Por: Humberto Fernandes

Depois de uma goleada dessas, parece até que a Copa Stanley acabou, que o Detroit Red Wings vai voar no jogo 6 e que o Pittsburgh Penguins, completamente em baixa, não vai ter forças para reagir. Nada disso.

As finais ensinaram que o momentum criado em um jogo não é necessariamente carregado para o duelo seguinte. Os Penguins perderam dois jogos em Detroit e foram absolutos no jogo 3. Os Red Wings saíram derrotados de Pittsburgh e dominaram o jogo 5.

Então não é porque o jogo 5 foi facilmente vencido pelos Wings, exceção feita aos sete minutos iniciais, que eles vão entrar matando na terça-feira à noite. Os Penguins perderam por cinco gols, mas o estrago seria o mesmo se perdessem por apenas um gol: eles têm que vencer o jogo 6.

E eles podem fazer isso.

O retorno de Pavel Datsyuk elevou o nível de jogo do Detroit. Tanto pelo que ele fez no gelo (um tranco em Evgeni Malkin, a assistência para o gol de Dan Cleary), quanto pelos fatores psicológicos. Sua presença serviu de inspiração e recuperou o otimismo dos companheiros de equipe. Afinal, se foram capazes de ganhar dois jogos sem ele, seria ainda mais fácil vencer com ele. E realmente foi.

Os Wings foram intensos durante toda a noite, sem sofrer com os frequentes apagões que custam jogos ao time.


Compostura
Fosse um jogo entre times brasileiros de futebol e os visitantes começassem a perder a linha, cometendo faltas com excesso de violência, a torcida local gritaria "timinho, timinho". Nos Estados Unidos não é assim, mas bem que o adjetivo cairia bem aos Penguins pelo que fizeram no jogo 5.

No segundo período, logo após sofrer o terceiro gol, os Penguins desistiram do jogo — com mais de 30 minutos ainda por jogar — e passaram a exibir a sua frustração e total falta de classe. Primeiro Malkin acertou uma cotovelada na cabeça de Johan Franzen e o 3-0 virou 4-0. Depois Chris Kunitz desferiu alguns empurrões e socos em Darren Helm e deu origem ao quinto gol.

Existe uma enorme diferença entre agressividade e violência, entre jogar duro e ser covarde. Os Penguins foram covardes. Antes do fim do período, Sidney Crosby confirmou sua inferioridade diante de Henrik Zetterberg ao acertá-lo com uma tacada no tornozelo direito, fora do lance. Ninguém de vermelho reagiu. Ninguém perseguiu Crosby para fazê-lo pagar pela agressão. Em nenhum momento do confronto, em qualquer dos cinco jogos, algum jogador dos Red Wings deliberadamente agrediu o capitão dos Penguins — e bastaria arrancar a sua cabeça ou a de Malkin para vencer o confronto em quatro jogos.

Vinte segundos depois, Max Talbot acertou o pé esquerdo de Pavel Datsyuk, procurando atingi-lo em seu "ponto fraco". Datsyuk não jogava desde o dia 19 de maio em razão de uma suposta contusão no pé. Mais tarde, quando perguntado, Talbot respondeu que procurava o disco, apenas o disco, e que o pé do adversário entrou no caminho. As imagens mostram que não foi bem assim. Alguém precisa dar aulas de ética para esse pobre coitado.

Faltando menos de cinco minutos para o fim do jogo, Pascal Dupuis acertou a cabeça de Niklas Kronwall com o cotovelo. É o tipo de contato físico que a Associação dos Jogadores se esforça para coibir, pelos óbvios danos que pode causar. Antes do fim, mais dois jogadores dos Penguins foram punidos por má conduta, entre eles Talbot. Malkin recebeu mais uma penalidade de dois minutos — impressionante o comportamento do russo, inversamente proporcional ao seu talento.

Classe e compostura são algumas das diferenças que separam homens e meninos, Red Wings e Penguins. Nas duas derrotas em Pittsburgh, mesmo quando eram engolidos pelos donos da casa, os Red Wings não apelaram, não tentaram enviar mensagem alguma para o jogo seguinte, não baixaram o nível. Eles apenas jogam hóquei o tempo todo, muitas vezes bem, outras vezes mal, mas sempre com classe.


