Eram jogados 29 segundos do primeiro período quando Ilya Kovalchuk saltou sobre a borda para ganhar o gelo. Nem bem as lâminas de seus patins tocaram a superfície de jogo, e as vaias inundaram a Philips Arena com uma violência só comparada à das águas que castigavam o Rio de Janeiro naquela mesma terça-feira. Os apupos voltariam, implacáveis, a cada vez que o russo pegava o disco. Até mesmo na patinação matinal antes da partida cada vez que ele pegava o disco um grupo de jovens vaiava. Um cartaz que trazia uma brincadeira não muito honrosa com o sobrenome dele teve de ser confiscado pela segurança do estádio quando um torcedor o levantou no terceiro período. O motivo de tanta hostilidade? Era a primeira visita de Kovalchuk a Atlanta depois da troca que o mandou para os Devils.
"Dava para sentir o nervosismo dele", observou o técnico Jacques Lemaire. "Foi por isso que não o coloquei para começar o jogo. Achei que se ele aparecesse para o hino nacional ficaria pensando sobre todo tipo de coisa, e isso não faria bem para ele." Antes mesmo da partida, Kovalchuk admitia que seria estranho ser um dos jogadores em um estádio que foi sua casa desde 2001 até fevereiro passado. "É diferente", admitiu o atacante antes do jogo. "Eu nunca tinha estado no vestiário [dos visitantes] antes." Depois do jogo, a primeira impressão foi confirmada. Ao perguntarem se ele estava nervoso, sua resposta foi: "Um pouco. Não nervoso, mas meio que um sentimento estranho. Eu sempre joguei por esse time e agora joguei contra eles." Nervoso ou não, Kovalchuk não marcou pontos e sequer chutou a gol em 21 minutos no gelo.
É verdade que não foram todos os torcedores dos Thrashers que tentaram tornar essa primeira visita de Kovalchuk uma experiência desagradável. Havia torcedores mostrando seu apoio. Só que estes não eram tão barulhentos quanto os outros. Com um terço do estádio vazio, na transmissão pela televisão foi difícil avaliar qual era a proporção de vaias e aplausos. Para o atacante, metade da torcida o aplaudiu, enquanto a outra metade o vaiou. Já para Bill Tiller, repórter do jornal Atlanta Journal-Constitution, a proporção estava mais próxima de três quartos vaiando e um quarto aplaudindo. Mas a divisão da torcida já era vista antes mesmo de o primeiro torcedor chegar ao estádio. Houve um grande debate sobre a validade de vaiar aquele que ainda é o maior jogador da história dos Thrashers só por causa do final conturbado que sua carreira teve em Atlanta.
A frustração sem dúvida não se deve somente à suposta ingratidão de um ídolo que recusou estender seu contrato por 12 anos a US$ 101 milhões (ou por sete anos a US$ 70 milhões, outra oferta do time), mas também porque o time manteve-se na briga por uma vaga aos playoffs por muito mais do que se imaginaria depois da troca — na verdade, os Thrashers só foram matematicamente eliminados justamente nessa partida contra os Devils, que perderam por 3-0, e a eliminação certamente não serviu para acalmar os ânimos dos que estavam usando a última vogal do alfabeto mais do que qualquer outra. Isso sem falar que a campanha dos dois times após a negociação é quase idêntica, o que, para o New Jersey, significa uma queda de rendimento.
Muitos atribuem também essa animosidade às declarações de Kovalchuk ao ser trocado. Na época, ele referiu-se aos Devils como uma "organização de primeira classe", o que para alguns significaria que os Thrashers são algo abaixo disso. Não necessariamente uma inverdade, claro. E nesta última semana ele não fez questão de ser político na hora de comentar as palavras de dois meses atrás. "Quer saber?", filosofou, em conversa com Chris Vivlamore, também do Journal-Constitution. "Para ser uma organização de primeira classe, primeiro você tem de ganhar de maneira consistente."
Tenho lido cada vez menos rumores de que ele ainda poderia assinar com os Thrashers ao final de seu contrato, em 1.º de julho, e isso deve ter muito a ver com a maneira como ele parece estar tratando sua carreira pós-Atlanta. Na mesma conversa com Vivlamore, ele criticou a comissão técnica do Atlanta por não estar escalando Slava Kozlov e também comemorou a ida aos playoffs, algo que aconteceu apenas uma vez durante seus muitos anos com a camisa azul. E também falou de como deseja que o futuro dos Thrashers seja brilhante, dando a impressão de que não se vê nesse futuro: "Eu quero que eles se deem muito bem, porque ainda tenho muitos amigos no time, e falei isso para eles. (...) Mas espero que neste verão [setentrional] a diretoria faça alguma coisa para mudar a situação. Eles têm várias grandes promessas."
Ainda assim, sua produtividade em New Jersey está aquém do esperado: 0,92 ponto por jogo (nove gols e 14 assistências em 25 jogos), contra 1,18 nos 49 primeiros jogos desta temporada, quando ainda defendia os Thrashers. Esses números refletem o estilo mais defensivo dos Devils e, se não chegam a preocupar, ao menos indicam que a estada de Kovalchuk no pântano pode não ser tão longa caso Newark não tenha uma parada com a Copa Stanley em junho.