Por: Alexandre Giesbrecht

Se há um time nestas finais de conferência que pode usar sem medo o famoso chavão do "nós contra o mundo", esse time é o Carolina Hurricanes. Explico: a liga tem motivos para querer qualquer um dos dois times do Oeste nas finais da Copa Stanley, desde que seja contra os Penguins. Assim, com qualquer confronto ela teria um gerador quase inesgotável de notícas (boas). Se virmos uma repetição das finais passadas, com Red Wings e Penguins, a perspectiva de uma eventual revanche ser alardeada aos quatro ventos como "confronto do século" ou algo parecido é tão ou mais provável quanto o nascer-do-sol no Leste. Por outro lado, se as finais tiverem os Hawks enfrentando os Penguins, não preciso de uma tábua de ouija para prever manchetes como "confronto do futuro" ou algo parecido.

Já os Hurricanes, qualquer que seja seu adversário em uma eventual final, não trazem nem um pouco de apelo emocional para qualquer torcedor além das fronteiras da Carolina do Norte, a não ser àqueles que têm alucinógenos em seu principal grupo alimentar. O entusiasmo da região de Raleigh com seu time é diretamente proporcional à boa fase nos playoffs: vá longe, e muitos na cidade aparecerão para torcer; saia cedo, e a cidade vai seguir contando as horas para a corrida seguinte de Nascar. Sim, mais ou menos da mesma maneira como funcionava a cidade de Chicago em relação ao hóquei quando Bill Wirtz ainda comia grama sem ser pela raiz. Os Canes nas finais significam uma série solenemente ignorada pela mídia ao sul da fronteira do Canadá e ao norte do quartel-general de TheSlot.com.br.

É até compreensível. Em 2003 tivemos uma final que foi tão percebida por aí quanto um terremoto corriqueiro em Tóquio, e isso porque ela se deu antes do locaute e com times das áreas metropolitanas de Nova York e Los Angeles, as duas maiores dos Estados Unidos. Se os norte-americanos já mal se dão conta que a Carolina do Norte existe mesmo quando seu time de cestobol universitário ganha o campeonato nacional, imagine com o patinho feio dos esportes naquelas bandas. Um confronto contra o atual campeão ou contra um time recheado de bons jogadores da nova geração não seria o bastante para atrair atenção.

Mercadologicamente falando, é inegável que o Carolina nas finais da Copa seria brochante, mas isso não quer dizer que seus torcedores tupiniquins têm de torcer contra seu próprio time se quiserem ver seu esporte mais destacado — especialmente porque maior destaque nos Estados Unidos pouco ou nada quer dizer em relação a destaque por aqui. Afinal, esporte tem a ver é com meritocracia. Pergunte a qualquer torcedor das antigas (de futebol, mesmo) se o esporte não era mais apaixonante nos tempos em que um bom técnico era mais importante que um bom diretor de marketing. Mas a paixão ainda sobrevive de alguma maneira, e um dos grandes motivos é que as diretorias de marketing das ligas ou dos clubes ainda não influem no resultado dentro do gelo ou do campo. Se o time de Cam Ward e do coelhinho da Duracell Rod Brind'Amour chegar às finais, dane-se a divulgação!

Vai ser porque mereceu. Mesmo que tenha feito boa parte de sua torcida ter desenvolvido sérios problemas cardíacos, como comprovam os inúmeros finais de jogo emocionantes, incluindo o do jogo 1 contra os Penguins, que quase teve um gol do meio da rua a poucos segundos do fim, com direito a um disco quicando quase em zigue-zague que foi parado pelo goleiro Marc-André Fleury mais na base da sorte que da técnica, e o já icônico gol a 0,3 segundo do fim do jogo 4 contra os Devils, na primeira fase. Isso é time que não demonstra só raça, não. Demonstra vergonha na cara. Mesmo que sua cidade só resolva comprar ingressos para os jogos na falta de algo melhor para fazer (existe isso?) ou quando o time ganha mais que uns poucos jogos nos playoffs, é sempre uma honra ver um clube assim nas finais.


Miroslav Satan marcar um gol já um fato bizarro em si. Mais conhecido por suas fichas de número 666 em vários portais esportivos, ele nunca foi desses artilheiros natos, e justamente sua falta de produtividade ainda maior que o normal nesta temporada foi o que fez com que ele fosse mandado para o time de baixo dos Penguins em março, a fim de abrir espaço sob o teto salarial para Bill Guerin ser contratado. Essa transação, aliás, praticamente decretou que toda a experiência de Satan nos playoffs deste ano seria vivida pela TV.

Eis que ele surge do nada para entrar no lugar de Petr Sykora, outro jogador picado pelo mosquito da falta de gols marcados. Satan não foi sequer seu substituto, escalado que foi na terceira ou na quarta linha, mas, ao contrário do que seu histórico indica, ele marcou com raça cinco pontos nos últimos cinco jogos, incluindo um gol na primeira partida contra os Canes que foi um dos dribles em goleiro mais espetaculares da temporada.

O lance deu muita impressão de mera sorte, mas foi plástico ainda assim. Satan tinha acabado de sair do banco de penalidades, onde estava recluso por segurar um adversário, e viu o disco sobrar para ele, sem ninguém de branco à sua frente, além do goleiro Cam Ward, lá longe. Em disparada, ele ultrapassou a linha azul, ainda sem saber o que fazer, de acordo com suas próprias palavras. "Eu não tinha muito tempo, mas quando passei entre os círculos tive uma ideia", contaria depois.

Jogadores técnicos nessa situação têm a opção de ameaçar com o forehand, driblar e chutar de backhand, com um índice de aproveitamento salutar. Satan não é exatamente um jogador técnico, mas também está longe de ser um bonde. Optou por essa jogada, mas sua ameaça de forehand foi um pouco menos ameaça do que ele inicialmente planejara. Foi quase um chute. Sem querer ou não, enganou o goleiro Ward o suficiente para deixar o gol aberto, com o disco pedindo "me chuta, me chuta, me chuta", como se narrado pelo José Silvério.

O disco foi chutado, os Penguins abriram 1-0 no placar e o jogo não ficou mais empatado até o apito final.

Alexandre Giesbrecht, publicitário, já vê as pontas de dois dentinhos nas gengivas de seu filho.
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Página publicada em 21 de maio de 2009.