Uma das muitas maravilhas de um leitor de RSS como o Google Reader é poder acompanhar todas as postagens de blogs interessantes, ainda que a produtividade de seus autores seja comparável à produção de novas células em um ser humano saudável. Esse é o caso do Puck Daddy, o blog "oficial" do Yahoo! Sports. Greg Wyshynski, o principal autor do blog, é tão prolífico ao escrever que seus textos, além de frequentes, são longos e de qualidade.
Mas não estou aqui para puxar o saco do Puck Daddy — o que, além de tudo, não teria efeito prático algum em português e num site de que provavelmente eles nunca ouviram falar. É que nos últimos dias eles têm feito uma série de "retrospectivas" da década, ainda que saibam que ela só termina ao fim do ano que vem. Um desses textos foi com as dez maiores zebras do hóquei.
Não há nenhuma listada que seja meio imprevisível ou mesmo polêmica. Ainda assim, fiquei pensando na lista por algum tempo. Afinal, das sete zebras da NHL, quatro foram para cima dos Red Wings. E, por mais contraditório que isso pareça, demonstra quanto sucesso o time de Detroit teve na última década.
Em primeiro lugar, para sofrer uma zebra um time precisa ser o favorito, e não consigo me lembrar de uma única série desde que comecei a acompanhar o hóquei da NHL, dezessete anos atrás, que envolvesse os Wings e eles não fossem os favoritos. E, em segundo lugar, as zebras estão bem espalhadas pela década: 2001, 2003, 2004 e 2006.
Descontando-se as zebras e a temporada que não houve devido ao locaute, sobram os dois títulos do clube (feito igualado no mesmo período apenas pelos Devils) e três eliminações em confrontos contra times que, se não eram exatamente fracos, também não chegaram a roubar o favoritismo dos Wings — o Avalanche, em 2000, os Ducks, em 2007, e os Penguins, em 2009, esta última nas finais da Copa Stanley.
Talvez nunca mais venhamos a presenciar dinastias como as dos Canadiens ou a dos Islanders, por causa do excesso de times e, principalmente, do teto salarial, mas as zebras sofridas pelos Wings no começo da década me fizeram imaginar que ali deixou de nascer uma dinastia que poderia ter sido comparada a qualquer das que a antecederam.
A natureza dos playoffs da NHL permite que um time embale e chegue quase invencível às finais. Se for um time bom, por mais percalços que ele encontre pela frente, ele tende a chegar mais forte, e justamente por causa desses obstáculos que teve de superar. Um dos grandes exemplos disso são os próprios Wings de 2002, que quase caíram logo de cara frente aos Canucks, no que seria uma zebra para entrar na lista do Puck Daddy, mas recuperaram-se das duas derrotas iniciais e varreram o resto da série. Depois chegaram às finais de conferência para um confronto contra os então arquirrivais Avs e saíram dele fortalecidos por uma série disputada, mas que terminou com uma goleada que a torcida brasileira dos Wings em especial não parece esquecer. Nas finais, uma derrota inicial que poderia abalar a autoconfiança do time foi ignorada, e a Copa passeou pela Joe Louis Arena mais uma vez.
O problema é que nem sempre um time consegue superar as dificuldades que encontra. Às vezes, a primeira ou as primeiras podem abalá-lo a ponto de uma recuperação tornar-se inviável. Os Wings de 2003 servem como perfeito exemplo disso, pois, diante de um Jean-Sébastien Giguère quase imbatível, sucumbiram sem conseguir sequer uma vitória contra os então Mighty Ducks — o que, por outro lado, fortaleceu o time de Anaheim, que seguiu em desabalada carreira pela Conferência Oeste até trombar com os Devils nas finais, sucumbindo num jogo 7.
Talvez muita gente, ao olhar o simples resultado das séries, pense em um eventual salto alto como a explicação mais razoável. Em 2001, quando os Wings foram eliminados pelos Kings, sim. Mas as outras zebras pouco tiveram a ver com isso. Em 2003, como já citei, Giguère foi maior que qualquer salto. Ainda que ele só tenha sido um monstro nas fases seguintes por causa da autoconfiança que ele supostamente teria conseguido depois da eliminação dos Wings, ele conseguiu naquela primeira série alcançar atuações impecáveis para parar um ataque que havia sido o mais positivo na temporada regular.
No ano seguinte o algoz foi o Calgary Flames, desta vez na segunda fase. Os Wings tinham passado por um solavanco na fase inicial ao perder os jogos 3 e 4 em Nashville depois de vencer os dois primeiros em casa, mas mantiveram a calma e fecharam a série em seis jogos sem maiores sobressaltos. Contra os Flames, a série começou surpreendentemente equilibrada, mas nos jogo 5 e 6 o goleiro dos Flames, Miikka Kiprusoff, assumiu o controle e marcou dois shutouts, mandando o Detroit para casa mais cedo.
Em 2006 não havia maluco que apostasse nos Oilers contra os Wings. Os canadenses chegaram aos playoffs aos transcos e barrancos e pareciam não ser mais do que sparrings do vencedor do Troféu dos Presidentes. Assim como havia acontecido com os Flames dois anos antes, a série começou muito mais equilibrada do que se imaginava. Não duvido que as memórias dos playoffs anteriores tenham mexido com os nervos do time. Algumas adversidades foram superadas ao longo da série, mas não todas, e a eliminação veio em seis partidas.
Todas essas eliminações, traumáticas por um motivo ou por outro, ao menos devem ter servido para o time aprender a lição em 2008. Era visível como toda dificuldade enfrentada era vista como desafio, não como algo intransponível. Em 2009, a mesma coisa, mesmo com a derrota nos dois últimos jogos, que foram vendidas por um preço altíssimo.
Como a base dos Wings costuma ser mantida, essa "cultura corporativa" tende a se manter, o que foi um problema quando as zebras se acumularam, mas agora tende a ser uma grande vantagem em abril, maio e junho, quando os jogos valem muito e os percalços abundam. Não dá para descartar que ainda haja zebras por aparecer no caminho dos Wings ou de qualquer outro time da NHL, mas é inegável que eles agora estão muito mais preparados do que meia década atrás. E talvez muito mais preparados que os outros 29 times.