Existem dois New Jersey Devils nesta temporada. Podemos dizer que há o New Jersey de antes e de depois de 9 de janeiro de 2011. Até aquele domingo, os Devils eram o pior time da liga. Ilya Kovalchuk era seguramente a mais estrondosa decepção dos últimos tempos da NHL. Tinha o pior +/- da temporada dentre todos os jogadores da liga. Martin Brodeur,um dos maiores goleiros da História, passava e protagonizava vergonha.
Perder era comum. No dia anterior, sábado, o time tinha perdido para o Philadelphia Flyers. Era a quarta derrota consecutiva, todas com Johan Hedberg no gol (numa delas Brodeur foi sacado do time, mas Hedberg estava no gelo no gol da vitória adversária). Com Brodeur a coisa não vinha sendo muito diferente, basta lembrar a sequência de seis derrotas seguidas, todas com Brodeur na meta, na segunda metade de dezembro. Enfim, perder era o hábito, com quem quer que fosse no gol.
A história começou a mudar naquele dia 9. O jogo era com o Tampa Bay Lightning, em casa, e Brodeur estaria de volta ao gol. Os Devils perdiam o jogo no terceiro período, quando marcaram nada menos que cinco vezes e venceram a partida por 6-3. Era o recorde de gols do time na temporada.
Daquele domingo de 9 de janeiro até a última quinta-feira (esta matéria está sendo escrita antes da partida contra o San Jose Sharks, na sexta), foram 14 jogos. Foram 11 vitórias, e apenas uma derrota no tempo normal. Em um mês, um aproveitamento estratosférico de 85%. A média de gols sofridos baixou para menos de dois por jogo nesse período.
O motivo desta mudança drástica tem nome e sobrenome: Jacques Lemaire. Ele estava na Florida, curtindo sua aposentadoria, anunciada ainda em 2010, e após comandar aquele mesmo time de Nova Jérsei. Aí, às vésperas do Natal, quando os Devils tomaram um vareio de 5-1 do lamentável New York Islanders, a gerência viu que não tinha mais jeito. Demitiu a então experiência John MacLean e trouxe o mestre Lemaire de volta à NHL. No dia da contratação, o velho técnico profetizou: "Vai levar algum tempo, mas eu sei que eles (os jogadores) reagirão. Eu posso ver isso”. O aproveitamento do time até então estava abaixo dos 30% (e agora já passa de 40%). Lemaire custou ainda uma meia dúzia de jogos para encaixar o time nos trilhos, e assim fez. E assim vem o time até aqui.
Na terça-feira a ESPN brasileira transmitiu o jogo dos Devils contra o Carolina Hurricanes. Os Devils estavam longe de ser um time fraco, como vinha sendo até dezembro passado. Pelo contrário, era visível que já era outro time. Era um time combativo, competitivo. Por mais que o jogo parecesse estar pendendo para o lado dos Canes durante a maior parte, o time de New Jersey não se entregava. O gol de empate, faltando três minutos para o fim, de Nick Palmieri, trouxe um New Jersey fulminante para o jogo. O time teve boas chances de marcar o gol da virada ainda no tempo normal, mas foram todas paradas pelo ótimo Cam Ward. E o herói da virada foi o novato Mattias Tedenby, que marcaria seu segundo gol na partida, já na prorrogação.
Dois dias depois os Devils novamente viraram um jogo para vencer, novamente, na prorrogação, dessa vez contra o Toronto Maple Leafs. O gol da vitória veio do taco de um renovado Kovalchuk, que selou a 600ª vitória na carreira de Lemaire.
Kovalchuk, aliás, que finalmente vem jogando como a grande estrela que se espera. Das quatro vitórias dos Devils em prorrogação nesta temporada, três saíram do taco dele. Graças também ao Ottawa Senators, ele deixou o posto de pior +/- da temporada (os três piores +/- são dos Sens).
E então, ainda há chances? Faltam somente dois meses, praticamente um terço de temporada. A diferença para o oitavo colocado da Conferência Leste já foi de 27 pontos (lá por meados de dezembro passado), e agora (após a vitória sobre o Toronto) caiu para 13 pontos. Os Devils já não ocupam mais nem mesmo a lanterna da conferência. Possível é. Ainda assim, é muito, mas muito difícil mesmo. O passivo acumulado é muito grande, foi muito tempo no fundo da tabela perdendo pontos.
São 13 anos seguidos de classificações para os playoffs em jogo. Ou melhor, eram. Diante da campanha catatonicamente vergonhosa até dezembro, as esperanças de playoffs foram a zero. O que está em jogo agora é uma recuperação talvez nunca antes vista na história da NHL.
Marcelo Constantino subiu o Cerro Toco, no Deserto do Atacama, em novembro passado. .