Embora o encontro entre finlandeses e estadunidenses tenha ganho uma projeção maior devido ao gol que "não foi" e algumas altercações ao final do embate, o jogo entre Suécia e Rússia, também válido pela segunda fase do Mundial foi tão rico em polêmicas, sangue e impropérios quanto.
Uma crônica reduzida poderia destacar o grande duelo entre Henrik Lundqvist e Evgeny Nabokov, ambos candidatos ao Troféu Vezina da atual temporada da NHL. A presença do eventual vencedor do Troféu Hart, Alexander Ovechkin, também não passou inadvertida. Ele brilhou ao marcar o gol da vitória quando restavam apenas seis segundos.
Mas uma análise mais profunda destaca o tranco que o defensor Douglas Murray deu no capitão da seleção russa, Alexei Morozov. Tranco esse que teve respostas no gelo e fora dele.
Ovechkin ganhou as páginas principais dos diários esportivos suecos e russos divido a uma polêmica e irada entrevista, concedida aos repórteres de seu país logo após o jogo. A ira Ovechkiniana (?) teve início logo após o mencionado tranco do defensor do San Jose Sharks no ex-atacante dos Penguins. Murray, que apesar do nome é tão sueco quanto uma cômoda IKEA, acabou tirando o artilheiro do Ak Bars Kazan, e uma das principais armas eslavas da partida — Morozov cospia sangue, assim que chegou ao vestiário.
Como conseqüência de seu ato Murray acabou expulso com tão somente dez minutos de jogo.
Na confusão que se seguiu mais dois atletas fizeram companhia a Murray. Anton Strålman e Ilya Kovalchuk brigaram — se é que podemos chamar aquilo de briga. Como a IIHF abomina o pugilismo no gelo, ambos foram excluídos do prélio.
Logicamente Kovalchuk tem mais poder de decisão dentro de um rinque de hóquei que seu oponente, mas o prejuízo acabou sendo de igual proporção para os suecos. Tanto Strålman, quanto Murray são defensores, o que fez com que, com 50 minutos de partida restando, os escandinavos tivessem que atuar com apenas quatro linhas azuis de origem.
Somando isso ao fato de a defesa já estar desfalcada do experiente Kenny Jonsson( problemas nas costas) e de Niclas Wallin (suspenso), tivemos como resultado uma Suécia totalmente bagunçada em sua retaguarda. O treinador Bengt-Åke Gustafsson teve que deslocar o central Johan Andersson, para a defesa. Apenas uma vez na carreira, e há meia década, Andersson havia atuado naquela posição.
A seleção russa, cheia de estrelas da NHL, teria além dessa vantagem, uma superioridade numérica de cinco minutos para buscar o empate - Matias Weinhandl, um dos destaques da Eliterien sueca nessa temporada, havia colocado sua seleção na frente. Mas, ao invés de tentar vazar Lundqvist, Alexander Ovechkin e Maxim Afinogenov preferiram buscar vingança contra os suecos e foram parar no banco de penalidades. A estrela maior do Washington Capitals ainda cometeria outro infração, logo após sair do castigo.
No primeiro intervalo, o treinador russo Slava Bykov e o experiente defensor Danny Markov alertaram aos camaradas que não seria cometendo penalidades que eles venceriam aquele jogo.
No segundo período, mais concentrado no hóquei do que em confusão, Ovechkin ajudou seu companheiro de Capitals, Alexander Semin, a tirar a invencibilidade de Lundqvist na noite. Quando tudo levaria a crer que os russos deslanchariam, Tony Martensson, provando que a Suécia é prolífera em artilheiros de tráfego, voltava colocar o selecionada das três coroas na frente.
Além de possuir companheiros de NHL ao seu lado também no mundial, Ovechkin travou alguns duelos pelo disco com Nicklas Backstrom. Em um deles o candidato ao Troféu Calder acabou sendo penalizado ao usar o taco contra o amigo de linha na capital americana. A VN não foi capitalizada, mas outro membro do largo contingente dos Caps na competição acabaria empatando a partida. Sergei Fedorov foi o autor do tento.
Como já mencionado, o gol decisivo em Quebec só saiu nos segundos finais. Semin engatou a 5.ª pela direita e serviu Ovie, que teve calma tibetana para marcar, mas fúria talibã para comemorar
O tento da vitória não foi suficiente para saciar El Ocho, que ligou o botão do dane-se e disparou contra suecos, atingindo outra nacionalidade como bônus track (?):
- Sobre a Rússia não estar preparada para o jogo físico dos suecos: "Suecos e tchecos são sempre assim... como pequenos ratos. Vocês sabem do que estou falando. Esperávamos um jogo de bom nível técnico por parte deles, eles possuem bons jogadores. Mas eles começam a nos atingir com seus tacos e agredindo sem motivo".
- Kovalchuk perdendo a cabeça: "Eles foram bem sujos no primeiro período, eles não queriam dar oportunidades para desempenhássemos nosso jogo. Como resultado perdemos o Morozov, e depois Kovalchuk. E acho que Kovy esteve absolutamente certo em sua ação. Ele foi defender nosso capitão. No lugar dele faria o mesmo e iria atrás daquele sueco com meus punhos".
- Perguntado se não teria receio de também ser excluído da partida: "Naquele momento não pensava nisso. Toda minha mente estava voltada para atingir e esmagar alguém nas bordas..."
- Comentando sobre Stralman: "Fiquei surpreso em ver Kovalchuk expulso porque nem deixaram ele tirar as luvas. Ele queria, mas não o deixaram brigar. Não sei porque o expulsaram. Se deixassem ele brigar, sobrariam apenas pedaços daquele sueco..."
- Sobre Murray, que iniciou a contenda: "Penso que eles queriam mesmo aquela 'troca' — sacrificaram esse Murray para que ele tirasse nosso capitão e artilheiro do jogo".
Não foi a primeira vez que Ovechkin falou, sem pudores, o que pensava. Várias vezes provocou Crosby, como quando esse se tornou capitão dos Penguins ou quando, também em uma entrevista para um órgão de imprensa russo, disse que a única chance de Crosby marcar tantos gol quanto ele, seria o jovem canadense comprar algum videogame, selecionar Pittsburgh e "mandar ver"...
E também não é nada novo um jogador daquela parte do mundo dar entrevistas polêmicas a diários locais. Alex Kovalev se envolveu em uma grande confusão ao criticar Guy Carbonneau em entrevista que atravessou o oceano atlântico e caiu como bomba em Montreal na temporada passada. Kovalev depois negou tudo. Tenho minhas dúvidas se Ovie fará o mesmo.
Para pesadelo da alta cúpula da IIHF, sempre entusiasta do "fair play", existe a possibilidade de Rússia e Suécia fazerem a final da competição. Os suecos venceram os tchecos nas quartas-de-final; os russos eliminaram os suíços na mesma estância. Os escandinavos terão pela frente o anfitrião Canadá — o que torna tira-teima entre suecos e russos pouco provável — nas semifinais, enquanto a Rússia espera o vencedor do embate entre Finlândia e Estados Unidos.
Mesmo que não aconteça nesse Mundial 2008, será curioso ver como os suecos, e também os tchecos, vão tratar o gênio de língua afiada, Alexander Ovechkin.
Links úteis (?):
Toda a contenda, incluindo a "briga" de Kovalchuk e Strålman.
Todos os cinco gols do embate.