Por: Thiago Leal

Wayne Douglas Gretzky não foi escolha geral de número 1. Na verdade, nem escolha de recrutamento ele foi. Gretzky assinou um contrato com o Indianapolis Racers da WHA no meio da temporada 1978-79 da finada liga. Alguns jogos depois, foi para o Edmonton Oilers, devido à falência da equipe de Indiana. Mas o talento gigantesco daquele menino de 18 anos de idade fez com que, dentro de algum tempo, ele viesse ser chamado de The Great One, "O Grande", numa tradução precisa ao português, embora eu, simplesmente para fazer algazarra, prefira chamar "O Grande Um". Antes de Gretzky o hóquei no gelo teve outros fenômenos. Bobby Orr é para muitos o primeiro grande nome do hóquei no gelo a ganhar status de megaestrela. Mas bem antes do grande Bobby, o esporte viu o surgimento de lendas como Bobby Hull, Gordon Howe ou Maurice Richard. Mas foi com Gretzky que a figura do grande ídolo começou a ser explorada comercialmente. Por isso a tal da escolha de número 1 passou a ter tanto valor. Esse passou a ser o recurso utilizado para se procurar um novo Gretzky, e os aspirantes a este cargo nada fácil passaram a ser chamados de The Next One, "O Próximo" — onde eu, mais uma vez em nome do bom humor, prefiro a tradução "O Próximo Um". Espero que essa prática não seja vetada pela revista.

O primeiro a ser, na prática, um jogador alçado à condição de sucessor de Gretzky foi Mario Lemieux em 1984. Apesar de tudo, nunca se utilizou a nomenclatura The Next One para se referir a Lemieux. Ele, na verdade, ganhou seu próprio apelido, The Magnificent One, ou "O Magnífico". Não, não vou traduzir como "O Magnífico Um". Seria apelativo e sem-graça.

Se Lemieux nunca foi chamado de The Next One, Eric Lindros teve o privilégio de inaugurar o termo. Fracassou, como todos sabemos. Alexandre Daigle teve seus 15 minutos de The Next One e também fracassou. Isso abre precedente para concluirmos que o peso do Próximo Um é demais, até mesmo para os fortes ombros de um cara do tamanho de Lindros suportar. Uma pressão que pode afetar o futuro promissor de um grande jogador. Mas que fique bem claro, isso não serve como justificativa para todo fracasso de Lindros e Daigle.

A incessante busca pelo Próximo Um não acabou aí. Por mais incrível que pareça, ecos de The Next One puderam ser ouvidos por Vincent Lecavalier, mas aparentemente não afetaram sua carreira, até porque isso nunca pegou muito, uma vez que sempre esteve bem na cara que, por mais talento (e nariz grande) que Lecavalier tenha, seu estilo e sua habilidade não permitiam comparações a Gretzky ou Lemieux.

Vieram então Alexander Ovechkin, cuja habilidade trouxe consigo o rótulo. Não pegou muito, devido ao fato do rapaz de dentes separados ser russo e não canadense. Mas Sidney Crosby, por outro lado, encaixou-se perfeitamente no perfil. Escolha de número 1 mais badalada desde Daigle, Crosby personifica o que se espera de um Próximo Um: canadense, jovem, boa gente, talentoso e exemplo para toda uma juventude. Podemos dizer que foi o primeiro Next One a ter sucesso. Capitão dos Penguins, como Lemieux foi um dia, Crosby vem liderando as temporadas em pontos e, em termos de moral, foi o timoneiro do Pittsburgh na conquista da Copa Stanley — embora, na prática, Malkin tenha tido um pouco mais de importância.

Por mais absurdo que pareça, tentou-se armar algum barulho de The Next One em cima de Steven Stamkos. Mais uma vez, não pegou. Não faria sentido.

