O dia-limite de trocas para os fãs de hóquei no gelo é algo como o Natal para as crianças de até dez anos de idade. Os presentes para os torcedores são reforços, para os times que vão disputar a Copa Stanley, ou apenas boas "vendas", para aqueles que vão acompanhar os playoffs pela televisão. A expectativa e ansiedade são as mesmas, com a diferença que os mais fanáticos se sentam frente ao computador ou à televisão e acompanham tudo o que se passa no mundo do hóquei.
De Antoine Vermette por Pascal Leclaire a Derek Morris, as primeiras 11 trocas do dia-limite estão tratadas em outro artigo.
Ao todo foram realizadas 22 trocas na quarta-feira, sendo que o público só tomou conhecimento da segunda metade após o horário-limite estabelecido pela Liga. E sempre foi assim, ano após ano: o dia passa com a sensação de que nada vai acontecer para, de repente, uma enxurrada de bons e maus negócios surgir da interação entre inteligentes e burros gerentes, depois da sirene soar.
Às 17h06, o Toronto Maple Leafs se desfez de Dominic Moore, enviando-o para o Buffalo Sabres em troca da escolha de segunda rodada do recrutamento desse ano.
Moore, central de 28 anos, é um jogador sólido, que atua bem em desvantagem numérica e oferece profundidade no ataque. É a melhor temporada da carreira de Moore, autor de 12 gols e 41 pontos, justamente no seu último ano de contrato, o que pode não ser exatamente uma coincidência.
O Toronto, através de seu gerente geral Brian Burke, havia estipulado o preço de Moore em uma escolha de primeira rodada, mas na falta de idiotas ele acabou saindo mais barato. De qualquer forma, os Maple Leafs lucraram com o jogador, que foi adquirido via Desistência na temporada passada.
Praticamente no mesmo instante, Anaheim Ducks e Atlanta Thrashers trocaram os atacantes
Erik Christensen e Eric O'Dell.
Christensen chegou aos Thrashers no dia-limite de trocas do ano passado, envolvido na negociação que levou Marian Hossa ao Pittsburgh Penguins. Há uma razão para o Atlanta desistir tão cedo do atacante de 25 anos, que pouco fez em sua passagem pela equipe. Christensen, que será agente livre restrito em julho, provavelmente não será mais do que um jogador de quarta linha na NHL.
O'Dell tem média de um ponto por jogo na OHL, mas aos 18 anos ainda está longe de jogar na grande liga.
Vinte e três minutos mais tarde, o Florida Panthers adquiriu o defensor Steve Eminger do Tampa Bay Lightning pelo também defensor Noah Welch e a escolha de terceira rodada no recrutamento de 2009.
Eminger, 25 anos, teve boas atuações em sua passagem pelo Lightning. Será útil para o Florida nos playoffs, se eles chegarem lá. Sobre Welch, basta dizer que ele nunca deu autógrafos.
Às 17h32, o Columbus Blue Jackets adquiriu pela escolha de quarta rodada do recrutamento desse ano o goleiro Kevin Lalande, dono de bons números nas ligas inferiores.
Pouco depois, o San Jose Sharks finalmente conseguiu se livrar do experiente defensor Kyle McLaren, de 30 anos e mais de 700 jogos na NHL, a quem o salário de US$ 2,5 milhões custou quase toda a temporada na AHL. Em outubro passado, sem espaço no orçamento após a aquisição de Dan Boyle e Rob Blake, os Sharks não tiveram outra escolha senão colocá-lo na Desistência. O Philadelphia Flyers decidiu apostar nele, pagando por isso a escolha de sexta rodada no recrutamento de 2009. É o último ano do proibitivo contrato do defensor.
No intervalo de cinco minutos, entre 17h37 e 17h42, os Ducks trocaram dois membros do trio que se destacou na conquista da Copa Stanley em 2007.
