, como uma reação a algo errado, ainda tem lugar no esporte enquanto animais como Matt Cooke tentarem machucar adversários e a liga se recusar a tomar uma atitude adequada. As brigas nesse jogo começaram após um tranco gratuito após um icing e uma rasteira, respectivamente. Foram brigas necessárias, por mais ridícula que essa frase seja.
Houve exceções, como os durões de Boston Shawn Thorton e Johnny Boychuk agarrando os não-brigadores Roman Hamrlik e Jaroslav Spacek na segunda das grandes brigas, só para não ficarem sozinhos naquela dança (e os defensores de Montreal foram expulsos, por algum motivo). E Carey Price e Tim Thomas se juntaram na segunda briga de goleiros na semana, e aquela valsa de 15 segundos, mesmo que sem socos, esteve em todos os canais de televisão daquela noite. Na televisão também estiveram cenas da bagunça entre Islanders e Penguins, repletas de jogadores importados da AHL somente para esse propósito.
Em Boston e Long Island, os fãs adoraram. Alguns jogadores adoraram. “Quando os caras se defendem e todos estão lá dentro, é legal. “Você se sente bem ao entrar no banco de penalidades”, disse o Bruin Brad Marchand. Isso contraria “Vale-Tudo”, que prega que o jogador deve se sentir envergonhado, mas agora falamos da vida real.
“Se você quer ter sucesso, é assim que deve jogar”, falou Gregory Campbell, provavelmente se referindo ao jogo físico, e não aquela cotovelada.
E, para ser honesto, foi divertido. E isso apesar de minha opinião sobre as brigas, que não considero essenciais nem tampouco entretenimento. Acho que hoje, na era da penalidade ao instigador, uma liga sem brigas e com uma política disciplinar competente poderia fazer sucesso, com espaço para velocidade, habilidade e jogo limpo. Aquilo que for sujo — oi, Cooke — seria abolido.
Já que essa utopia ainda vai demorar, a gente agüenta até lá. Quando disserem que Boston contra Montreal foi o jogo do ano, é porque foi.
Foi uma noite, nada mais. Quando as pessoas se perguntarem “por que a NHL não pode ser sempre assim?”, devem se lembrar de “Vale-Tudo”. Hoje o termo “hóquei à moda antiga” é associado aos irmãos Hanson, quando na verdade era o contrário. Muitos se rendem aos combates do filme, mas hóquei à moda antiga é jogar sério.
A NHL precisa se lembrar disso. Esse circo não se sustenta, por mais popular que seja. Podemos imaginar a liga promovendo esse hóquei de desenho animado, ou apenas não o recriminando, afinal a luta livre profissional nunca fez tanto sucesso, certo? Mas isso não se sustenta numa liga onde Sidney Crosby tem uma concussão e o joelho de Alex Ovechkin vira alvo para outros joelhos ―Cooke, de novo. Se as brigas tiverem que resolver tudo, então todos se machucarão. E prefiro assistir os Canucks a assistir os Bruins, obrigado.
Mas por uma noite, como dizer não? Foi hóquei à moda antiga, no sentido real da expressão. Sobre sua briga, Price disse que “nenhum dos dois queria se machucar, só estávamos fazendo o que tínhamos que fazer, eu acho”. E é verdade, ninguém se machucou. O problema é que nem sempre esse é o caso.
Bruce Arthur escreve para o National Post. O artigo original foi publicado em 11 de fevereiro e traduzido por Guilherme Calciolari.