Por: Thiago Leal

No fim de semana de sábado, 13 de março, e domingo, 14 de março, o Rio Chicago teve suas águas pintadas de verde. Ninguém sabe como isso é feito hoje em dia (originalmente, utilizavam tinta fluorescente que mais tarde foi proibida por ser nociva ao rio), mas certamente usam corantes extraídos da clorofila de vegetais. Bom, a forma não importa. O verdadeiro motivo da coloração verde é a comemoração do Dia de São Patrício (Saint Patrick's Day), padroeiro da Irlanda, cuja festa é celebrada dia 17 de março. A herança irlandesa dos Estados Unidos faz com que seus habitantes adotem o verde, cor nacional da Irlanda, para comemorar a data. Chicago é uma das cidades com maior tradição irlandesa e católica no país.

Mas foi na Filadélfia, uma cidade de tradição protestante, que Chicago pode comemorar o grande milagre de São Patrício para 2010. Ou pelo menos de "Saint" Patrick Kane, herói do título da Copa Stanley para o Chicago Blackhawks, a primeira conquistada na era das expansões, numa final contra o Philadelphia Flyers que deu um sabor de anos 70 à decisão.

O nome e sobrenome de Patrick Timothy Kane, Jr. não negam sua ascendência irlandesa, como a de boa parte dos americanos do Nordeste. Filho de Patrick Kane e Donna Kane, o rapaz, às vezes cabeça quente, é a cara da tradição celta-estadunidense, assim como The Dropkick Murphys e o boxeador Micky Ward. Se você revisitar a história americana e pensar em nomes como o dos presidentes John Kennedy e Ronald Reagan, a atriz Maureen O'Hara e o apresentador de TV Ed Sullivan, verá o quanto os irlandeses têm força no país. Atletas como James Braddock, Tom Brady e Mark McGwire reforçam essa tese. Então desde já Kane se candidatava a entrar num salão da fama informalmente bem frequentado. Principalmente da forma que apareceu.

Kane foi selecionado para a NHL como a primeira escolha geral de 2007 pelo Chicago Blackhawks. Antes disso, tinha jogado uma temporada sensacional pelo London Knights, time júnior da Ontario Hockey League, e duas temporadas pelo US National Development Team, time patrocinado pela USA Hockey que joga a North American Hockey League. Como é de praxe, o escolha número um foi jogado de cara aos leões da NHL, sem ter tempo de se adaptar passando por ligas de baixo. Ele estreou junto com outro garoto, Jonathan Toews, que também não passou por ligas de baixo, mas ainda teve mais um ano nos juvenis desde seu recrutamento, em 2006. Um ano mais velho que Kane, Toews logo se tornou capitão do time. Os dois foram eleitos pilares da reconstrução do Chicago Blackhawks, time que enfrentava pesadas crises na década de 2000.

Mais que um mero calouro talentoso, Kane é visto por muita gente como o principal jogador estadunidense para o futuro do esporte. Ele foi o primeiro atacante nascido no país a ser selecionado como 1ª escolha geral desde Mike Modano em 1988. Uma vez que os Estados Unidos não é um país que dê lá muita bola para o hóquei no gelo, esporte que fica atrás do futebol americano e do beisebol, Kane acaba não sendo tão festejado quanto o canadense Sidney Crosby. Isso tem seu lado negativo, uma vez que acaba não sendo tão reconhecido quanto merece. Mas também traz algum bônus. Alguém imagina o escândalo que aconteceria caso Crosby fosse preso? Kane foi preso em 2009 por esmurrar um taxista que não tinha um dólar e 20 centavos para lhe dar de troco por uma corrida. Mesmo assim o rapaz estava lá, na capa do NHL 10 da EA Sports, com sua marca registrada em destaque — patinar com o protetor bocal para fora. Coincidentemente é uma atitude dividida por outro ídolo da cidade de Chicago, Kirk Hinrich, jogador do Chicago Bulls. Só que mencionar isso pode custar meu emprego em TheSlot.com.br, então vamos deixar pra lá.