Primeiro foi o sueco Samuel Pahlsson, negociado juntamente com o defensor Logan Stephenson e uma escolha condicional no recrutamento de 2009, pelo defensor James Wisniewski e o central Petri Kontiola, com o Chicago Blackhawks.
Pahlsson, 31, é um dos melhores atacantes defensivos da liga. Será um grande reforço para os Blackhawks, principalmente nos playoffs, quando estará curado da mononucleose que o acometeu. Pahlsson será agente livre irrestrito em julho. Também parte da troca, Stephenson parece ser daqueles jogadores que nunca serão efetivos na NHL.
Wisniewski, por sua vez, aos 24 anos se tornou um seguro defensor de terceira linha, grande e forte. O finlandês Kontiola, central de 23 anos, é jogador de um ponto por média na AHL,
a caminho de encontrar um lugar na grande liga. Os dois serão agentes livres restritos na próxima temporada.
Em seguida, foi a vez do ponta-esquerda Travis Moen deixar Anaheim, rumo a San Jose, junto com o defensor Kent Huskins, em troca do atacante Nick Bonino e do goleiro Timo Pielmeier, além de uma escolha condicional em 2009.
Moen e Huskins de, respectivamente, 26 e 29 anos, estão no último ano de contrato. Com as recentes contusões sofridas por seus atacantes das linhas inferiores, os Sharks sentiram que poderiam adicionar segurança e profundidade adquirindo a dupla. Moen não é jogador que marca gols e cria jogadas, seu papel é estritamente defensivo.
Aos 20 anos de idade, Bonino e Pielmeier parecem ser bons prospectos. O central atua pela Universidade de Boston e o goleiro alemão está na QMJHL, onde registra belos números, tanto que seu contrato com os Sharks encerrava-se somente em 2011. Os Ducks reforçaram os favoritos ao título da Copa Stanley pensando em seu próprio futuro.
Dia-limite que se preze tem que ter uma troca complexa, com jogadores sendo trocados de um time para o outro em questão de minutos. Foi o que aconteceu quando o Carolina Hurricanes adquiriu o central Patrick O'Sullivan e a escolha de segunda rodada do recrutamento de 2009 do Los Angeles Kings em troca do ponta-direita Justin Williams. Os Hurricanes, então, despacharam O'Sullivan e a escolha para o Edmonton Oilers, repatriando o ponta-esquerda Erik Cole e, como troco, a escolha de quinta rodada desse ano.
O pobre coitado do O'Sullivan não foi jogador dos Hurricanes por mais do que três minutos.
Subvalorizado na liga, O'Sullivan tem contrato por mais duas temporadas a US$ 2,925 milhões por ano. Foi a novela para renovação de seu contrato que causou desgaste com a gerência dos Kings, embora o gerente geral Dean Lombardi afirme que somente realizou a troca porque Williams é um ótimo atacante. Azar o dele: aos 23 anos, O'Sullivan está a caminho de ser um talento de primeira linha na NHL.
Já Williams, de 27 anos, é o mais famoso jogador de vidro em atividade na liga, tendo perdido grande parte das últimas duas temporadas, com contusões recorrentes, inclusive no joelho e no ombro. Atualmente, Williams se recupera de cirurgia no tendão de Aquiles, que não é um problema dos mais irrelevantes na carreira de um jogador de hóquei. Em 2006, foi campeão da Copa Stanley com os Hurricanes, mas não é esse atacante todo que Lombardi pensa que ele é. Seu contrato se expira em 2011, por US$ 3,5 milhões ao ano.
Abrindo mão de um campeão por outro, os Hurricanes deram as boas-vindas novamente a Cole, que em Edmonton foi um fiasco. A esperança da equipe é que o atacante de 30 anos, em seu último ano de contrato, vire a página da temporada e readquira a velha forma. Cole começou sua carreira no Carolina, onde atuou por seis temporadas.