Capitão Crosby

É preciso muito mais do que talento, gols e assistências para ser um líder.

Crosby tem momentos de liderança, como qualquer outro jogador. Mas se ele fosse mesmo um grande líder, um verdadeiro capitão, não ficaria no banco de reservas durante os últimos seis minutos do jogo 5. Podem dizer que ele estava se poupando para a partida seguinte — a ser realizada três dias depois —, porém cabia a ele patinar até o fim do jogo, mostrando aos seus seguidores como terminar uma partida com o mínimo de orgulho e dignidade.

Ao contrário, sua atuação foi marcada pela agressão em Zetterberg, muito mais do que a sua sombra nas finais. O sueco é um jogador muito melhor e mais eficiente nos aspectos defensivos do jogo do que Crosby sonhou em ser. Mesmo em produção ofensiva Zetterberg leva vantagem nas finais, com dois gols, seis pontos e saldo +4, contra um gol, três pontos e saldo -2 de Crosby.

Quando acertou o rival, Crosby deu o exemplo errado para seus companheiros. É por isso que um A ou C costurado na camisa não faz de alguém um líder.

A culpa é de quem empurrou em um garoto o papel de liderança. Crosby foi nomeado assistente de capitão dos Penguins aos 18 anos. À época, Don Cherry, comentarista do "Hockey Night In Canada", esbravejou no ar sua insatisfação com esse ato insano e irresponsável do então treinador da equipe. "Por favor! Um garoto de 18 anos? Ele vai dar ideias? Isso é ridículo!"

Ao fim da temporada seguinte, Crosby já era o capitão do time, aos 19 anos de idade.

Errou quem ensinou ao garoto que era certo reclamar da arbitragem sempre que ele se achasse com razão. É a partir disso que sai um jogador que reclama até contra bonés atirados no gelo.

De tanto martelarem em sua cabeça o quanto ele era importante, restou a Crosby quase nada de humildade.


A imagem da NHL
Crosby é vítima da necessidade da NHL de ganhar visibilidade. Enquanto Gordie Howe, Bobby Orr, Gretzky, Lemieux, Steve Yzerman conquistaram dentro do gelo o status de grandes jogadores, Crosby recebeu o seu como se fosse por direito. Ele não precisou trabalhar duro para ser o cara.

É por isso que ele é a vítima, porque provavelmente nunca teve escolha. Com 18 anos de idade já era apontado como o novo Gretzky. Ele não pediu por isso e acredito que nunca quis carregar tamanha expectativa. Mas logo após o locaute, quando a liga precisava desesperadamente reconquistar seu espaço, ele foi a resposta da NHL.

O exagero da exposição de sua imagem faz com que ele seja detestado pelas outras torcidas. Ninguém aguenta mais ver o número 87 na TV ou ouvir os comentários dos narradores e comentaristas que frequentaram a mesma escola onde Galvão Bueno se formou. A culpa disso é da imprensa e da liga, não do jogador. Ele aceitou o status por obrigação, provavelmente gostou do dinheiro e da fama, mas não tinha e não tem experiência para saber como lidar com tudo isso.

É notável que, aos 21 anos, ele tenha liderado os Penguins a duas finais de Copa Stanley. Ele pode ser campeão nesta semana, inclusive. Com Crosby e Malkin, esse time competirá pela Copa por muito tempo. E o tempo está do seu lado, afinal de contas ele ainda é só um garoto de 21 anos.

Humberto Fernandes reforça que não vê a hora da Copa Stanley acabar para voltar a estudar.

Claus Andersen/Getty Images
Evgeni Malkin assume um lugar privilegiado para assistir ao show dos Red Wings.
(06/06/2009)

Harry How/Getty Images
O que aconteceu no gelo durante o jogo 5 ficou em Detroit. O resultado não faz dos Red Wings mais favoritos.
(06/06/2009)

Bruce Bennett/Getty Images
Ele não está chorando, só está fazendo careta. Vítima da incompetência de Gary Bettman.
(06/06/2009)

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Página publicada em 8 de junho de 2009.