Por: Mitch Albom

Voce espera. Sua. Morre um pouquinho para viver muito. E, finalmente, se for para acontecer, se foi o seu destino de verdade, vai acontecer.Você tem de acreditar nisso se jogo hóquei na NHL.

Pareceu que os Red Wings jogaram uma temporada inteira em apenas um jogo entre ontem à noite e a madrugada de hoje, saindo atrás, lutando para empatar, cometendo erros e tropeçando no próprio entusiasmo enquanto o topo da montanha ficava cada vez mais próximo. Eles perdiam por dois gols. Então perdiam só por um. Então estavam empatados.

E então, pouco antes da metade do terceiro período, Brian Rafalski, que foi criado em Dearborn, mandou um chute que iludiu Marc-André Fleury, fazendo 3-2. Os Wings estavam de volta ao topo — e você pensando que eles estavam lá o tempo todo. O público ficou de pé. A Copa Stanley foi tirada da caixa. A multidão ficou mais barulhenta. A Copa estava sendo preparada. A multidão estava ensurdecedora. A Copa estava a caminho. A cidade sonhava com uma parada, pronta para a maior festa do hóquei em seis anos — e então, sem o goleiro, faltando 35 segundos —, Maxime Talbot, do Pittsburgh, mandou para dentro um rebote de Chris Osgood, e a multidão, ainda de pé, transformou-se em 20 mil pessoas que olhavam como se tivessem acabado de testemunhar uma execução.

E, de certa forma, eles testemunharam.

"Sinto que tivemos todas as oportunidades para vencer o jogo", lamentaria o técnico Mike Babcock. Mas ele lamentaria três prorrogações depois. E ele lamentaria depois de a Copa ter sido colocada de volta em sua caixa de viagem e depois de os Wings passarem a ter mais uma viagem a Pittsburgh na agenda.

Não tão rápido. O que era para ser uma comemoração tornou-se uma moratória. Uma prorrogação. Duas prorrogações. E, finalmente, na terceira prorrogação, com jogadores cansados e sem fôlego e com torcedores exaustos e roucos, finalmente, o pior veio a ocorrer. Uma penalidade de quatro minutos para Jiri Hudler por taco alto em Brooks Orpik. Hudler sentou-se no banco de penalidades. Orpik sangrava na boca. Era quase uma da manhã, mas sentia-se a terra tremer, e havia a sensação de que algo sísmico nos playoffs do hóquei tinha acabado de acontecer.

Instantes depois, aconteceu. Petr Sykora — um dos poucos jogadores dos Penguins que já experimentou uma Copa Stanley — chutou do lado adjacente, e o disco passou por Osgood.

Luz vermelha.

Esqueça a coroação. Esqueça a série de cinco jogos. Esqueça a parada que a torcida de Detroit deve ter imaginado. Os Wings estão a caminho de Pittsburgh. E tudo pode acontecer.

Não tão rápido.

Uma época bem louca
"São os playoffs da Copa Stanley", comentou Babcock depois dos 4-3. "Não é para ser fácil. É para ser uma batalha."

É, foi mesmo uma batalha. As prorrogações foram insanas. Houve quiques e descontroles e ricochetes e até um chute que subiu e caiu em cima da rede do Pittsburgh. Ao longo das prorrogações, os Wings estiveram a um fio de cabelo de conquistar o título, tantas foram as grandes chances, tanta foi a pressão.

Mas vamos ser francos. Os Wings cavaram seu próprio buraco. Depois de jogar uma de suas melhores partidas fora de casa em Pittsburgh no sábado, ontem eles jogaram o pior primeiro período que se pode jogar em uma noite como a passada. Suas pernas mexiam-se como toras de árvore, seus passes eram tão precisos como flocos de neve e sua sorte, bem, não existiu. Temos de encarar: quando Niklas Kronwall marca um gol contra seu próprio goleiro, não é muito provável que se vá quebrar a banca do cassino.

"Achei que estávamos realmente nervosos", reconheceu Babcock. "Não criamos uma jogada no primeiro período."

Ele está certo. Os Wings não mostraram vida, mas mostraram nervosismo. A pressão de ganhar uma Copa diante de uma multidão histérica e barulhenta — de longe a mais barulhenta do ano — pareceu imbuí-los daquele medo que acomete artistas prestes a subir ao palco. De repente, eles eram aquelas crianças que esquecem palavras fáceis em um concurso de soletrar. O pessoal de Pittsburgh conseguiu ao menos soletrar N-E-R-V-O-S e marcou dois gols nos 15 primeiros minutos. E, de repente, os pensamentos sobre uma parada nesta semana foram substituídos por pensamentos sobre a agenda para quarta-feira, porque o jogo 6 certamente seria jogado, certo?

Mas é um longo jogo, uma longa série e um longo caminho rumo à Copa Stanley, e ninguém disse que ele era fácil. Você segue jogando. E segue tentando. E, finalmente, lá estava Darren Helm, que, minutos antes, teve uma clara chance sozinho e mandou o disco a meio caminho de Southfield, mas agora recebeu um passe de Kirk Maltby e disparou um chute do círculo direito, que bateu no patim de Rob Scuderi, que mergulhava na frente dele, e passou por entre as pernas de Fleury, acendendo a luz vermelha.

