Longe de mim querer advogar contra as brigas na NHL. Acho que elas fazem parte da cultura e da tradição do hóquei no gelo, embora eu não as vislumbre como parte inerente da liga daqui a um sécelo. Mas o que se viu em Long Island na última sexta-feira foi ridículo. Em vez de falarmos do elástico placar proporcionado por dois times recheados de jogadores da AHL, que lembrou os tempos das chuvas de gol que se via nos anos 1980, estamos falando de um show de violência que lembrou os embates físicos do filme Slap Shot, traduzido de maneira ridículo aqui no Brasil como Vale Tudo. No filme, as brigas eram caricaturas do que ocorria na NHL e na WHA nos anos 1970. Mesmo sem ser tão exageradas na época, provocavam risos pelo crítica a uma das piores facetas do hóquei no gelo daquela época.
Mais de trinta anos depois, as caricaturais brigas soam mais exageradas, pois há muito times como os "Valentões da Rua Broad", como eram conhecidos os Flyers daquela década, já não têm a liberdade que costumavam ter e vários clubes já questionam a viabilidade de ter mesmo um intimidador incapaz de patinar no grupo, especialmente em uma época em que o teto salarial impõe limites que antes não existiam.
A história da partida de sexta-feira começou, na verdade, pouco mais de uma semana antes, em outro encontro entre os rivais de divisão, daquela feita em Pittsburgh. Na ocasião, uma briga generalizada nos segundos finais culminou em um entrevero entre os dois goleiros no gelo, Brent Johnson e Rick DiPietro. Johnson derrubou o sempre frágil DiPietro com apenas um murro de esquerda, subindo ao topo mundial dos tópicos em voga no Twitter e gerando inúmeras piadas, acentuadas no dia seguinte, quando os Islanders anunciaram que DiPietro ficaria fora por algumas semanas devido a "fraturas faciais". A partida terminou com vitória por 3-0 para o time da casa.
O placar foi o que menos importou: em Long Island Johnson virou um homem marcado, assim como Maxime Talbot, que dera um tranco em Blake Comeau, causando uma concussão no jogador dos Islanders. Apesar de o tranco de Talbot ter sido ombro a ombro, portanto perfeitamente legal, no vestiário adversário a opinião era diametralmente oposta. "Olhando de novo, foi um tranco perigoso", avaliou Zenon Konopka. "Não estamos felizes [com o tranco] e nem com o resultado do jogo. Temos de nos lembrar disso."
Não há dúvidas de que eles se lembraram. Uma das providências que o time tomou para a revanche foi convocar da AHL Micheal Haley, intimidador que fez sua estreia em 2010-11 na NHL. Por coincidência. Parece que Ogie Ogilthorpe e Clarence "Screaming Buffalo" Swamptown não estavam disponíveis. Embora o clima antes da partida não fosse nada amistoso, tivemos um bom jogo de hóquei até o começo do segundo tempo. Quer dizer, bom se você for um torcedor dos Islanders, pois o time jogou com garra e abriu fáceis 6-0. Parecia que aquele antigo clichê, "Fui assistir a uma briga, mas começou um jogo de hóquei", teria tudo a ver com aquela noite.
Além de pressionar o tempo todo, o time de azul seguidamente perseguia Johnson e Talbot. Nada que ambos não esperassem. Animosidade, mesmo, apenas na briga entre Trevor Gillies e Eric Godard no primeiro período, quando o jogo já estava 3-0. A situação passou dos limites pouco além dos cinco minutos do segundo período, quando Matt Martin foi atrás de Talbot e agrediu-lhe pelas costas. Com o placar apontando 6-0 para o seu time. A briga generalizada resultante gerou 99 minutos de penalidades no total e três expulsões para cada lado. A impressão era de que os times eram formados por adolescentes de 15 anos, ao invés de jogadores da melhor liga de hóquei no gelo do mundo.
Quando se imaginava que o pior já tinha passado, aos 4:45 do terceiro período Colton Gillies deu uma cotovelada criminosa em Eric Tangradi, ponta dos Penguins que tinha sido chamado da AHL justamente devido à epidemia de contusões que tem assolado o time. Quase imediatamente Tangradi foi ao chão, com uma provável concussão, e Gillies ainda tentou chamá-lo para a briga mesmo assim, inclusive desferindo alguns socos no jogador caído. A coisa desandou ali mesmo. Em segundos praticamente todos os jogadores de linha estavam brigando — de novo. Aliás, todos os jogadores de linha e um dos goleiros, pois Haley, não satisfeito em brigar com Talbot, cruzou o gelo e partiu para cima de Johnson. Eric Godard, o intimidador dos Penguins, viu a cena a partir do banco de reservas e não teve dúvidas: foi ajudar seu goleiro. (Será que ele não percebeu, pela briga da semana anterior, que Johnson parece conseguir se virar sozinho?) Godard nem hesitou, mesmo sabendo que abandonar o banco para participar de uma briga acarreta em dez jogos automáticos de suspensão. "Estou ciente das regras", diria depois. "Mas naquele momento você não pensa sobre as [repercussões]."
Gillies foi praticamente arrastado por um dos árbitros para fora do gelo. Já Tangradi passou nos testes iniciais de concussão, mas depois demonstrava sintomas. Ele deveria ficar fora da partida contra os Rangers no domingo, após o fechamento desta coluna. Mesmo John Tavares, primeira estrela do jogo com um gol e três assistências, não escapou da "ficha criminal", com um dos golpes mais baixos da partida: uma tacada no pé direito do defensor Kris Letang, que poderia facilmente ter quebrado um osso, mas deixou como sequela temporária apenas um grande inchaço e muita dor.
No final da lut… ops, da partida, as penalidades distribuídas somaram 346 minutos, ficando a 73 do recorde da NHL, atingido numa partida entre Ottawa e Philadelphia em 5 de março de 2004. O recorde mundial pertence a um jogo entre Avangard Omsk e Vityaz Chekov, pela KHL, em 9 de janeiro do ano passado: 691 minutos, quase o dobro exato do total de sexta-feira passada.
A NHL, claro, não achou nenhuma graça na demonstração de pugilismo vista em Long Island. Além da suspensão automática de Godard, Gillies recebeu nove partidas de gancho e Martin, quatro. Além disso, os Islanders foram multados em US$ 100 mil pela confusão. "As ações de Gillies e Martin foram tentativas deliberadas de machucar ao atingirem a cabeça de jogadores por trás, quando eles não tinham condições de se defender", avisou Colin Campbell, o responsável pela disciplina na liga. "A mensagem deveria ser clara para todos os jogadores: alvejar a cabeça de um oponente com qualquer meio gerará uma suspensão." Apesar dos acontecimentos recentes, não é uma mensagem que parece ter "pegado".
"Com respeito à suspensão de Godard", prosseguiu Campbell, "não há nenhuma circunstância que permita a um jogador deixar seu banco com a intenção de ajudar um colega de time." Já a multa aos Islanders foi dada com a desculpa de que o time tem de enfrentar a responsabilidade de controlar seus jogadores. O único que escapou de punição foi o técnico Dan Bylsma, dos Penguins, que, por causa das ações de Godard, recebeu uma suspensão automática com possibilidade de revisão por parte da liga. A NHL cancelou a suspensão.
Existe a possibilidade de esta história ter se encerrado por aqui. Mas alguém aí acredita mesmo nisso? Os dois times voltarão a se enfrentar em 8 de abril, no que será o penúltimo jogo da temporada regular para ambos.