Quem se deu melhor na transação foi o Edmonton, principalmente depois de trocar a escolha de segunda rodada pelo atacante Ales Kotalik dos Sabres, outro que não recebe o devido valor liga afora. Na briga por uma das últimas vagas disponíveis na Conferência Leste, ninguém entendeu por que o Buffalo abriu mão do atacante, mas talvez o gerente geral Darcy Regier já soubesse que a equipe não conseguiria renovar o contrato do jogador, a caminho de ser agente livre em julho.
Os Oilers receberam dois bons atacantes em troca de um, que estava desinteressado e que se mudaria inevitavelmente ao fim da temporada. Os Hurricanes ficaram com um velho conhecido da torcida, que tinha química com os ex-companheiros. Os Kings levaram um atacante machucado, que se machuca constantemente e que deve continuar a se machucar no futuro próximo. E os Sabres vão escalar a escolha no recrutamento na segunda linha de ataque para vencer alguns jogos e garantir a classificação aos playoffs.
A última troca do dia, às 18h18, foi ao mesmo tempo a menos importante e a mais polêmica. Os Maple Leafs adquiriram junto ao Lightning o goleiro Olaf Kolzig, os defensores Jamie Heward e Andy Rogers e a escolha de quarta rodada no recrutamento de 2009, em troca do defensor Richard Petiot.
Muitos acreditaram que a NHL não aprovaria a troca. A Liga realmente deu uma olhada no negócio, porque todos os jogadores do Lightning envolvidos estão contundidos. A NHL quis garantir que a troca envolvia apenas "bens legítimos". No fim, a negociação foi aprovada.
Não é como se o Toronto quisesse tão desesperadamente a escolha de quarta rodada a ponto de aceitar um bando de jogadores contundidos. O ponto aqui é o dinheiro, tanto que nenhum dos lados quis comentar a troca, inicialmente. Perguntado pela TSN se poderia, por favor, explicar a negociação, Burke respondeu imediatamente: "Não!"
Ele simplesmente não podia explicar que fez a troca para provar que é capaz de driblar o sistema. Se a NHL não permite que os times envolvam dinheiro nas trocas, os Maple Leafs "compraram" uma escolha de quarta rodada no recrutamento, pagando indiretamente por isso US$ 450 mil, o somatório do valor restante dos contratos de Kolzig e Heward.
Para o Lightning, o que interessa não é o jogador que obtiveram em troca, mas a real possibilidade de reduzir a folha salarial abaixo do ponto médio (US$ 48,7 milhões), o que permitirá à equipe participar da divisão de receitas da Liga.
O precedente aberto é perigoso. E se os times menores, no futuro, de olho na divisão de receitas, começarem a rifar salários de jogadores inúteis, contundidos ou aposentados,
junto com uma escolha de primeira rodada, para um time rico e com espaço no teto salarial?
Isso definitivamente se encaixa no conceito de "comprar e vender escolhas", terminantemente proibido pela Liga.
"Na minha cabeça, espaço no teto salarial e dinheiro são bens, como escolhas no recrutamento, e eles deveriam ser livremente negociados," disse Burke. "Eu não sei por que nós não podemos dizer 'tudo bem, vamos aceitar US$ 1 milhão em retorno — sem jogadores envolvidos — por uma escolha de primeira rodada.' Eu não tenho idéia do por que isso não é permitido, mas não é".
Não é. Mas Burke encontrou um jeito.
O dia-limite de trocas terminou com 45 jogadores envolvidos e um leque de escolhas trocando de mãos. Oito equipes passaram em branco — Detroit, Minnesota, Montreal, Nashville, New Jersey, St. Louis, Vancouver e Washington —, mas elas não são necessariamente perdedoras e seus gerentes não cometeram o pecado da omissão. Há quem diga que é melhor evitar as tentações do dia-limite.
Do ponto de vista dos fãs, fica a lição: no ano que vem, é melhor chegar uma hora antes do horário-limite.