O reconhecimento vem, mesmo que com menos ênfase. Antes mesmo de vestir a camisa dos Hawks, Kane arremessou a primeira bola antes em um jogo do grande xodó da cidade, o Chicago Cubs. Também foi a Buffalo, sua cidade natal, arremessar a primeira bola para um jogo do time local, o Buffalo Bisons. Mesmo quando foi a Buffalo como jogador profissional para enfrentar os Sabres, Kane foi saudado pela torcida e condecorado pela cidade. E ainda marcou o gol do Chicago. Talvez o fato tivesse irritado a torcida, mas como os Hawks perderam por 3-1... no final da temporada 2007-08, Kane estava concorrendo com Toews pelo Troféu Memorial Calder de Calouro do Ano, e acabou levando o prêmio. Mais cedo naquela mesma temporada, Toews havia sido nomeado capitão alternativo dos Hawks. Mais tarde Toews ganharia o C de capitão, por ter mais espírito de liderança, controle de jogo e psicológico. Mas Kane tem algo mais.

Assim como Crosby, Kane tem estrela. Talvez isso não sirva para determinar se um jogador será ou não um dos grandes jogadores da sua época, mas serve, pelo menos, para lhe permitir realizar feitos heróicos, o que acaba pesando para um jogador na hora de virar lenda. Crosby salvou o Canadá nos Jogos Olímpicos. Jogando em casa, os canadenses permitiram que os americanos empatassem o jogo nos momentos finais da partida e a levassem para a prorrogação. Os EUA tinham mais gás para a morte súbita, até que Crosby, que não tinha feito muita coisa nos jogos, apareceu para marcar o gol de ouro. O menino pode ter tido suas atuações contestadas pela crítica, mas quem torna um jogador lenda é o público. E certamente a memória do povo canadense vai puxar pelo gol de ouro de Crosby. Agora Kane pode contar uma história semelhante.

O MVP das finais foi Toews. O melhor jogador dos Hawks de facto foi alguém entre Duncan Keith ou Dustin Byfuglien. Mas Kane marcou o gol de ouro que deu ao Chicago Blackhawks o título no jogo 6 da Copa Stanley lá, na Filadélfia. Kane entra para história como o gol-vencedor do título do Chicago Blackhawks. Mas talvez seja injusto creditá-lo apenas por isso.

A rigor, não dá para dizer que Crosby sumiu nos Jogos Olímpicos. The Kid foi um dos jogadores que mais pontuou pela seleção canadense. Lembrar de Crosby apenas por seu gol de ouro é injusto. E o mesmo vale para Kane agora na finalíssima. O rapaz tem marcado seus gols, inclusive nas finais, e contribuindo sempre com suas assistências. Foi o segundo jogador do time que mais pontuou na pós-temporada, atrás apenas do MVP Toews, e apareceu mesmo naquele jogo decisivo, um pouco mais cedo.

Agora saia um pouco do lado crítico ou do lado de fã brasileiro de hóquei no gelo. Coloque-se do lado de alguém que vai para arena. Alguém que está mais perto do calor do jogo e que aguentou de perto as amarguras que o clube causou nos últimos anos. Como você vai culpar uma pessoa nessas condições em canonizar Patrick Kane apenas por seu gol na morte súbida? Às favas com a razão! O Dia de São Patrício foi comemorado um pouco mais tarde, em 9 de junho, quando Kane pôs o disco para dentro e acabou com um jejum de 49 anos. Alguém aí pinte o Rio Chicago de verde.

Thiago Leal bebeu um uísque irlandês em honra a Patrick Kane.

Al Bello/Getty Images
Disco pra dentro e protetor bucal pra fora. Patrick Kane marcou o gol de ouro.
(09/06/2010)

Bruce Bennett/Getty Images
Copa na mão, seja no Wachovia Center, na Filadélfia.
(09/06/2010)

Jim Prisching/Getty Images
Ou nas ruas de Chicago.
(11/06/2010)

Jim Prisching/Getty Images
Ser irlandês é respeitar suas tradições etílicas. Mas champanhe, Kane? Abra um uísque Green Spot!
(11/06/2010)

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Página publicada em 12 de junho de 2010.