Mas depois de Erik Johnson, Patrick Kane e, novamente, Stamkos, temos uma figura tão badalada quanto Crosby. Alguém que em seus anos de juvenil fez valer a alcunha de The Next One e, como primeira escolha geral, terá a agridoce responsabilidade de justificá-la: John Tavares. O luso-canadense disputou quatro temporadas na Ontario Hockey League. Em duas delas, aproximou-se da média de dois pontos por jogo. Nas outras duas atingiu essa média. Jogou com as equipes do Oshawa Generals e London Knights. Seu estilo de jogo vem sendo comparado aos de, apenas, Mike Bossy, Gordon Howe e, claro, Wayne Gretzky. Em sua segunda temporada regular na OHL, marcou 72 gols, superando a marca maior de Gretzky, que havia sido de 70 gols. No final de sua carreira juvenil, quebrou o recorde de gols em todos os tempos na OHL, com 215, ultrapassando os 213 que Peter Lee estabeleceu em 1976.

O melhor de tudo é que, a exemplo de Crosby e contrariando Lindros e Daigle, Tavares é um sujeito comedido. Com todo esse estardalhaço sobre sua pessoa, o rapaz prefere ficar calado, o que é um ótimo caminho, pois já evita de conquistar ainda mais antipatia — "mais" porque, sendo considerado uma futura grande estrela, o rapaz automaticamente atrai uma forte carga de inveja. Vide o que acontece com Crosby, tão odiado por muitos, mesmo sendo um bom jogador e um garoto humilde, com personalidade benéfica ao hóquei no gelo. E é bom que mantenha esse padrão, pois ele, Tavares, terá uma responsabilidade tão grande quanto a de Crosby: liderar a reconstrução de uma franquia vencedora em seu passado, mas com um presente fracassado. Meu maior temor é que Charles Wang e Garth Snow não tenham capacidade de gerenciar o talento de Tavares e permitam que ele desperdice seu potencial. É esperar que Radek Martinek, Mark Streit, Trent Hunter ou Doug Weight possam auxiliar o jovem central dentro do rinque. Histórico juvenil de craque Tavares já tem. Número de craque (#91), também. Vamos ver o quanto de seu potencial pode ser aproveitado na NHL.

Uma coincidência interessante: assim como Lemieux chegou à NHL quatro anos depois de Gretzky, exatamente uma temporada depois que ele se sagrou campeão pela primeira vez, Tavares chega à NHL quatro anos depois de Crosby, exatamente uma temporada depois d'ele conquistar sua primeira Copa Stanley.

Que Tavares possa curtir seu momento de Próximo Um. E que ele possa durar bem mais que 15 minutos. Assim, o tempo trará um próximo Próximo Um nos próximos... opa! Espera... JÁ EXISTE!

Isso mesmo! A mídia sedenta por fenômenos não para, e já elegeu um novo Próximo Um: trata-se de Taylor Hall, um jovem de Calgary que atualmente atua pelo Windsor Spitfires. Medalha de ouro no Mundial Sub18 com a Seleção Canadense, Hall já é favorito à escolha de número 1 do recrutamento 2010. Thrashers, Panthers, Lightning, Coyotes, Avalanche... olho aberto nesse menino aí! Ele pode ser de um de vocês! Planejem o tanking!

Hall cita como ídolo sabe quem? John Tavares, um "modelo tanto dentro quanto fora dos rinques", nas palavras do mesmo.

Mas por hora deixemos Hall respirar e paremos com esse absurdo de considerar um cara que ainda nem existe o próximo Wayne Gretzky. John Tavares já está incumbido dessa função, enquanto Crosby, campeão, retira aos poucos esse peso das costas.

Thiago Leal está feliz pelo retorno de sua grande paixão: TheSlot.com.br!
Número 240
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Mario Lemieux: as comparações não impediram que construísse uma carreira independente vencedora.

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Alexandre Daigle e Eric Lindros, por outro lado, fracassaram na missão.

AP
Sidney Crosby driblou as adversidades do Próximo Um e levou os Penguins à Copa Stanley.
(12/06/2009)

Jim McIsaac/Getty Images
John Tavares, com o mesmo número de Daigle às costas: responsabilidade de ser o novo Próximo Um.

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Página publicada em 30 de setembro de 2009.