E os Wings tiravam seu zero do placar.

A multidão disse tudo
Uma vez sem esse zero, o medo do palco sumiu, dando lugar ao modo assustador, e o único time que tinha de ter medo era o Pittsburgh — porque o Detroit estava a caminho da guerra. A ação que se seguiu foi insana e furioso, quase coreografada, com jogadores empolgados, passes precisos, inúmeras roubadas de disco, inúmeras disparadas — tudo com uma enlouquecida multidão fazendo, as uivos, a trilha sonora a cada segundo.

Passou perto? Que tal Pavel Datsyuk na frente do gol mandando um chute que bateu no travessão — na parte de baixo do travessão — e que requereu revisão por replays antes de ser negado como gol. Na parte de baixo do travessão?

Passou perto? Que tal Valtteri Filppula, em uma disparada, vendo o disco ser interceptado pelo taco de Orpik, que estava no gelo!

Passou perto? Qualquer jogo de hóquei que vai para a prorrogação passa perto. É necessário um programa de computador para computar todas as chances perdidas por pouco, aqueles instantes que a torcida chega a se levantar e os coros de "óh!" que sempre aparecem na prorrogação. Ambos os times estavam exaustos, e quase não conseguiam nem produzir mais suor. Eles passaram da segunda para a terça-feira, da noite para a madrugada. Um time jogando por um trono, outro para evitar a extinção.

Mas qualquer um que acompanhe o hóquei dos playoffs sabe que, se você vai para a terceira prorrogação, de nada importa o panorama geral do jogo, mas, sim, os pequenos erros, os quiques de sorte.

Quando a penalidade foi apitada para cima de Hudler, quando Sykora — que dissera antes da última prorrogação que marcaria o gol da vitória — chutou e a luz vermelha acendeu, a torcida passou a ver a prorrogação. A prorrogação da série.

"Eu sabia que iria entrar", lamentou Babcock. "Ele é esse tipo de jogador."

Hora de viajar
Como isso pôde acontecer, pergunta você. Simples. Quando você não tem nada, não tem mais nada a perder. Os Penguins não iriam levar a Copa Stanley para casa ontem, não importa o que acontecesse. Eles não tinham pressão sobre si. Não havia multidão para decepcionar. Nada a perder. E, nessas circunstâncias, eles acharam seu melhor jogo. Os Penguins foram ferozes. Eles nunca desistiram. Eles tinham todos os motivos para isso, dada a exaustão, dadas as contusões, dada a multidão uivante.

Ao invés disso, demonstrando uma coragem madura demais para sua idade, eles seguiram lutando. Fleury foi mais que ótimo, encarando 58 chutes e parando tantos que poderiam ter entrado em uma noite menos malfadada. Ele manteve os Pens vivos. Ele é o motivo por que há mais uma data marcada no Iglu.

Pense nisto: os Penguins estavam a 35 segundos de ir para casa para as férias, e agora vão para casa jogar outra partida.

AGora a pressão está nos Wings e, com certeza, em Osgood, que só encarou quatro chutes no terceiro período e sofreu o gol de empate. Ozzie vinha falando de ter calma em seu segundo ato como goleiro de um time campeão. Agora ele vai ter de provar. E Nicklas Lidström, que falou em manter o time fechado e equilibrado antes do jogo de ontem, terá de fazer um trabalho melhor ao transformar essas palavras em realidade. E Babcock vai ter de fazer jus a seu salário hoje e amanhã mais do que em qualquer outro período de dois dias de sua carreira em Detroit.

Mas OK. Eu já disse tudo isso. Eles vão voltar para Pittsburgh, sim. E pode não ser consolo agora, mas eles ainda estão com a série sob controle. Eles estão na frente, 3-2. Eles têm dois jogos pela frente e precisam ganhar um. E um deles será de volta na Joe Louis Arena. Os Wings são bons fora de casa e ganharam o jogo 4 na última vez que estiveram no Iglu. Eles são mais que capazes de ganhar a Copa ali. Como diria Babcock, "eles são adultos".

E se eles ganharem, se ficarem com a coroa em um estádio estranho, vão ter aprendido uma lição valiosa: não se pode pressupor nada. Não se pode contar com a taça de prata antes de ela estar polida. E agradar a sua ansiosa torcida em casa pode muitas vezes ser o pior tipo de pressão a se enfrentar.

Se os Wings aprenderem tudo isso e ganharem a Copa, ela vai ser muito mais preciosa, muito mais doce.

E se não aprenderem?

Não vamos falar disso agora, OK?

 

Mitch Albom é colunista do jornal Detroit Free Press. O artigo foi traduzido por Alexandre Giesbrecht.
Jim McIsaac/Getty Images
A torcida que lotou a Joe Louis Arena para torcer pelos Wings pode ter pressionado o time de maneira desfavorável.
(02/06/2008)
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Página publicada em 3 de junho de 2008.