Patrick Marleau é daqueles jogadores de franquia. Recrutado pelo San
Jose Sharks em 1997, logo na segunda escolha geral — curiosamente logo
depois de seu hoje companheiro Joe Thornton —, ele foi projetado para
ser uma das estrelas do time e correspondeu. Cresceu junto com a equipe
e tornou-se um dos principais centrais da NHL desde que os Sharks tornaram-se
um dos principais times da liga.
Mais que isso: Marleau é o líder histórico da franquia em gols, assistências e pontos. Ou seja, ele é o melhor da história do San Jose Sharks.
Em 2004 ele tornou-se capitão do time. Em 2006 o San Jose fechou negócio para a chegada de Thornton, e a temporada seguinte — a de 2006-07 — foi um espetáculo. Tudo indicava que a hora dos Sharks estava chegando. Ao menos naqueles playoffs eles eram um dos favoritos.
E foi nos playoffs que veio a grande decepção. Depois de uma boa fase inicial contra o Nashville Predators, Marleau sumiu na semifinal da Conferência Oeste contra o Detroit Red Wings.
O lance catalisador daquela série foi o gol de Robert Lang no segundos finais do jogo 3, em San Jose. O gol empatava uma partida em que o Detroit perdia por 2-1, numa série em que o San Jose vencia por 2-1. O gol de Lang começou numa disputa de disco nas bordas, na qual Marleau perdeu o disco. O Detroit empatou o jogo, venceu na prorrogação, empatou a série e venceu os dois jogos seguintes, fechando a série.
Ali começaram algumas críticas quanto à liderança de Marleau sobre a equipe. Mais que isso: ali começaram a surgir questionamentos sobre a performance de Marleau nos playoffs. Descontado todo o exagero típico da decepção diante de uma eliminação precoce, tudo indica que a pressão foi grande sobre o central.
Tanto que a produção dele despencou na temporada seguinte: se antes ele vinha no patamar dos mais de 30 gols e cerca de 80 pontos, em 2007-08 isso caiu para 19 gols e 48 pontos. Apesar disso, a temporada normal foi ainda melhor para os Sharks, terminando em segundo lugar geral.
Nos playoffs, começava a ser formar a impressão de que o San Jose amarela quando a hora chega. Após uma guerra contra o Calgary Flames na primeira fase — em que Marleau até esteve bem, embora Jeremy Roenick tenha sido o fator decisivo no mais que decisivo jogo 7 —, a chave para vencer os Sharks começava a aparecer para todos: distribuir trancos, intimidar fisicamente os jogadores mais produtivos (leia-se sobretudo Thornton e Marleau).
O Dallas Stars deitou e rolou em cima disso (e de um trabalho coletivo muito superior ao do San Jose) e venceu a série seguinte com facilidade. Novamente Marleau não esteve mal. Mas certamente não esteve tão bem quanto se espera de uma das estrelas do time — ainda mais se o time for eliminado (fracassos sempre buscam culpados, como veremos mais adiante).
Naquele ano começaram a se espalhar fortes boatos (nas verdade os burburinhos já vinham de antes) de que o San Jose estava disposto a negociar seu capitão. Pode ser coisa de imprensa, nunca se soube concretamente de uma negociação envolvendo o nome de Marleau.
Veio a temporada passada, com direito a troféu dos Presidentes para o San Jose, inclusive com Marleau retornando ao alto patamar de produção de 2006-07, e o time era novamente um dos favoritos à Copa. Mas já carregava um forte ranço de amarelar nos playoffs. Não deu outra: o San Jose foi eliminado de cara pelo rival Anaheim Ducks, oitavo colocado na conferência, logo na primeira fase. Marleau marcou os gols da vitória nas duas vezes em que os Sharks venceram na série. Novamente ele não esteve mal (embora tenha jogado lesionado), mas certamente não tão bem quanto se esperava. Em outras palavras, ele esteve no bolo. O time não perdeu nem apesar nem por causa dele, perdeu com ele.
Para esta temporada, o técnico Todd McLellan decidiu retirar o C da camisa de Marleau. Depois de cinco anos capitaneando a equipe, o camisa 12 do San Jose agora voltaria a ser mais um. Se isso gerou algum ressentimento ou se isso livrou o jogador de um peso que o atrapalhava é o que veremos daqui a alguns meses. Até aqui, Marleau e o San Jose Sharks vêm jogando bem, como tradicionalmente jogam.
Marleau é o culpado?
É tradicional que, diante de um fracasso inesperado, inicie-se uma busca por culpados. E é mais fácil jogar toda essa culpa em cima de um do que em cima de um grupo (de jogadores, de gestores, de fatores etc.). Trata-se de um expediente tipicamente emocional, carente de muita racionalidade. Faz a festa de muita gente, é verdade – textos e atitudes carregados de emoção, por exemplo, são muito mais convidativos do que textos mais racionais. Por isso o futebol brasileiro está acostumado a ver troca-troca de técnicos com facilidade.
Pegue o Detroit Red Wings, a franquia mais vencedora dos últimos anos da NHL. A gerência começou a construir um time forte, para vencer a Copa, no começo da década de 90. O time resistiu a fracassos consecutivos em 1993, 1994, 1995 e 1996 até vencer sua primeira Copa de uma série de quatro. Em cada um desses fracassos foram apontados culpados. Dois deles, acreditem, chamam pelo nome de Sergei Fedorov e Steve Yzerman. Dizia-se que Fedorov era bom de temporada, mas que amarelava nos playoffs. E dizia-se que Yzerman era bonzinho (e também introspectivo, calado etc.) demais pra ser capitão de um time campeão.
Desnecessário falar da carreira de sucesso de ambos os jogadores, mas é bom traçar o paralelo com as críticas que Marleau enfrenta: também dizem que ele amarela em playoffs e também dizem que ele não é o líder que se espera de um time que quer ser campeão. Possivelmente eu mesmo já disse que ele amarela nos playoffs (mas seguramente nada disse quanto à liderança). Esse artigo pode servir como um mea culpa.
Tudo isso pode ser calado pelo próprio Marleau e pelos Sharks no exato
momento em que eles vencerem uma Copa Stanley.
Marcelo Constantino lamenta não ter assistido a “Titãs – A vida parece uma festa” nos cinemas. Felizmente está disponível em DVD.